Um telefone celular de uso pessoal do ex-soldado Walter Matias Lopes, uma das nove pessoas condenadas pela Justiça Comum pela acusação de associação criminosa, por atentado contra a segurança e funcionamento de serviços públicos durante a ‘greve’ dos policiais militares em fevereiro de 2017, pode ser a prova que faltava para ligar o candidato ao governo Carlos Manato (PL) ao aquartelamento dos PMs capixabas. O celular foi mantido guardado por cinco anos e somente agora foi entregue às autoridades.
O movimento criminoso, conhecido como ‘Fevereiro Sangrento’ e que durou 22 dias, levou pânico e terror aos mais de 4 milhões de capixabas, com pelo menos 219 assassinatos no período, assaltos em plena luz do dia, incêndios a ônibus e saques ao comércio. Existe a suspeita de que Manato tenha sido um dos chefes do grupo que usou as mulheres, mães e filhos de policiais como escudos humanos na frente dos quarteis da PM, como forma de impedir a entrada e saída de viaturas.
Por conta do movimento grevista, pelo menos 2.300 policiais já viraram réus em processos na Vara da Auditoria da Justiça Militar do Estado, depois de serem denunciados pelo Ministério Público Militar Estadual. Enquanto respondem as ações penais, esses policiais ficam na situação jurídica conhecida como sub judice. No entanto, a Lei da Anistia, criada pelo governador Renato Casagrande (PSB), em janeiro 2019, abriu uma recha garantindo a esses policiais o direito à promoção, mas somente no caso do cometimento de crime militar dentro da ‘greve’ de 2017. A maioria dos 2.300 é formada por recrutas – ou seja, soldados novos que responderam a Inquérito Policial Militar por conta da ‘greve’ dos policiais em fevereiro de 2017.
Muitos desses soldados se inscreveram no concurso para o Curso de Formação de Oficiais. Foram contraindicados na Investigação Social por causa dos processos. Nesse caso, ficam impedidos por se tratar de um concurso público. No âmbito administrativo, entretanto, o governador Renato Casagrande (PSB), que disputa a reeleição, anistiou cerca de 2.600 PMs, que também estavam prestes para serem expulsos da corporação.
Durante a ‘greve’, a imprensa nacional e o Governo do Estado divulgaram que políticos ligados ao então deputado federal Jair Bolsonaro estariam envolvidos no movimento dos policiais, patrocinando a entrega de lanches, água e barracas para os familiares acampados nas portas das unidades da PM em todo o Espírito Santo, além de toda a infraestrutura, inclusive, com veículos para locomoção.
Dentre os políticos citados estava o então deputado federal Carlos Manato, além de seus sempre fiéis aliados, como o capitão da Reserva Remunerada da PM Lucínio Castelo Assumção, conhecido como Capitão Assumção, e o ex-soldado Walter Matias Lopes. No entanto, o nome de Manato nunca apareceu nas investigações oficiais.
O nome dele veio à tona agora. No dia 19 deste mês, o Tribuna Online publicou entrevista com a dona-de-casa Izabella Renata Andrade da Costa, de 28 anos, em que ela denunciou que Manato teria sido um dos coordenadores do movimento do aquartelamento dos policiais. Izabella foi casada com o ex-PM Walter Matias, de quem se separou por conta das agressões que sofria.
Matias foi preso junto com mais três pessoas no dia 20 de março de 2017, após o fim do motim. Também foram presas no âmbito da ‘Operação Protocolo Fantasma’, desencadeada pelo Ministério Público e pela Polícia Militar, as seguintes pessoas: Ângela Souza Santos, Cláudia Gonçalves Bispo e o policial militar Leonardo Fernandes Nascimento.
Na época da prisão, a juíza da 4ª Vara Criminal de Vitória, Gisele Souza de Oliveira, expediu mandado de busca e apreensão nas residências dos investigados e determinou o recolhimento de materiais que pudessem comprovar o envolvimento do grupo nas ações criminosas no período da greve dos policiais. E um dos alvos do mandado de busca e apreensão seria o celular de Walter Matias.
Antes dos promotores de Justiça e agentes da PM entrarem em sua casa, Matias escondeu o celular. Os policiais e os promotores de Justiça vasculharam toda a casa, mas não encontraram o aparelho. Mais tarde Izabella encontrou o celular e o escondeu, inclusive do até então seu marido, Walter Matias. O celular foi mantido guardado por mais de cinco anos.
Na quarta-feira (26/10), em entrevista a uma emissora de TV, Izabella revelou ter entregue o celular ao Ministério Público Estadual. Perguntada pelos jornalistas se conhece o teor das mensagens contidas no celular, Izabella disse que “não”, pois preferiu manter o aparelho intacto. Todavia, lembrou que, por diversas vezes, flagrava Matias conversando pelo celular com Carlos Manato e outras pessoas sobre o movimento de aquartelamento dos policiais que estavam prestes a estourar. Segundo autoridades, o celular pode ter troca de mensagens entre Matias e Carlos Manato, nas quais os dois combinariam como seria a ‘greve’ dos policiais.
Já julgada no âmbito do primeiro grau, a Ação Penal número 0016850-68.2017.8.08.0024 condenou o deputado estadual reeleito Capitão Assumção (PL) a cinco anos e seis meses de prisão, em regime semiaberto. A Justiça também condenou o ex-soldado Walter Matias e os policiais militares Aurélio Robson Fonseca da Silva, Marco Aurélio Gonçalves Batista, Nero Walker da Silva Soares e José Ricardo de Oliveira Silva. E absolveu, no mesmo processo, o tenente-coronel Carlos Alberto Foresti e os militares Leonardo Fernandes Nascimento, João Marcos Malta de Aguiar e Maxson Luiz da Conceição.
Walter Matias foi condenado a quatro anos e três meses de prisão; Aurélio Robson foi condenado a três anos e quatro meses, pena idêntica dada a Marco Aurélio. Os soldados Nero Walker e José Ricardo foram condenados a um ano e seis meses. Para os demais condenados, a juíza Gisele Souza de Oliveira decidiu substituir “a pena privativa de liberdade por dois restritivas de direito, pelo mesmo período da pena substituída, saber: a) prestação de serviços à comunidade, em local a ser definido pelo Juízo da Execução Penal; b) prestação pecuniária, consistente no pagamento de 3 (três) salários mínimos a entidade pública ou privada com destinação social”.
No grupo feminino do processo judicial, Izabella foi uma das mulheres que responderam na Justiça pela acusação de associação criminosa e por atentado contra a segurança e funcionamento de serviços públicos durante o aquartelamento dos PMs. Ela, no entanto, foi absolvida em julgamento de primeira instância junto com outras mulheres: Flávia Roberta Arvellos de Aguiar, Clayde Berger de Oliveira, Larissa Assumção da Silva, Jocilene Moreira Andrade, Bruna dos Santos Brioschi, Gilmara Silveira Rodrigues Vazzoler, Laís Soares Fernandes, Bianca da Cruz e Silva, Raquel Fernandes Soares Nunes e Tamires Severina da Silva.
Na mesma Ação Penal nº 0019927-85.2017.8.08.0024, porém, a juíza Gisele Souza de Oliveira, da 4ª Vara Criminal de Vitória, condenou três mulheres: Ângela Souza Santos, Cláudia Gonçalves Bispo e Débora Caroline Will. Ângela e Cláudia foram condenadas a três anos de prisão, enquanto Débora pegou um ano e seis meses. As três terão o direito de cumprir a pena alternativa, mas aguardam decisão do julgamento do recursos no Tribunal de Justiça.
Os dois processos encontram-se em grau de recurso na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça e tem o desembargador Pedro Valls Feu Rosa como relator. O voto dele já está no sistema, assim como o voto do desembargador-revisor, Willian Silva. Os votos, porém, somente se tornam público na sessão de julgamento. No entanto, advogados dos réus têm atravessado uma série de petições e alguns dos processados até trocam de advogados constantemente, o que obriga o TJES a adiar o julgamento, que estava marcado, inicialmente, para o dia 19 deste mês.
Não se pode juntar provas contra réus em grau de recurso. O fato novo que surgiu, portanto, que é o celular entregue às autoridades pela Izabella pode ser anexado aos autos, porém caberá ao desembargador-relator Pedro Valls remeter o aparelho para o Juízo de primeiro grau, a quem caberá solicitar à Polícia Civil e ou ao Ministério a realização de perícia no aparelho. Neste caso é aberto prazo também para que o uso do celular em um novo Inquérito Policial ou no processo. Abre-se prazo também para contestação de Carlos Manato.
Na entrevista concedida recentemente, Izabella disse acreditar que a ‘greve’ dos policiais militares foi planejada, arquitetada e organizada para desestabilizar o então governador Paulo Hartung e dar visibilidade às lideranças do movimento. Vários deles se candidataram a cargos eletivos. Carlos Manato, por exemplo, foi candidato a governador em 2018 e perdeu para Renato Casagrande (PSB), contra quem hoje disputa o mesmo cargo nas eleições de domingo (30/10). A esposa dele, a médica Soraya Manato, até então uma mera desconhecida no meio político, ganhou para deputada federal. Tentou a reeleição este ano e perdeu. Capitão Assumção foi eleito deputado estadual em 2018.
Para corroborar com o raciocínio de Izabella, um trecho do depoimento do soldado Nero Walker da Silva Soares, dado no âmbito judicial, mostra que, de fato, o grupo queria mesmo visibilidade político. Nero relata em Juízo que, num determinado dia, na porta do Quartel do 1º Batalhão da PM (Vitória), em Maruípe, ele se juntou a um grupo de policiais e familiares dos PMs e disse: “Pessoal, tenho uma ideia que poderá acabar agora com esse movimento”. Foi o suficiente para Walter Matias partir para cima de Nero e o ameaçá-lo de morte. Teve que ser contido por outros policiais.
“Agora que a ‘greve’ acabou, vou poder curtir o Carnaval”, lembra Izabella, ao comentar a frase dita por seu ex-marido, Walter Matias, quando o movimento chegou ao fim, no dia 25 de fevereiro de 2017 – o Carnaval havia começado um dia antes.