A próxima sexta-feira (24/03) vai marcar os 20 anos do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. Nascido em 12 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro, ele foi morto com tiros de pistola na manhã do dia 24 de março de 2003, na porta da academia onde fazia ginástica, em Itapoã, Vila Velha. Passadas duas décadas do crime, dos nove denunciados – oito já condenados e um absolvido – pela Justiça, nenhum deles está preso. O nono acusado de ser um dos supostos mandantes, o juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, ainda não foi a julgamento. O Ministério Público do Estrado do Espírito Santo chegou a denunciar um décimo envolvido – o ex-policial civil e empresário Cláudio Luiz Andrade Baptista, Calu –, que foi absolvido pelo Tribunal do Júri de Vila Velha – a absolvição foi mantida pelo Tribunal de Justiça.
Toda essa situação está causando mais revolta ao pai do juiz, o advogado criminalista e professor Alexandre Martins de Castro, 77 anos, que, em entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, fez um desabafo: “Estou descrente na Justiça, que no Brasil não funciona. As penas aplicadas a criminosos no nosso País não são para punir; são para dar uma satisfação à sociedade. Se o crime contra meu filho tivesse ocorrido nos Estados Unidos, os executores, intermediários e mandantes seriam condenados à prisão perpétua ou à pena de morte”.
O Tribunal do Júri de Vila Velha havia designado para o dia 8 de novembro de 2021 o julgamento do juiz aposentado Antônio Leopoldo, denunciado pelo MPES como um dos supostos mandantes do assassinato de Alexandre Martins Filho. No entanto, faltando um mês para o julgamento, o agora deputado estadual Danilo Bahiense Moreira entregou ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, material com mais de 1.600 páginas contendo, segundo ele, provas contra Leopoldo.
O MPES apresentou a documentação ao juiz Marcelo Soares Cunha, da 4ª Vara Criminal de Vila Velha (Privativa do Júri), solicitando que as “provas” fossem anexadas aos autos, para o julgamento. O magistrado, no entanto, indeferiu o pleito do Ministério Público e declarou ilícitas as provas. O recurso foi distribuído para a 2ª Câmara Criminal, tendo como relator o desembargador Fernando Zardini, que acolheu o pedido do MPES:
“Nos moldes do art. 157, §3º, do Código de Processo Penal, a decisão que declara ilícita a prova e determina o seu desentranhamento do processo está sujeita à preclusão, razão pela qual é possível concluir que se trata de pronunciamento recorrível. A decisão impugnada que reconhece a prova como ilícita e, via de consequência, determina seu desentranhamento da ação penal, classifica-se como decisão interlocutória mista, sendo atacável por apelação. Recurso conhecido e provido.” O voto do relator foi acompanhado pela maioria do Colegiado, na sessão do dia 21 de setembro de 2022.
A defesa de Leopoldo, que tem o advogado Flávio Fabiano (Foto), recorreu da decisão da 2ª Criminal por meio de Embargos de Declaração no Recurso de Apelação, sustentando que a decisão recorrida foi contraditória em relação às seguintes teses: inaplicabilidade do princípio da fungibilidade; nulidade da fase inquisitorial e; ilicitude das provas obtidas durante as gravações. O desembargador Fernando Zardini reconheceu o recurso, mas o inferiu, em julgamento realizado no dia 1º de fevereiro de 2023.
No dia 23 de fevereiro, Flávio Fabiano protocolou outra petição na 2ª Câmara Criminal, desta vez com Recurso Especial em que solicita que o caso seja analisado pelo Superior Tribunal Justiça. Caso o pedido seja indeferido, os autos voltam para o Tribunal do Júri de Vila Velha, que, assim, poderá de novo marcar o julgamento. “O que a defesa quer é alcançar a prescrição, que cairá pela metade quando Leopoldo completar 70 anos de idade. Se o Tribunal indeferir a subida dos autos para o STJ, a defesa entrará com outro recurso”, acredita Alexandre Martins.
Alexandre Martins não critica somente a “impunidade” relativa ao assassinato de seu filho. Ele cita também o caso do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que está em prisão domiciliar desde o dia 19 de dezembro de 2022, após ficar seis anos preso: “O caso do ex-governador Rio é exemplar. Sérgio Cabral está condenado em vários processos a pelo menos 415 anos de prisão e se encontra solto, usando, inclusive, redes sociais para postar fotos dele em seu luxuoso apartamento em Copacabana. Que Justiça é essa?”, questiona o advogado.
No caso do assassinato do filho, o pai lembra que um dos envolvidos no crime ficou apenas três anos na cadeia. Trata-se de André Luiz Tavares, o Yoshito, condenado a oito anos e quatro meses de prisão, em regime semiaberto. Ele emprestou a motocicleta usada no crime aos assassinos e, no dia 25 de agosto de 2006, recebeu benefício da Justiça e está em liberdade desde então.
Neste aspecto, Alexandre Martins lamenta a existência da chamada progressão de regime, que, no Brasil, reduz drasticamente as penas de criminosos. Para ele, a maioria dos magistrados brasileiros transformou o garantismo em paternalismo, o que ajuda o povo a ter sensação de impunidade:
“No Brasil, garantismo é sinônimo de paternalismo. A ideia inicial do garantismo era o de garantir que o acusado tenha um devido processo legal, que as regras processuais sejam respeitadas. No Brasil, o garantismo passou a ter uma certa ideologia e tem um significado de presunção da inocência radical. Chegou ao ponto em que o Supremo formou decisão que até o fim dos recursos não se pode prender um criminoso, o que é um absurdo”, lamenta Alexandre Martins.
(O garantismo vem do verbo “garantir” e significa assegurar ou tutelar algo. No caso da teoria, o objeto sob o qual recai essa proteção são os direitos da pessoa humana, como: direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Dessa forma, o garantismo pode ser entendido, segundo a teoria cunhada por Luigi Ferrajoli no fim do século XX, mas com raízes no Iluminismo do século XVIII, como uma corrente jurídica que prega o respeito máximo aos direitos fundamentais e às garantias processuais, a fim de coibir arbitrariedades judiciais e assim, proteger os indivíduos e os réus.)
O segundo ponto, na avaliação de Alexandre Martins, é acabar com a progressão de regime. “Eu acho que não há necessidade de se endurecer as penas, que, a meu ver, já são suficientemente duras. Claro que determinados crimes, como o assassinato do meu filho, em outros países daria pena de morte ou prisão perpétua. Aqui daria no máximo 30 anos. O problema está na tal progressão de regime, que é uma forma de soltar o criminoso. Quando a pessoa é condenada, por exemplo, a 20 anos, se ela cumprisse os 20 anos, estaria ótimo. O próprio Lombrigão (Odessi Martins da Silva), condenado a 25 anos pela morte de meu filho, sairia da prisão com 50 anos caso o Brasil acabasse com a progressão de pena. Acontece que em nosso País o máximo que se cumpre é seis anos. Se condenado a 30 anos, com seis anos o sujeito muda de regime, o que é um absurdo”.
Ele cita como “absurdo” o caso de Suzane von Richthofen, que foi solta depois de 20 anos presa pelo assassinato dos pais Manfred e Marísia Von Richthofen. Condenada inicialmente a 39 anos e seis meses de prisão, Suzane conseguiu na Justiça diminuir seu tempo na cadeia ao longo dos anos. Atualmente, a pena revisada dela é de 34 anos e 4 meses, com término previsto em 25 de fevereiro de 2038. No entanto, ela ganhou a liberdade condicional no dia 11 de janeiro de 2023, beneficiada com a progressão ao regime aberto. Ele matou os pais com a ajuda do namorado e do irmão dele.
Outro exemplo “absurdo” dado pelo pai do juiz assassinado é o caso de Elize Matsunaga, que em 2012 esquartejou o marido, o empresário Marcos Matsunaga – ele era dono da empresa Yoki. Ela teve a liberdade graças à progressão de regime em maio de 2022. Inicialmente, Elize havia sido condenada a 19 anos e 11 meses de prisão, mas em 2019 o Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena para 16 anos e três meses a pena.
“Esses dois casos mostram que, na verdade, o crime compensa com essa filosofia que temos aqui no Brasil. Não precisa endurecer a pena, mas que se cumpre a pena. Que se acabe com saidinha temporária, que se acabe com visitas íntimas e, principalmente, que se acabe com Auxílio-Reclusão (R$ 1.302,00 em 2023), que é igual ao salário mínimo”.
Situação dos acusados na morte do juiz Alexandre Martins
– Odessi Martins da Silva, o Lombrigão: Condenado a 25 anos e oito meses, pela execução. Ele possui entrada no sistema prisional a partir de abril de 2003, pelos crimes: artigo 14 da Lei 6.368/76 (associação criminosa), art. 157 do Código Penal (roubo) e art. 121 (homicídio). Foi foi solto por meio de alvará expedido pela Justiça em agosto de 2019.
– Giliarde Ferreira de Souza, o Gi: Condenado também pela execução do juiz, a 24 anos e seis meses de detenção. Recebeu benefício da Justiça e está em liberdade desde 23/12/2010.
– André Luiz Tavares, o Yoshito: Condenado a oito anos e quatro meses de prisão, em regime semiaberto. Ele emprestou a motocicleta usada no crime aos assassinos. Recebeu benefício da Justiça e está em liberdade desde 25/08/2006.
– Leandro Celestino de Souza, o Pardal: Condenado a 15 anos e dois meses de prisão, em regime fechado. Ele emprestou a pistola 765, usada no crime. Recebeu benefício da Justiça e está em liberdade desde 15/10/2010.
– Heber Valêncio, ex-sargento da Polícia Militar: Condenado a 20 anos e três meses de reclusão. Acusado de ser um dos responsáveis por intermediar o crime. Recebeu benefício da Justiça e está em liberdade desde 16/09/2009.
– Ranilson Alves da Silva, ex-sargento da Polícia Militar. Condenado a 15 anos de prisão. Um dos responsáveis por intermediar o crime. Recebeu benefício da Justiça e está em liberdade desde 16/09/2009.
– Fernandes de Oliveira Reis, o Fernando Cabeção: Condenado a 23 anos de prisão. Responsável por intermediar o crime. Possui entrada no sistema prisional a partir de fevereiro de 2012, pelos crimes: art. 14 da Lei 6.368/76 (associação criminosa), art. 12 da Lei 6.368/76 (posse ou uso de drogas) e art. 121 (homicídio). Ele foi solto por meio de alvará expedido pela Justiça em novembro de 2019. No dia 29 de junho de 2020, Fernando Cabeção foi assassinado a tiros por traficcantes, em Itapoã, Vila Velha, mesmo bairro onde o juiz Alexandre Martins Filho foi morto.
– Walter Gomes Ferreira, coronel da reserva da Polícia Militar: Condenado a 23 anos de prisão pela acusação de ser um dos mandantes. Ele encontra-se preso, mas pela acusação de outro crime. Sua condenação no caso do juiz Alexandre Martins foi mantida pelo Tribunal de Justiça. A defesa do coronel Ferreira recorreu ao Superior Tribunall Federal (STJ), alegando inocência.
– Antônio Leopoldo Teixeira: Juiz aposentado compulsoriamente, ele é acusado de ser um dos mandantes do crime. O magistrado afirma ser inocente e aguarda julgamento.