O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivos do Estatuto da Advocacia que autorizavam policiais e militares na ativa a advogar em causa própria. A decisão unânime foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7227, na sessão virtual encerrada em 17 de março de 2023. Seguindo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, foi julgado procedente o pedido formulado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra os parágrafos 3º e 4º do artigo 28 do Estatuto (Lei 8.906/1994). Os dispositivos, incluídos em 2022 pela Lei 14.365, permitiam a atuação “estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais”, mediante inscrição especial na OAB. A decisão do STF atinge policiais civis, federais, militares, rodoviários federais, bombeiros militares e penais,
Segundo a relatora, a lei dispõe há décadas sobre a incompatibilidade do exercício da advocacia e das funções exercidas por policiais e militares na ativa, e o STF já concluiu que norma contra a atuação, como advogados, de agentes da segurança pública, mesmo que em causa própria, não ofende a Constituição.
A ministra ressaltou que os regimes jurídicos de policiais civis e militares não são compatíveis com o exercício simultâneo da advocacia, porque esses profissionais desempenham funções estatais relacionadas à segurança pública e executam tarefas que os colocam, direta ou indiretamente, próximos de litígios jurídicos. Por sua vez, as normas questionadas podem propiciar influência indevida e privilégios de acesso a inquéritos e processos, entre outras vantagens que desequilibram a relação processual. “A advocacia simultânea, mesmo em causa própria, exercida por policiais e militares põe em risco a boa administração da justiça, privilegiando estes servidores relativamente aos demais advogados”, apontou.
Ainda segundo a Cármen Lúcia, a incompatibilidade visa impedir abusos, tráfico de influência e práticas que coloquem em risco a independência e a liberdade da advocacia. O julgamento final da ADI foi publicado na segunda-feira (20/03).
Remuneração
Um dos argumentos apresentado na justificativa para a aprovação das normas foi o de que policiais civis e militares não teriam remuneração adequada para custear o risco inerente à profissão e outras demandas de interesse pessoal, mesmo tendo formação acadêmica e aprovação no exame da OAB. Mas, de acordo com a ministra, a questão remuneratória dessas carreiras não é um critério constitucionalmente válido para autorizar o exercício da advocacia, consistindo, na verdade, em privilégio para determinados servidores públicos.
Saiba Mais
Sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 3 de junho de 2022, durante a campanha pela disputa presidencial do País, a parte do Estatuto da Advocacia que permitia que policiais pudessem advogar em causa própria foi mais uma forma do bolsonarismo em agradar esses profissionais da segurança pública, onde estão seus maiores seguidores. Tanto que, em nome do ex-presidente, a Advocacia-Geral da União enviou ao STF uma manifestação em que contestava uma ação da OAB questionando trechos da Lei 14.365/22, que alterou o Estatuto da Advocacia. O Planalto, naquela ocasião, era favor da lei conforme foi sancionada. Alvo da ADI 7.227 do Conselho Federal da OAB, a Lei 14.365, teve origem em projeto do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG). O parlamentar acabou por incorporar ao texto original proposta do deputado Capitão Wagner (PROS-CE) para garantir o benefício da advocacia em causa própria aos militares e policiais.