O juiz Carlos Henrique Cruz de Araújo Pinto, da 2ª Vara de Anchieta, designou para o dia 19 de março de 2024 a audiência de instrução e julgamento da Ação Penal número 0000241-60.2023.8.08.0004, que tem como réu o ex-deputado estadual e corretor de imóveis Carlos Von Schilgen Ferreira, vulgo Carlos Von, denunciado pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo nas iras do artigo 399 do Código Penal Brasileiro. Trata-se do crime de denunciação caluniosa, que é o ato de iniciar algum tipo de procedimento investigativo ou punitivo, atribuindo crime a pessoa que sabe que é inocente. A vítima de Carlos Von é o ex-presidente do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) e atual presidente da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), Munir Abud de Oliveira. Se condenado, o ex-parlamentar pode pegar pena que vai de dois a oito anos de reclusão, além de ter que indenizar a vítima.
O Ministério Público ressalta na denúncia, já acolhida pela Justiça, o fato narrado na Inicial está correlacionado ao objeto de investigação na Petição nº 10.590/ES, protocolada pela Procuradoria-Geral de Justiça do MPES, no bojo dos Inquéritos 4.781 (atos contra a democracia) e 4.828 (atuação de milícias digitais), ambos de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, “que acolheu integralmente pedidos do MP capixaba, valendo o registro que a medida cautelar em desfavor” de Carlos Von como o uso de tornozeleira eletrônica, foi decretada por ofício pelo ministro.
Nesses dois Inquéritos, foram alvos também o deputado estadual Capitão Assumção (PL) e o advogado de Carlos Von nessa Ação Penal em que ele é réu em Anchieta, o empresário Gabriel Quintão Coimbra. Os três foram alvos de mandado de busca e apreensão nas mesmas ações coordenadas pelo STF. Assumção cumpre também medidas cautelares, dentre as quais o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de fazer postagens em redes sociais. Gabriel Coimbra não teve medida cautelar decretado em seu desfavor.
Esses dois Inquéritos no STF são os mesmos em que estão presos o vereador afastado Armandinho Fontoura (Vitória), o falso pastor Fabiano Oliveira, o jornalista Jackson Rangel e o microempresário Maxcione Pitangui de Abreu (Max). Os sete capixabas são acusados de integrar o mesmo grupo investigado por milícias digitais e atos contra a democracia.
Ainda de acordo com a denúncia da Ação Penal 0000241-60.2023.8.08.0004, que tramita na 2ª Vara de Anchieta, no dia 22 de março de 2022, “às 16h18”, via e-mail, Carlos Von, “agindo de forma consciente e voluntária, apresentou Notícia Crime em face de Munir Abud, causando, assim, a instauração do Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Na Representação, o ex-deputado imputou a Munir crimes que o agora presidente da Cesan teria cometido quando exercia o cargo de Procurador-Geral do Município de Anchieta.
E mais: Carlos Von expressamente requereu a instauração de um Inquérito Civil contra Munir Abud, para que fosse apurada também suposta Improbidade Administrativa, a partir de suas informações levadas ao Ministério Público. Por isso, diante dos fatos apresentados pelo corretor de imóveis e ex-deputado Carlos Von, a Promotoria de Justiça de Anchieta instaurou o PIC em 15 de junho de 2022.
“Tal investigação culminou por ser arquivada, tendo em vista que os fatos não se revestiram de qualquer tipicidade penal, nos termos da promoção final subscrita pelo promotor de Justiça Robson Sartório Cavanlini, que asseverou não haver quaisquer elementos ou informações, ainda que indiciários, da ocorrência dos crimes imputados ao investigado Munir Abud de Oliveira”.
Para o Ministério Público Estadual, ao apresentar a Notícia Crime, Carlos Von “imputou conscientemente a terceira pessoa fato tido como crime, em afronta ao primado constitucional da presunção da inocência, já que não havia, até então, qualquer conclusão formal acerca da legalidade da conduta do então Procurador-Geral de Anchieta. Ou seja, sabedor de que pesava em favor desta a peça de inocência, deu causa à instauração do PIC, imputando-lhe a prática de crimes”.
Na denúncia, o Ministério Público esclarece o contexto da Inicial, “pois há uma imbricação do fato certo e determinado aqui descrito com o método de exercer a política – na época do suposto crime contra Munir Abud, Carlos Von era deputado – por determinados seguimentos na atual quadra da história, repleta de polarização, transformou-se no jogo de ofensa, da denunciação caluniosa, da injúria e da difamação, tudo a pretexto de exercer um ‘combate à corrupção’’ e da aparência da legitimidade, que tem a função típica de exercer a fiscalização dos atos executivos”.
Na denúncia, o Ministério Pública cita que Carlos Von e os demais seis capixabas investigados nos dois Inquéritos que tramitam no STF estão “num amplo contexto de milícia digital, que se especializou na disseminação de desinformação no território capixaba, com finalidades ilícitas, ainda com investigação em trâmite”. Assim agindo, observa o MPES, Carlos Von incorreu nas sanções penais domiciliadas no artigo 399 do Código Penal. E o Parquet requereu: 1) A atuação e o processamento da presenta para ao final condenar o denunciado nas sanções que lhe couber; 2) a fixação de valor mínimo de indenização à vítima, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
E mais: o MP deixou de ofertar acordo de não persecução penal, por conta do denunciado Carlos Von, “apesar de ter sido devidamente cientificado, não ter demonstrado seu interesse em confessar a prática delituosa e reparar integralmente os prejuízos suportados pela vítima.”
Justiça rejeita preliminares da defesa e dá sequência ao processo
No dia 12 de julho de 2023, o advogado Gabriel Coimbra, protocolou a defesa prévia de seu cliente Carlos Von, pleiteando o recebimento da peça defensiva, a rejeição da denúncia por inépcia material e, alternativamente, a absolvição sumária. O juiz Carlos Henrique Cruz de Araújo Pinto, no entanto, rejeitou os pedidos, fundamentando que, “conforme a lição do saudoso, Professor Fernando da Costa Tourinho Filho: ‘a defesa pode dirigir-se contra a ação ou contra o processo. Na primeira hipótese, ela pode ser direta ou indireta. Diz-se direta quando o réu se opõe à pretensão deduzida, negando o fato, negando a autoria ou, então, invocando um álibi de molde a tonar impossível o acolhimento da pretensão deduzida. Diz-se indireta quando o réu, sem negar o fato ou autoria, evoca, em seu prol, uma circunstância que neutraliza a pretensão: arguição de extinção da punibilidade, de uma causa que o isente de pena ou exclua o crime etc.” (Processo Penal, Editora Saraiva, 25ª edição, pág. 565).
Neste mesmo sentido, prossegue o magistrado, o ilustre professor ressalta que, a defesa pode dirigir-se, também, contra o processo. “Assim, quando o réu evoca uma causa qualquer de nulidade, faça-o singelamente, faça-o de forma especial. Nesta hipótese, estamos em face das exceções, a qual segundo a doutrina pode ser dilatórias ou peremptórias.” O juiz Carlos Henrique Cruz de Araújo Pinto salienta que nessa etapa do processo impera o princípio do ‘in dubio pro societate’, não se reclamando do magistrado uma cognição exauriente. É o entendimento do STJ: para recepção da inicial basta a fundamentação calcada nos indícios de autoria e materialidade dos fatos descritos.
“A finalidade desse procedimento é possibilitar ao réu a oportunidade de manifestar, desde logo, alegações que possam resultar na extinção liminar do feito, como a ausência dos pressupostos processuais, das condições da ação, ou até mesmo que os fatos narrados pelo autor estão evidentemente fora do alcance da Lei. Após essa defesa preliminar, caberá ao magistrado decidir, seja pela rejeição liminar da inicial, seja pelo processamento do feito”, escreve o magistrado. Assim, não se exige uma precisa e minuciosa motivação do ato, pois o legislador não pretende que haja uma antecipação da sentença. Prevalece, nessa situação, o princípio do in dubio pro societate, sendo a investigação dos fatos deduzidos na inicial uma medida adequada para preservar o interesse público.
O juiz entende ainda que “os elementos de cognição até então produzidos demonstram a existência do crime e indícios de autoria na pessoa do denunciado, devidamente qualificado nos autos, motivo pelo qual ensejou o recebimento da denúncia, uma vez que, todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal descrevem, com clareza, fato típico imputado ao acusado, com todas as circunstâncias envolvidas. Ademais, a petição inaugural está embasada em indícios veementes de materialidade e autoria do ilícito penal, sendo apta e perfeitamente compreensiva em se tratando do primeiro passo rumo à instrução processual, sendo desnecessária exaurir o assunto a que se refere. Assim sendo, observo a presença de elementos que embasam a justa causa, eis que há indícios de autoria e prova de materialidade do crime descrito na denúncia, supostamente praticado pelos denunciados”, sintetiza o juiz Carlos Henrique Cruz de Araújo Pinto, que conclui:
“Os depoimentos prestados em sede policial evidenciam a materialidade e autoria delitiva, uma vez que se encontram sobejamente evidenciadas, seja pela declaração consistente das vítimas, corroborado pelas declarações das demais testemunhas, além das provas dos autos. Ademais, não se verificou elementos aptos a infirmar a credibilidade da prova oral produzida, tendo em vista que a negativa em autodefesa encontra-se isolada do contexto probatório. Sem mais delongas, vislumbro que no presente caso não se verificam as hipóteses de absolvição sumária previstas no art. 397 do CPP, ausente qualquer indício de excludente de tipicidade, ilicitude e culpabilidade capaz de ensejar o término do feito em juízo de prelibação, razão pela qual, mantenho o recebimento a denúncia.”