O crescente uso da inteligência artificial (IA), sobretudo das ferramentas generativas, levará a uma piora exponencial no compartilhamento de notícias falsas e desinformação nas eleições municipais de 2024 no Brasil, quando milhões de eleitores vão às urnas, em outubro, para escolher novos prefeitos e vereadores. A avaliação é do professor e advogado José Luís Bolzan de Morais e da advogada e Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais Mirian Porto do Sacramento. Os dois participaram de um grupo com mais 12 profissionais, organizado pela Faculdade de Direito de Vitória, que teve projeto aprovado pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e elaborou o relatório sobre o ‘Controle, pela Justiça Eleitoral, do Uso e Impacto das Redes Sociais no Processo Eleitoral de 2022′, quando ocorreram eleições presidenciais, para governadores de Estados, para o Senado, Câmara Federal e Assembleias Legislativas Estaduais.
Em agosto de 2023, em resposta ao requerimento do senador Eduardo Gomes (PL/TO), foi instaurada a Comissão Temporária de Inteligência Artificial (CTIA) no Senado Federal. O objetivo é o discutir diferentes Projetos de Lei sobre o uso da tecnologia. A inteligência artificial (IA) vem se mostrando, ao mesmo tempo, uma ferramenta para otimização de demandas no setor público, mas também uma preocupação para o processo democrático. No contexto das eleições municipais de 2024, ela desperta preocupações, com o uso de IA na disputa e a ausência de uma legislação específica que regulamente o processo. São diferentes os problemas, como uso do deepfakes e criação de conteúdo falso.
“A preocupação para 2024 é muito grande. Estamos chegando ao final do ano e termina o prazo para que o Congresso Nacional faça a regulamentação, por meio de lei, para as eleições municipais de 2024. Isso obriga o TSE a fazer regulamentação pontual sobre o tema. O ideal seria uma legislação geral e mais perene. O País tem 5.570 municípios, o que facilita a pulverização da desinformação. São centenas de juízes nos Estados, o que poderá provocar decisões contraditórias”, explica o advogado José Luís Bolzan, que é professor convidado da pós-graduação da Universita de Firenze, Universita Roma I, Universidad de Sevilla e Universidade de Coimbra; coordenador do Grupo de Pesquisa Estado & Constituição e da Rede de Pesquisa Estado & Constituição; e criador e coordenador do Cyber Leviathan (Observatório do Mundo em Rede) e coordenador da REDITECH – Rede de Grupos de Pesquisa em Direito e Tecnologia.
Ele acredita que a produção de notícias falsas (fake news) com a ajuda da inteligência artificial se dará, principalmente, com a contratação de empresas responsáveis pela distribuição da desinformação, reveberando, assim, no processo eleitoral. José Luís Bolzan explica que a “criatividade” das milícias digitais é muito grande. Em 2018, quando Jair Bolsonaro (PL) foi eleito presidente do Brasil, o controle do sistema eleitoral sobre as fake news foi um fracasso. “Nas eleições municipais de 2020 o Sistema de Justiça Eleitoral aprendeu um pouco. Em 2022, a Justiça já tinha mais experiência, porém, em 2024 o controle será mais difícil devido ao avanço justamente da inteligência artificial”, diz o professor Bolzan.
Sua colega Mirian Porto do Sacramento explica como a IA poderá agir nas eleições do próximo ano: “Essa ferramenta traz outra cara na informação. Cria, por exemplo, perfil individual para cada cidadão. A inteligência artificial sabe o que as pessoas compram, consomem. Em que elas acreditam. Ao receber uma informação falsa sobre determinados candidatos, o eleitoral terá seu voto enviesado. O conteúdo falso que chegará até ele passa a ser verdadeiro, porque esse eleitor acredita naquela notícia falsa. Assim, o resultado de uma eleição deixa de ser a vontade democrática; passa a ser uma vontade fantasiosa. Esse tipo de comportamento deslegitima o processo eleitoral. Vence aquele que tem mais capacidade de espalhar notícias falsas e de enganar a opinião pública”, diz Mirian Porto do Sacramento:
“Hoje, a inteligência artificial manipula rosto, voz e inclui nas redes sociais até cenas constrangedoras”, completa a advogada.
José Luís Bolzan usa como exemplo o caso investigado pela Polícia Civil do Rio, que abriu inquérito após montagens com nudez de alunas do Colégio Santo Agostinho, da Barra da Tijuca, terem circulado em grupos de WhatsApp. Alunos do 7º ao 9º são suspeitos de usar inteligência artificial para remover as roupas de fotos das jovens que foram postadas nas redes sociais. Eles teriam baixado um aplicativo, feito as alterações e disparado as imagens adulteradas entre grupos. Ao menos 20 meninas, estudantes do colégio ou não, teriam sido expostas.
“Hoje o modelo da produção de fake news avançou. Há montagens de rosto, como no caso das meninas do Rio; há discursos voltados para a moralidade. Tudo isso leva a um engajamento maior e provoca mais discussões. Os grupos responsáveis pela desinformação querem manter as pessoas mais conectadas, com vários tipos possíveis de artimanhas. A evolução da tecnologia permite evoluir também as fake news e as plataformas, que visam o lucro, não vão fiscalizar esse tipo de atitude”, lamenta Bolzan.
Coordenado do projeto ‘Missão de Observação Eleitoral’, o professor José Luís Bolzan disse que o TSE buscou acordos com as plataformas de redes sociais na internet com forma de se evitar a propagação das fake news. “Mas as tratativas não deram certo, porque as plataformas, na maioria das vezes, não cumpriram os acordos. Enquanto isso, o Projeto de Lei das Fake News, no Congresso Nacional, não avançou por pressão das plataformas”, lamenta Bolzan.
Segundo Mirian Porto do Sacramento, uma vez postada, a desinformação (ou conteúdo falso) nunca sai das redes: “Mesmo que haja uma decisão judicial para a retirada do conteúdo, o efeito é pouco prático. Uma vez postada, faz-se um print, que passa a circular. Uma vez disseminada, a notícia falsa nunca mais é excluída do mundo digital”, lamenta a advogada capixaba.
“Às vezes a plataforma não retira determinada desinformação do ar, mesmo com ordem judicial, ou demora retirar. O direito ao esquecimento na internet não existe”, completa o professor Bolzan.
O raciocínio acima é uma das conclusões a que chegou a ‘Missão de Observação Eleitoral’. O grupo formado a partir da FDV teve a missão de monitorar todas as decisões judiciais sobre desinformação durante o processo eleitoral de 2022, mas só no âmbito da Justiça Eleitoral: “O PL das Fake News não andou, pois há interesses de terceiros que impedem o seu avanço no Congresso. Os Tribunais Regionais Eleitorais só podem trabalhar sobre o que determina o TSE. O nosso TRE (do Espírito Santo) foi bastante efetivo dentro daquilo que pôde atuar, até porque, muitas das irregularidades não chegam ao Judiciário”, afirma Mirian Porto do Sacramento.
Gaúcho, o professor de Direito Constitucional José Luís Bolzan possui escritório no Espírito Santo. Atua com sua sócia, a advogada Marcela Bussinger, na Bolzan & Bussinger Advocacia, em Vitória. Ele também mantém escritório em Belo Horizonte e no Distrito Federal. Atualmente, realiza um estudo junto com a Universidade Estadual de Pernambuco que visa mapear as plataformas das redes sociais para identificar e obter meios que comprovam as notícias falsas. “Eu e o professor Fernando Buarque estamos realizando testes em outras áreas para criar uma ferramenta que vai, por meio da inteligência artificial, identificar a desinformação nas campanhas eleitorais já em 2024. Essa ferramenta permitirá que escritórios que atuam no âmbito Eleitoral possam usar mecanismos para acompanhar todo o processo de eleição para prefeitos e vereadores”, informa José Luís Bolzan.
Lista de membros observadores da ‘Missão de Observação Eleitoral’
Alexandre Freire Pimentel – Universidade Católica de Pernambuco
Bruno Calmon Du Pin Tristão Guzansky – Faculdade de Direito de Vitória
Bruno Costa Teixeira – Faculdade de Direito de Vitória
Cláudio José Amaral Bahia – Instituição Toledo de Ensino de Bauru (SP)
Fabio Carvalho Leite – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Felipe da Veiga Dias – Atitus Educação (RS)
Flavia de Campos Pinheiro – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Universidade Federal de Ouro Preto(MG)
José Luis Bolzan de Morais – Faculdade de Direito de Vitória
Juliana Cardoso Ribeiro Bastos – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz – Universidade do Oeste de Santa Catarina
Mirian Porto do Sacramento – Faculdade de Direito de Vitória
Nelson Camatta Moreira – Faculdade de Direito de Vitória
Thainá Penha Pádua – Universidade de Itaúna (MG)
Além dos membros formais da Missão, foram incorporados alunos e e orientandos de vários Programas de Pós-Graduação: Ligia Kunzendorff Mafra, Ronaldo Félix Moreira Júnior, Júlio Tácio Andrade Lopes de Oliveira, Robertha dos Santos Peixoto e Júlia Souza Luiz.