A Justiça acaba de suspender os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquéritos da Cesan, instaurada pela Câmara Municipal de Vitória, com objetivo de apurar supostas irregularidades dos serviços prestadas pela Companhia Espírito-Santense de Saneamento na Capital capixaba. A Justiça entendeu que a Comissão foi instaurada sem objeto certo e determinado, extrapolou as competências do Legislativo Municipal e está em desacordo coma Constituição Federal, acabando, assim, por violar os direitos dos supostos investigados.
A liminar foi concedida pelo juiz Mário da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal de Vitória, na segunda-feira (08/08), um dia depois que o presidente da CPI da Cesan e futuro presidente da Câmara Municipal de Vitória, Armandinho Fontoura, ter ido a uma cobertura de luxo na Praia da Bacutia, em Guarapari, visitar seu amigo e advogado Gabriel Quintão Coimbra, que deverá ser o novo procurador-geral da Câmara de Vereadores da Capital do Espírito Santo. Armandinho postou a foto da visita em suas redes sociais, com a seguinte inscrição: “Hoje é dia de malvadeza”.
Na Inicial, o Departamento Jurídico da Cesan fez, em síntese, as seguintes alegações: i) no âmbito da Câmara Municipal de Vitória, foi criada a chamada “CPI da Cesan” em 20/12/2021, pretendendo apurar supostas irregularidades cometidas pela concessionária na execução do contrato firmado com o Município de Vitória; ii) desde o início dos trabalhos restou demonstrado o desvirtuamento de sua criação com a “apuração de fatos abstratos, totalmente fora do contexto legal, com a finalidade precípua de gerar dano a imagem da Autora e constranger indevidamente seus funcionários e Diretores”; iii) foram convocados empregados da empresa sem apontar se iriam depor na condição de testemunhas ou indiciados, bem como sem oportuniza-los o conhecimento dos fatos controvertidos; iv) o único calendário que se tem notícia não foi cumprido e se encontra desatualizado; v) solicitou a cópia integral do processo administrativo vinculado à CPI, o que não foi atendido até o momento; vi) “há um uso da CPI com motivos outros completamente diversos de seu objeto, aclarando-se como espécie de palanque eleitoral antecipado em um ano de eleição e instrumento de perseguição política ferrenha, desvirtuando completamente do objetivo primordial da CPI”.
Ao analisar o mérito do pedido liminar, o juiz Mário da Silva Nunes Neto entendeu que os atos investigados pela CPI da Cesan são irregulares. Segundo ele, cabe ao Poder Judiciário, dentro do sistema de freios e contrapesos constitucionalmente estabelecido, apenas o controle da legalidade da atuação dos demais Poderes, sem adentrar, contudo, em questões de conveniência e oportunidade, bem como sem inibir ou, de qualquer forma, prejudicar os deveres institucionais de cada um deles.
“Ressalta-se, assim, a necessidade de cautela na atuação do Poder Judiciário, a fim de evitar ingerências indevidas junto ao Poder Legislativo”, diz o magistrado, que pontua ainda: “Esse não é o caso dos autos, pois de plano afigura-se a generalidade do objeto da presente CPI, em ofensa também ao disposto no próprio Regimento Interno da Câmara: Art. 82 As Comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos neste Regimento, serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Câmara para apuração de fato específico por prazo determinado.”
Para o magistrado, as Câmaras Municipais também podem dispor de tal instrumento, desde que observadas as regras constitucionais e a respectiva lei orgânica. Todavia, observa o juiz Mário Nunes Neto, “o que se verifica é uma nítida violação aos preceitos constitucionais, principalmente ao direito de defesa do investigado, diante da utilização de termos vagos no instrumento de abertura da CPI (da Cesan). Segundo ele, “é um direito do investigado saber o que está sendo apurado, delimitando os poderes da Comissão Parlamentar e evitando que a mesma perca a sua finalidade.”
E prossegue: “Na contramão dos supracitados dispositivos, ao analisar o requerimento de instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito objeto da presente lide, é possível constatar a utilização de vários termos vagos: ‘apuração de irregularidades na execução do Contrato firmado com o Município de Vitória por parte da COMPANHIA ESPIRITO SANTENSE DE SANEAMENTO – CESAN, bem como para apuração de suposto desrespeito à legislação federal, estadual e municipal vigentes, possíveis ocorrências de crimes ambientais, supostas irregularidades em relação ao lançamento de esgoto nas praias da cidade, bem como outras irregularidades.”.
Ora, explica o juiz Mário Nunes Neto, a Comissão pretende apurar irregularidades na execução do contrato, sem identificar quais seriam essas irregularidades, tampouco especifica as hipóteses de desrespeito à legislação e de crimes ambientais, nem mesmo aponta o período de tempo e local em que tais fatos teriam acontecido, valendo-se de expressões genéricas como “possíveis”, “praias da cidade” e “outras”.
E conclui: “Diante desse cenário, aparente a incongruência da instauração da CPI em questão pela parte requerida com o disposto na Constituição Federal, Lei Federal e Regimento Interno da própria Casa de Leis, o que enseja o deferimento da medida liminar com a suspensão dos trabalhos. Afinal, tal medida evita que a CPI prossiga com objeto de investigação indeterminado em prejuízo à defesa da ora requerente e de seus colaboradores eventualmente convocados a depor. Ademais, não há que se falar em irreversibilidade da tutela, uma vez que pode essa pode ser alterada/revogada a qualquer momento, possibilitando o prosseguimento dos trabalhos com a preservação dos atos já praticados, ao menos até o julgamento definitivo da demanda, oportunidade em que as demais nulidades apontadas na peça vestibular serão analisadas.”