Os 12 capixabas alvos da operação da Polícia Federal, realizada na quinta-feira (15/12), são investigados por crimes de milícia digital e por tentativa de golpe no Brasil. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a megaoperação da PF no Espírito Santo e em outros sete Estados e no Distrito Federal: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia e Santa Catarina. Dos sete nomes que vieram a público na operação feita em solo capixaba, cinco são acusados de integrar uma milícia digital que, nos últimos quatro anos, adotou como alvos agentes públicos: políticos, membros do Ministério Público do Estado do Espírito Santo e do Judiciário e da imprensa. No setor público, os mais atacados pela milícia são o governador Renato Casagrande (PSB); secretários de Estado; a atual procuradora-geral de Justiça e chefe do MPES, Luciana Andrade; seu antecessor, o agora desembargador Eder Pontes; diversos promotores de Justiça; magistrados; e delegados de Polícia Civil.
O núcleo da milícia digital, segundo se observa na decisão do ministro Alexandre de Moraes, é formado pelo deputado estadual Carlos Von Schilgen Ferreira, conhecido pela alcunha de Carlos Von (DC), vereador Armandinho Fontoura (Vitória/Podemos), microempresário Maxcione Pitangui de Abreu, conhecido pela alcunha de Max Pitangui (PTB), o advogado Gabriel Quintão Coimbra e o jornalista e advogado Jackson Rangel Vieira, dono do portal de notícia Folha do ES, de Cachoeiro de Itapemirim. O site de Rangel é utilizado pelo grupo para promover os supostos crimes de injúria, calúnia e difamação contra seus opositores.
Desses cinco, Carlos Von está cumprindo medida cautelar expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, que é o uso de tornozeleira eletrônica, para não ficar numa cadeia comum. Os demais – incluindo aí o pastor Fabiano Oliveira – estão presos no sistema prisional do Estado. Já o deputado estadual Lucínio Castelo de Assumção, apelidado de Capitão Assumção (PL), e o pastor Fabiano Oliveira, se enquadram no Inquérito 4781, que apura atos contra o STF e o Estado Democrático de Direito. Assumção também está com tornozeleira eletrônica.
Segundo o STF, as condutas dos investigados se relacionam a atos contra o STF (Inquérito 4781) e atuação de milícias digitais (Inquérito 4874). Foram 23 medidas de busca e apreensão no Espírito Santo envolvendo 12 pessoas, a partir de informações do Ministério Público do Espírito Santo, além de quatro prisões preventivas para manutenção da ordem pública, apreensão de passaportes e decretação de afastamento do sigilo bancário e sigilo telemático. As suspeitas são de crimes contra a honra (artigos 138, 139 e 140), além do crime de incitação ao crime (art. 286) e da tentativa de golpe de Estado (artigo 359-M), todos previstos no Código Penal.
Esquema para assassinar reputações e fazer lavagem de dinheiro
A milícia digital vem, desde 2019, assassinando a reputação de gestores públicos do Executivo Estadual, promotores e procuradores de Justiça, desembargadores, juízes, jornalistas e demais membros da sociedade que ousam atravessar seu caminho. De acordo com que se observa da decisão do ministro Alexandre de Moraes, a organização teria o jornalista-advogado Jackson Rangel como a “ponta do vértice que conecta toda a milícia digital”.
De acordo com a Representação, o Folha do ES, do qual Rangel é dono, funciona como veículo gerador das fake news contrárias à existência dos poderes constituídos e seu pleno funcionamento. “(O Folha do ES) Funciona ainda como instrumento que viabiliza o auferimento de vantagem financeira pela associação criminosa, em especial mediante lavagem de valores, levada a efeito mediante pagamentos perpetrados por interpostas empresas”, diz o texto do MPES.
Uma das estratégias identificadas pelas investigações foi a criação de denúncias sem fundamentos, que eram protocoladas a Ouvidoria do Ministério Público Estadual e, então, serviam de munição para as matérias publicadas no site. Eram feitas “deflagrações de procedimentos imputando ilícitos sabidamente falsos às vítimas, que alimentam o conteúdo (e proporcionam vantagens financeiras) para o periódico Folha do ES”, diz o texto do MPES.
O grupo conta com amparo jurídico fornecido pelo advogado Gabriel Coimbra. Segundo o MPES, ele representa os agentes do grupo nos procedimentos caluniosos onde seriam atribuídos crimes a pessoas inocentes. Ao mesmo tempo, Coimbra também contribui para a criação de fake news e disseminação de crimes contra a honra no Jornal Folha do ES. Segundo as investigações, ele é colunista do site e ainda haveria provas de “sua (co)autoria nas reportagens” ali publicadas.
Em relação a deputados estaduais Carlos Von e Assumção, o ministro Alexandre de Moraes determinou a imposição de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de deixar o estado, proibição de uso de redes sociais ainda que por interpostas pessoas, proibição de concessão de entrevistas de qualquer natureza e de participação em qualquer evento público em todo o território nacional. Em caso de descumprimento, há previsão de multa diária de R$ 20 mil.
Ao mandar prender o vereador Armandinho Fontoura, pastor Fabiano, Max Pitangui e o jornalista e advogado Jackson Rangel – e a colocação de tornozeleira eletrônica nos deputados Carlos Von e Capitão Assumção –, o ministro do STF acolheu Representação da procuradora-geral de Justiça do Estado, Luciana Andrade. Segundo Alexandre de Moraes, relator do Inquérito das Fake News no STF, Jackson Rangel “abusou do direito à liberdade de expressão e de imprensa.” O ministro sustenta: “Conforme consta da representação da PGJ/ES, as publicações de Jackson Rangel Vieira acima delineadas não se tratam de fatos isolados, verificando-se, em relação ao referido investigado, um extenso histórico de abusos no exercício da liberdade de imprensa e de expressão, com ataques a diversas outras instituições, além do Supremo Tribunal Federal”.
Alexandre de Moraes apresenta, inclusive, uma reportagem escrita por Jackson Rangel que, sem provas, acusou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, de integrar esquema de ‘negociatas financeiras e tráfico político”. Jackson fez a acusação só porque Humberto Martins tomou decisão contrária a que ele (Jackson) queria no caso do pen-drive, em que o jornalista acusou, também sem provas, irregularidades na licitação do Governo do Estado que implantou o Cerco Inteligente nas estradas capixabas, conforme o Blog do Elimar Côrtes mostrou na reportagem intitulada Presidente do STJ critica e cassa liminar que mandou Detran suspender ferramenta de combate a organizações criminosas e de melhoria da segurança nas estradas do Espírito Santo
Na Representação, o Ministério Público Estadual levou ao STF a relação de pelo menos “30 processos que tramitam formalmente no Poder Judiciário, com envolvimento de Jackson Rangel Vieira em ilícitos (sejam penais ou as suas respectivas repercussões cíveis), todos perpetrados sob idêntico modus operandi, isto é, por intermédio de publicações de fake news no sítio eletrônico do Folha do ES”, informa o ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com a Representação do Ministério Público Estadual, o vereador Armandinho Fontoura utilizava suas redes sociais para fazer críticas aos ministros do Supremo com manifestações e discursos que “ultrapassam regular exercício da liberdade de expressão”. Diz ainda que a narrativa de Armandinho “ajuda a incitar a subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.
A investigação informa ainda que Armandinho é colunista do Folha do ES e, segundo o MPES, também lança mão do mesmo esquema de criar representações e denúncias junto ao MPES para criar supostas matérias produzidas pelo jornalista Jackson Rangel.
Em relação a Carlos Von, a decisão do ministro Alexandre de Moraes informa que o deputado e o jornalista-advogado Jackson Rangel participaram “da empreitada criminosa” na criação de supostas denúncias junto ao Ministério Público para embasar notícias falsas, conexão provada pela similaridade dos textos protocolados no órgão pelos dois. “Com frequência, se verifica manifesta identidade entre as representações formuladas por ambos os agentes perante o MPES”, cita o magistrado.
A Representação do Parquet Estadual informa também que Carlos Von promove em suas redes sociais pronunciamentos “virulentos e criminosos” contra ministros do STF. “Quer dizer que o ministro Alexandre de Moraes é vítima, investigador, acusador e julgador? Tudo ao mesmo tempo? Existe isso em algum outro lugar do mundo? Infelizmente, ele acabou com qualquer reputação positiva que o STF poderia ainda ter”, diz postagem citada nos autos.”
Outro integrante do grupo da milícia digital é Max Pitangui. Ele, que se intitula radialista, publicitário e palestrante, grava vídeos atacando, com injúria, calúnia e difamação, autoridades do Estado. Seus alvos prediletos são o governador Renato Casagrande e a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade. Nos últimos 30 dias, Max postou em suas redes sociais pelo menos cinco vídeos em que atribui a Luciana Andrade nomes pejorativos e a difamando quanto à atuação frente à chefia do Ministério Público Estadual. Max Pitangui chega a justificar os ataques criminosos, afirmando tratar-se de “sátira”.
Pastor Fabiano faz parte do grupo que defende golpe no Brasil. Ele vinha sempre atuando como locutor nas manifestações antidemocráticas de bolsonaristas que se recusam a aceitar a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no segundo turno das eleições presidenciais de 30 de outubro. No dia 15 de novembro deste ano, no feriado nacional da Proclamação da República, Fabiano estava entre os manifestantes na porta do Quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, na Prainha de Vila Velha, onde falou para o público e postou em suas redes sociais um vídeo com manifestação golpista:
“Hoje é dia 15 de novembro, 16 horas e 27 minutos. Estamos aqui há 14 dias. Não saímos daqui e não vamos sair enquanto o comunismo no Brasil não cair. Você que está vendo este vídeo agora, se tiver coragem que esses milhares de capixabas têm, vem pra rua”, conclamou Fabiano, que completou: “Estamos aqui 24 horas. Aqui tem comida. Temos 10 bois que foram doados pelo pessoal do agronegócio. Tem água à vontade para todos. Vem pra cá e traga sua barraca”. Conforme o Blog do Elimar Côrtes mostrou em reportagem publicada em 16 de novembro deste ano, o pastor Fabiano revelou, em vídeo, que empresários capixabas do agronegócio já doaram 10 bois para manifestantes antidemocráticos acampados na porta do Quartel do Exército, na Prainha de Vila Velha.
Quanto ao deputado Capitão Assumção, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o parlamentar está também proibido de conceder entrevistas, fazer qualquer publicação em redes sociais, sair do Espírito Santo e participar de qualquer evento público em todo o Brasil. Assumção é acusado de promover atos antidemocráticos, propagar fake news e ameaçar o Supremo e seus ministros.
“O investigado (Capitão Assumção) ‘promove, diuturnamente, por intermédio de suas mídias sociais, diversos pronunciamentos virulentos e criminosos, contra ministros deste e. [egrégio] Supremo Tribunal Federal…“Os prints (colecionados aos autos) evidenciam discursos que desbordam (e muito) do regular exercício da liberdade de expressão, perfazendo ataques contumazes a instituições e autoridades constituídas, a exemplo da denominação de ministros dessa Corte como ‘demônios’ e, mormente em relação a Vossa Excelência [Alexandre de Moraes] de ‘capeta’”, diz trecho da Representação da Procuradoria-Geral de Justiça do Espírito Santo.
Afirma ainda que Capitão Assumção se dirige ao Supremo com “flagrante escárnio, incentiva a subversão da ordem, mantém discurso odioso em face de agentes de órgãos do Estado de Direito, faz propaganda e incitação contra o regime democrático de direito através de suas postagens”.