A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou sentença do juiz Miguel Maira Ruggieri Balazs, da 3ª Vara Criminal de Cachoeiro de Itapemirim, que absolveu o jornalista e dono do portal de notícias Folha do ES, Jackson Rangel Vieira, numa ação de queixa-crime pleiteada pelo advogado Rafael Freitas de Lima, que alegou ter sido vítima de crime de difamação. Jackson está preso no Complexo Prisional em Viana pela acusação de integrar uma organização criminosa responsável por milícias digitais e atos antidemocráticos, com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão do TJES, cujo acórdão foi publicado na quarta-feira (18/10), o Tribunal devolve os autos ao magistrado de primeiro grau, “reformando a sentença de absolvição sumária e determinando a realização da instrução processual”.
A Apelação Criminal nº 0000326-59.2022.8.08.0011 começou a ser julgada no dia 30 de agosto de 2023. Por meio de seu advogado Anderson Burke Gomes, Rafael de Lima interpôs o recurso de Apelação Criminal em face da sentença que absolveu Jackson Rangel, nos termos do artigo 397, III do Código de Processo Penal. Na sentença proferida em 8 de setembro de 2022, o juiz Miguel Maira Ruggieri Balazs entendeu que os fatos narrados em desfavor de Jackson “não configuram crime, por ausência de dolo.”
Na Inicial, Rafael de Lima informa que no dia 1º de novembro de 2021 Jackson Rangel publicou no jornal eletrônico Folha do ES ‘matéria’ que imputa ao advogado fatos ofensivos a sua reputação por meio da reportagem intitulada “O juiz que sabe demais e o MP que transige ao gosto do freguês”. O advogado ainda solicitou que o texto fosse retirado do ar, mas o juiz indeferiu o pleito – decisão mantida pela 1ª Câmara Criminal. No entanto, o magistrado recebeu a queixa-crime e o Ministério Público Estadual pugnou pelo prosseguimento da ação.
O juiz Miguel Maira Ruggieri Balazs analisou o caso e decidiu pela absolvição sumária e, “diante da ausência de gratuidade de justiça ao autor, por não ser pobre nos termos da lei, condeno o querelante (Rafael de Lima) a arcar com custas processuais e honorários advocatícios à parte contrária no valor de 15% utilizando como parâmetro o valor pedido como indenização (R$ 20.000,00). Com relação as custas processuais, ao Contador para cálculos, em seguida intime-se para pagamento. Não havendo pagamento inscreva-se em dívida ativa para cobrança nos termos da lei.”
Rafael de Lima, porém, se insurgiu contra esse entendimento. Pediu a anulação da sentença pelo fato também de não ter sido realizada audiência pré-processual de conciliação, o que, no seu entender, ofenderia os artigos 564, IV, e 520, ambos do Código de Processo Penal. Pediu também a retirada das matérias jornalísticas do ar e a redução do valor da condenação dos honorários advocatícios, caso seja mantido o teor da sentença objurgada.
A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado manifestou pelo acolhimento dos pedidos do advogado Rafael de Lima. O relator do recurso, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, entendeu que o pedido de Rafael de Lima não merecia prosperar:
“O magistrado a quo entendeu ausente a necessidade de realização de audiência de conciliação, o que, na versão do apelante (Rafael), viola os termos dos artigos 564, IV, e 520, ambos do Código de Processo Penal que passo a reproduzir: O magistrado deixou claro que, se houvesse interesse na realização da audiência de conciliação, bastaria que as partes se manifestassem por meio de petição escrita. Ocorre que isso não se deu em momento algum, exceto na petição inicial. Ou seja, depois de indeferida a realização da audiência, o apelante quedou silente. Nos termos da decisão acima reproduzida, compreende-se com clareza que o silêncio das partes faz presumir o desinteresse na realização da audiência do artigo 520. E assim foi feito”, escreveu o relator.
O desembargador Pedro Valls prosseguiu: “Ademais, a finalidade da audiência em questão é a composição civil dos danos e, por conseguinte, o arquivamento da queixa-crime, como se pode aduzir pela leitura dos artigos 521 e 522 do Código de Processo Penal. Compulsando os autos, verifico que o apelante manifestamente não possui interesse na composição civil dos danos. É o que se pode concluir da leitura das razões da apelação”.
Para o relator, “ao menos no que toca ao aspecto penal, ficou decidido em primeira instância que os fatos ora debatidos não configuram crime. A sentença, como já dito, não deve ser anulada. Tendo em vista os limites da jurisdição criminal, ainda que o fato possa se enquadrar eventualmente como ilícito na esfera cível, entendo inviável o pleito na esfera penal. Não poderia este Juízo criminal ordenar a retirada do ar de matéria jornalística quando não há nenhum crime em questão, conforme decidido pelo juízo a quo.”
O primeiro voto divergente foi do revisor do recurso, desembargador Fernando Zardini. “Ora, da leitura da matéria objeto da presente controvérsia, entendo que existem elementos suficientes para demonstrar, ao menos em um juízo de cognição sumária, que houve intenção do querelado (Jackson Rangel) em difamar o querelante (Rafael de Lima). Extraio do contexto fático apresentado nos presentes autos que a matéria publicada possuía o condão de ofender a dignidade do querelante, devendo a existência, ou não, do especial fim de agir exigido pelo art. 139, do Código Penal, ser apreciado no curso da instrução criminal, afinal, não restou configurado, de plano, a ausência de dolo específico do agente, não me parecendo medida razoável a absolvição sumária do querelado”, pontuou o desembargador.
Zardini cita que, na inicial acusatória, Rafael de Lima pleiteou, “de forma expressa, a designação de audiência, com o intuito de oportunizar ao querelado a realização de retratação, nos termos do art. 143 do Código Penal. Porém, o juiz Miguel Maira Ruggieri Balazs, ao receber a denúncia, manifestou-se da seguinte forma, sobre a realização da audiência prévia de conciliação:
“Em que pese a previsão legal contida no art. 520 do CPP, deixo de designar audiência de conciliação diante da ínfima improbabilidade de que isso aconteça. Todavia, havendo interessa de qualquer das partes na conciliação, basta informação por petição para que o ato seja realizado a qualquer tempo, ainda que durante a instrução do processo”.
O desembargador Fernando Zardini, no entanto, frisou o seu voto que, “em que pese o respeitável entendimento exposto pelo magistrado sentenciante, entendo que a sentença deve ser anulada, tendo em vista a inobservância do procedimento, previsto no art. 520 do Código de Processo Penal. Isso porque, o dispositivo mencionado exige que o magistrado, antes de receber a queixa-crime, promova, de forma obrigatória, audiência de conciliação entre as partes, a fim de buscar a reconciliação.”
Pontuou mais o desembargador-revisor: “Trata-se, indiscutivelmente, de condição de procedibilidade, na apuração dos crimes de calúnia e injúria em ação penal privada, uma vez que, estando formalmente em ordem a queixa-crime, a notificação ao imputado para a audiência é providência indispensável, não podendo a queixa ser recebida antes de sua realização. Não há dúvidas, dessa forma, que o magistrado de primeiro grau não poderia ter deixado de observar o procedimento previsto no artigo 520 do Código de Processo Penal, tão somente por supor que as partes não se conciliariam, notadamente, porque o querelante expressamente demonstrou interesse na realização do procedimento.”
Ainda segundo Fernando Zardini, “não se pode ignorar, ainda, conforme bem indicado pela Procuradoria Geral de Justiça, que o querelante (Rafael de Lima) não foi intimado da decisão que recebeu a queixa-crime, sendo que a primeira oportunidade em que se manifestou nos autos, depois do recebimento da queixa, foi na interposição do presente recurso.” Por isso, salientou o desembargador-revisor, “considerando a inobservância do procedimento previsto no art. 520 do Código de Processo Penal, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para anular a sentença prolatada.”
Terceira a votar, a desembargadora Rachel Durão Correia de Lima acompanhou o voto divergente. “Não obstante, pela simples leitura da matéria jornalística veiculada pelo querelado, a princípio, verifica-se a narrativa de supostos fatos desonrosos e ofensivos à reputação do querelante, o que, em tese, caracterizaria o crime de difamação. Destaco que a linha que separa eventual difamação do direito à liberdade de expressão se mostra deveras tênue, sendo necessária a realização da instrução processual justamente para que seja apurada a existência ou não do animus difamandi por parte do querelado”, afirmou a desembargadora, que concluiu:
“De outra banda, como pontuado no voto divergente, eventual veracidade das informações veiculadas pelo querelado não tornam o fato atípico, eis que para configuração do crime de difamação basta imputar a alguém fatos ofensivos à sua reputação.”
Saiba Mais
O jornalista e dono do site Folha do ES, Jackson Rangel, está preso desde o dia 15 de dezembro de 2022 junto com o vereador afastado Armandinho Fontoura (Vitória), o falso pastor Fabiano Oliveira e o o microempresário Maxcione Pitangui de Abreu (Max), no âmbito dos Inquéritos 4.781 (atos contra a democracia) e 4.828 (atuação de milícias digitais), ambos de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Também respondem pelas mesmas acusações o deputado estadual Capitão Assumção (PL), o advogado empresário Gabriel Quintão Coimbra e o ex-deputado estadual e corretor de imóveis do Carlos Von Schilgen Ferreira, vulgo Carlos Von. Este último e Assumção cumprem medidas cautelares, como a de usar tornozeleira eletrônica e de ficar impedidos de usar redes sociais.