O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar na semana que passou uma ação do extinto Partido Social Liberal (PSL) contra o trecho do Código Penal Militar que restringe manifestações públicas de membros das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiro Militares Estaduais. O PSL, que se transformou em União Brasil, é o mesmo partido que, em 2018, filiou o então deputado federal Jair Bolsonaro, que acabou sendo eleito presidente da República. Mais tarde, Bolsonaro saiu do PSL, antes do fim da legenda, e, depois, se filiou ao PL. O PSL, mesmo tendo por um período o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro em seus quadros, tenta, com a ação, acabar com a hierarquia e a disciplina dentro das Forças Armadas, nas PMs e nos Bombeiros Militares.
Em agosto de 2017, o PSL ajuizou no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 475 contra o artigo 166 do Código Penal Militar (Decreto-Lei 1001/1969), que prevê pena de até um ano de detenção para o militar ou assemelhado que publique ou critique publicamente ato de superiores ou resoluções do governo. Na ação, o partido alegou que o dispositivo, anterior à Constituição Federal de 1988, viola o direito fundamental à liberdade de expressão.
O partido entrou com a ação logo depois da ‘greve’ – ocorrida em fevereiro de 2017 – dos policiais militares do Espírito Santo, começaram a surgir ações judiciais contra postagens de policiais militares nas redes sociais. O movimento de indisciplina dos PMs capixabas foi apoiado pelo então deputado Jair Bolsonaro e pela cúpula nacional e capixaba do PSL. O partido afirmou na ação que a regra fere o direito à liberdade de expressão.
“Por qual motivo poderia um médico falar sobre saúde, um engenheiro ambiental falar sobre meio ambiente e um policial não poder falar sobre segurança pública? Vê-se aí que os direitos à liberdade de expressão são garantidos de forma diferente aos profissionais da segurança pública, sendo os seus regulamentos ultrapassados”, argumentou o partido.
O julgamento da ADPF 475 foi iniciado na sexta-feira (31/03) no plenário virtual. Na modalidade, não há debate entre os ministros, que apenas registram os votos no sistema online. O prazo para votação fica aberto até 12 de abril de 2023. O relator da ação, ministro Dias Toffoli, apresentou seu voto em que indefere o pleito do PSL.
O Código Penal Militar foi editado em conjunto pelos Ministérios da Marinha, Exército e Aeronáutica em outubro de 1969, auge da ditadura. O trecho questionado proíbe críticas a superiores hierárquicos, resoluções de governo e a disciplina militar. A punição em caso de descumprimento é de até um ano de detenção.
O relator Dias Toffoli abriu os votos e defendeu que o direito à liberdade de manifestação não é absoluto e, no caso, precisa ser equilibrado com as ‘especificidades’ do regime disciplinar das carreiras militares. “Há que se atentar para a singularidade das carreiras militares, sejam elas policiais ou propriamente militares, eis que igualmente subservientes aos postulados da hierarquia e disciplina”, escreveu.
Toffoli defendeu ainda que o trecho do Código Penal Militar busca evitar ‘excessos’ que ‘comprometam a hierarquia e a disciplina internas, postulados esses indispensáveis às instituições militares’. “E, assim, em última análise, impedir que se coloquem em risco a segurança nacional e a ordem pública, bens jurídicos esses vitais para a vida em sociedade”, concluiu o ministro.
Quando protocolou a ação, o PSL alegou que o Código Penal Militar (CPM) está obsoleto. “Seus artigos têm como base o princípio da hierarquia e disciplina, que se contrapõem aos demais princípios do ordenamento jurídico brasileiro, em especial, ao princípio da liberdade de expressão”, sustenta, apontando a existência de conflito entre seu artigo 166 e os artigos 5º incisos IV, IX, XIV, e 220, caput e parágrafo 2º, da Constituição.
Com foco mais específico nos policiais e bombeiros militares, a legenda afirma que grupos em redes sociais, sites e blogs foram criados como forma de livre manifestação, mas o resultado não tem sido positivo. “Vários integrantes da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros são punidos por suas postagens, com sanções que vão de repreensões até prisões”, assinala. “O Código Penal Militar assinado em 1969 por ministros militares precisa urgentemente de uma análise e reforma, para que seu conteúdo se adeque à Constituição Federal de 1988 e aos princípios basilares da democracia”.