O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Constituição do Estado do Espírito Santo que equiparavam a carreira de delegados de Polícia às carreiras jurídicas, como a Magistratura e o Ministério Público, e conferiam autonomia financeira e administrativa à Polícia Civil. A sessão virtual que analisou o tema foi encerrada na segunda-feira (21/11) e também considerou inconstitucionais os mesmos termos alterados na Constituição do Estado de Tocantins.
No Espírito Santo, a Proposta de Emenda à Constituição Estadual foi aprovada pela Assembleia Legislativa em 2013. Por se tratar de Emenda Constitucional, não passou pelo crivo do então governador Renato Casagrande (PSB). No entanto, três anos depois a Procuradoria-Geral da República entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade que, no STF, teve o número 5.517. A ação foi em desfavor da Assembleia Legislativa. A ADI referente ao Tocantins é 5.528. As duas ações tiveram como relator o ministro Kássio Nunes Marques, cujos votos foram acompanhados por unanimidade pelo Plenário.
As duas ADIs foram ajuizadas em 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na Inicial, ele havia solicitado ao STF que considerasse inconstitucionais os §§ 3º a 6º do artigo 128 da Constituição do Estado do Espírito Santo. No entanto, o ministro-relator das ADI, Kássio Nunes Marques, deixou de acolher a mudança do 5º quinto, que diz que “o cargo de Delegado de Polícia tem o subsídio previsto em lei própria”.
Segundo Janot, as normas estaduais “desnaturaram a função policial e criaram uma disfunção do ponto de vista administrativo ao conferir à polícia atributos incompatíveis com a Constituição Federal e com a legislação processual penal.” Conforme o Blog do Elimar Côrtes registrou na época, Augusto Aras se manifestou sobre o assunto nas Alegações Finais:

“Reiterando as razões da Inicial da ação, manifesta-se pelo conhecimento e pela procedência do pedido, para que sejam declarados inconstitucionais os §§ 3º a 6º do art. 128 da Constituição do Estado do Espírito Santo, inseridos pela Emenda Constitucional 95/2013, que preveem, como ‘essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica’, a atuação da Polícia Civil e equiparam às carreiras jurídicas a carreira de delegado de polícia, conferindo aos seus membros independência funcional e fixação dos subsídios respectivos mediante lei específica, em descompasso com o perfil delineado pela Constituição Federal para a Polícia Civil”.
O entendimento do STF foi o de que a autonomia administrativa e financeira e a independência funcional não se compatibilizam com a submissão hierárquica da Polícia Judiciária ao chefe do Poder Executivo Estadual. Nunes Marques lembrou que a Constituição Federal de 1988 atribuiu autonomia administrativa e financeira somente ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Por outro lado, ressalta o ministro-relator, o texto constitucional não garantiu qualquer autonomia às Polícias Militar Civil, mas estipulou sua subordinação e vinculação hierárquica ao chefe do Executivo. Também não foi conferida independência funcional aos delegados.
“Assim, o estabelecimento das funções do delegado de Polícia como essenciais do Estado e dotadas de natureza jurídica discrepa, a mais não poder, do modelo concebido pelo constituinte originário”, assinalou Nunes Marques em seus votos. No entendimento dele, apenas os governadores têm competência e responsabilidade pela estruturação e planejamento dos órgãos locais de segurança pública.
“O desenho institucional inserido na Carta da República não legitima a governança independente da polícia judiciária, uma vez que competem ao Chefe do Poder Executivo, dirigente máximo da Administração Pública, a prerrogativa e a responsabilidade pela estruturação e pelo planejamento operacional dos órgãos locais de segurança pública, bem como a definição de programas e ações governamentais prioritários a partir do quadro orçamentário do ente federado”, ensina o ministro.
“O Inquérito Policial é procedimento pré-processual de natureza administrativa e inquisitória, destinado a colher provas que subsidiem o exercício da ação penal pelo Ministério Público”, explicou o ministro. “Assim, seu condutor, o delegado de Polícia, conquanto desempenhe atividades de conteúdo jurídico, não integra carreira propriamente jurídica, sob pena de inviabilização do controle externo e do poder requisitório exercidos pelo Parquet”, acrescentou Nunes Marques.
Ele afirmou nos votos que a emancipação da polícia não poderia acontecer por meio de emenda constitucional de iniciativa parlamentar, “uma vez que a instituição em tela é dotada de competências constitucionais típicas de órgãos do Executivo”. Nos últimos anos, o STF já invalidou normas semelhantes dos Estados de Santa Catarina, Amazonas e São Paulo, com os mesmos argumentos.
O que a PEC da Assembleia Legislativa mudou no Artigo 128 da Constituição do Estado do Espírito Santo que o STF derrubou por ser inconstitucionais:
§ 3º – No desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura das ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.
§ 4º – Os Delegados de Polícia integram as carreiras jurídicas do Estado, dispensando-lhes o mesmo tratamento legal e protocolar, motivo pelo qual se exige para o ingresso na carreira o bacharelado em Direito e assegura-se a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases do concurso público.
§ 6º – O Delegado de Polícia é legítima autoridade policial, a quem é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária.