4 de janeiro de 2013. O delegado aposentado, jornalista e escritor José Barreto Mendonça foi a Jardim Camburi, em Vitória, visitar um de seus filhos, Barreto Júnior, que é investigador de Polícia Civil. Pouco tempo depois de chegar ao apartamento, ele foi alertado pelo filho: “Papai, acabei de receber a notícia do assassinato da policial civil aposentada Lacy Ribeiro, em uma residência, no bairro Carapina, na Serras”. De imediato, Barreto-Pai procurou saber mais informações sobre a vítima e recebeu a seguinte resposta: “Desista, papai, só conheci a Lacy porque fizemos dupla em um dosou dois plantões no DPJ da Serra”.
Em 2021, ao visitar uma amiga que trabalha na Secretaria de Cultura de Vitória, Barreto passou a conhecer melhor a mulher assassinada oito anos antes. E mais: se apaixonou pela obra da vítima. Trata-se de Lacy Fernandes Ribeiro, poetisa, contista, romancista e agente de Polícia Civil, que nasceu em Barra de São Francisco, Região Noroeste capixaba, em 1948, e foi assassinada com 13 facadas, no bairro Carapina, na Serra, em 3 de janeiro de 2013. Inquérito Policial, concluído nove anos depois pela Polícia Civil, indica que Lacy foi vítima de latrocínio – assaltada e morta – e os dois criminosos – 0Fabrício Germano Gomes, vulgo Bill, e Rafael de Carvalho Rodrigues, vulgo Rafael Lagarto – foram presos em 14 de outubro de 2022.
A partir daquele encontro com a amiga da Cultura, José Barreto Mendonça decidiu escrever sobre Lacy Ribeiro e suas obras. Buscou ajuda do amigo e jornalista Paulo César Dutra, que entrevistou policiais civis sobre o Inquérito que estava em andamento e à espera de novas diligências e provas periciais, sobretudo os exames de DNA. O trabalho de Barreto e PC Dutra se transformou no livro ‘Quem matou Lacy Ribeiro?’, a ser lançado na quarta-feira (18/10), no auditório Hermógenes Lima Fonseca, na Assembleia Legislativa. Mais do que uma narrativa policial investigativa, a obra resgata a importância de Lacy para a literatura do Espírito Santo.
O livro traz depoimentos de escritores e amigos que conviveram com Lacy desde que ela chegou a Vitória, em 1964. A presidente da Academia Espírito-Santense de Letras, professora e escritora Ester Abreu Vieira de Oliveira, escreveu o prefácio do livro:
“Lacy nos deixou entre as suas obras uma confessional, cuja história seria filmada em Londres, na Inglaterra: ‘Paixão de cárcere: romance proibido’, publicado em 2009, quatro anos antes de sua fatídica morte, em 2013. Nessa obra, de forma testemunhal, a personagem narra sua paixão por um amor proibido: era um detento, e ela era funcionária do cárcere. Esse tema se assemelha à vida da escritora que viveu uma grande paixão e se casou com um encarcerado. Também esse interdito faz lembrar essas letras dolorosas de tango, que transbordam de um pecado sedutor: o da luxúria”, pontou a professora Ester.
Já atuando como agente de Polícia, Lacy se casou com um bandido identificado como José Raimundo de Freitas, que havia sido preso pela Polícia Civil capixaba depois de ter fugido para o Espírito Santo após cometer mais de 20 assassinatos em Minas Gerais, além de tráfico e assaltos. O casamento foi em 30 de março de 2001 e no dia 17 de março de 2009 o casal se divorciou. Freitas morreu em um acidente de carro logo após o assassinato de Lacy.
“Não existe crime perfeito. A vivência de jornalistas que se especializam em reportagens policiais muita das vezes contribui com a apuração de um crime”, diz PC Dutra. Ele e José Barreto trabalharam juntos no saudoso jornal O Diário, da Rua Sete, no Centro de Vitória, entre 1974 e 1982, e também em A Gazeta e no jornal A Tribuna.
O livro retrata que Lacy, na verdade, foi casada com um serial killer – e ela sabia disso. José Raimundo de Freitas, bandido que tomou de paixão o corpo e a alma da policial civil e escritora Lacy Ribeiro, seria um matador em série ou um simples matador de aluguel, braço executor direto de uma facção criminosa. Parceiro de Barreto no livro, o repórter Paulo César Dutra escreveu:
“Freitas após deixar um rastro de sangue na Grande Belo Horizonte, em Minas Gerais, fugiu para o Espírito Santo. Quando ele começou a matar? Ninguém sabe! Porém ele começou, segundo confidentes, quando foi contratado por traficantes para executar 26 concorrentes deles, na Região da Grande Belo Horizonte. Ele se escondia em Santana do Pirapama, onde tinha a família e amigos, que só tomaram conhecimento quando ele passou a ser procurado como suspeito pela polícia. Essas informações foram vazadas pelo próprio Freitas (entre 27 de setembro de 2011 e agosto de 2013), quando ele conversava com pessoas que o visitavam na entidade de recuperação de usuários de drogas e bebidas alcoólicas, em Linhares, Norte do Espírito Santo. Ele (Freitas) ficou famoso pela coragem de aceitar, quando procurado pelos traficantes que comandavam quase todos os pontos de comercialização da cidade e dos municípios adjacentes como em Pedro Leopoldo, Matosinho, Lagoa Santa, Vespasiano, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Sabará e parte de Contagem, para executar 26 traficantes ,que estavam invadindo seu território.”
O serviço sujo foi executado, em menos de 50 dias os traficantes rivais do capo foram assassinados um a um, em segurança. Após as execuções, a facção que o contratou o recompensou-lhe com boa soma em dinheiro, obrigando-o a fugir de Sete Lagos para o Espírito Santo. Desembarcou do trem, em Jardim América. Ficou por um certo tempo em São Torquato e, terminada a reserva financeira recebida pela empreitada em Sete Lagoas, passou a roubar, sequestrar, traficar e a matar no Espírito Santo, relata o livro.
O livro retrata também como o assassinato de Lacy foi desvendado pela titular da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Mulher (DHPM), delegada Raffaella Aguiar. Por conta da excelência da apuração, a delegada e sua equipe vão ser homenageadas pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Assembleia Legislativa, durante o lançamento do livro. A delegada tem também papel de destaque no livro ‘Quem matou Lacy Ribeiro?’
No dia 7 de dezembro de 2022, a Polícia Civil informou que já havia prendido os assassinos de Lacy. E explicou que prendeu os criminosos em outubro daquele ano, no bairro André Carloni, na Serra. Fabricio Ghermano Gomes, vulgo ‘Bill’, e Rafael de Carvalho Rodrigues, conhecido como ‘Rafael Lagarto’, foram capturados em 14 de outubro. O DNA de Fabrício foi encontrado na cena do crime. De acordo com as investigações, ele também é o principal suspeito de matar outra mulher na Serra, identificada como Maria Ramos, crime ocorrido em 10 de dezembro de 2012, no bairro Mestre Álvaro:
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“Tinha a informação de que um material biológico foi recolhido lá. Pedimos o confronto com a da vítima e vimos que era diverso, e que era de perfil genético masculino. Já tinha, à época, alguns suspeitos. Então fizemos o pedido para o DNA e conseguimos colocar um dos autores, que é o Fabrício, vulgo Bill, na cena do crime, no quarto dela”, informou a delegada Raffaella Aguiar, na ocasião.
“A perícia constatou que teve o arrombamento da porta. Isso nos leva a crer que ela acordou, já estava se preparando para tomar um banho, quando ela ouviu que tinham arrombado a porta. Nisso, por ser uma policial, ela se valeu da sua arma de fogo pra ver o que estava acontecendo. Foi a hora em que ela alvejou o Fabricio e aí acabou que os dois conseguiram pegá-la e desferiram os golpes fatais nela”, completou a delegada.
O livro ‘Quem matou Lacy Ribeiro?’ estará à venda por R$ 35,00. Quem quiser também adquirir outro livro de José Barreto Mendonça – ‘Avulsos de uma vida louca’ –, pagará R$ 15,00 pela segunda obra.