O ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) e arquivou, na tarde de quarta-feira (03/8), a Notícia-Crime (PET 10461) apresentada pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) contra o senador capixaba Marcos do Val (Podemos) e o atual e o ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e David Alcolumbre (União-AP), respectivamente.
Na Notícia-Crime, Alessandro Vieira transcreveu trechos de entrevista que Marcos do Val concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 7 de julho deste ano, em que teria dito ter recebido, com a intermediação de Alcolumbre, R$ 50 milhões das chamadas emendas de relator como “demonstração de gratidão” pelo apoio à eleição de Pacheco à Presidência do Senado, em 2021. Para o senador sergipano, os fatos narrados configurariam, em tese, a prática dos delitos de corrupção ativa por Pacheco e Alcolumbre e corrupção passiva por Marcos do Val.
As emendas fazem parte do chamado “orçamento secreto”. Emendas desse gênero são liberadas para parlamentares pelo relator do Orçamento, com base em acertos informais dentro do Congresso. São consideradas por especialistas menos transparentes e mais difíceis de rastrear. No entanto, este não é o caso do senador Marcos do Val. É que o senador capixaba destinou recursos oriundos das emendas parlamentares aos municípios e todas as vezes comunicou ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo o destino de cada centavo registrado nas emendas.
Segundo o ministro Nunes Marques, a petição não veio acompanhada de documento, indício ou meio de prova minimamente aceitável que demonstre eventual ocorrência de práticas ilícitas narradas por Vieira. “A simples matéria jornalística não é suficiente para embasar uma investigação ou caracterizar indício de prova, conforme farta jurisprudência desta Corte”, afirmou, referindo-se à entrevista de Marcos do Val.
Conforme o Blog do Elimar Côrtes já havia antecipado, no dia 25 de julho a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, se manifestou no sentido de não haver indícios de irregularidades sobre o uso dos recursos citados por Marcos do Val na entrevista para a eleição de Pacheco à Presidência do Senado. Segundo ela, não há elementos que indiquem que houve corrupção ativa e passiva.
Na análise, o ministro Nunes Marques abordou também uma questão preliminar, que foi o da ‘Ausência de legitimidade ad causam’. Ele explica que no sistema processual brasileiro, o peticionamento perante o Supremo Tribunal Federal não é amplo e irrestrito. “Ao revés, trata-se de um acionamento racional, criterioso e de qualidade, sobretudo no campo penal e diante da especificidade da investigação de detentor de foro por prerrogativa de função perante a Corte”. Afirma que, no caso, “o peticionante (senador Alessandro) carece de legitimidade ad causam, condição subjetiva indispensável para a deflagração de processo perante a Suprema Corte, considerados os pedidos formalizados.”
Para Nunes Marques, a Notícia-Crime possui inegavelmente natureza extrajudicial, de sorte que o procedimento adequado no âmbito dos Tribunais Superiores é o peticionamento perante a Procuradoria-Geral da República, objetivando a adoção das medidas cabíveis, como corolário do sistema constitucional e conforme determinação expressa do art. 230-B do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Nunes Marques ensina: “A autuação de Notícias de Fato como Petições no Supremo Tribunal Federal, ademais, mostrou-se via para possíveis intenções midiáticas daqueles que cada vez mais endereçam comunicação de crime imediatamente à Suprema Corte, em vez de trilharem o caminho devido do sistema constitucional acusatório do art. 129, inciso I, noticiando os fatos ao Ministério Público, a fim de iniciar as perscrutações de hipotético delito, fase eminentemente pré-processual, como se atentou o Ministro MARCO AURÉLIO: A rigor, cabe informar à autoridade policial ou ao Ministério Público Federal, titular de uma possível ação penal incondicionada, a prática criminosa, mas parece ter mais repercussão vir ao Supremo.”
No mérito, o ministro Nunes Marques fala da “ausência de elementos mínimos de prática delitiva pelos requeridos”. E, de pronto, entende que “os fatos relatados pelo peticionante (senador Alessandro) não ensejam a instauração de inquérito sob supervisão do Supremo Tribunal Federal, uma vez que inexistem elementos informativos mínimos capazes de justificar uma persecução penal em desfavor dos representados, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Insta salientar que a instauração de investigação criminal demanda um suporte mínimo de justa causa, o qual se refere à verossimilhança dos fatos supostamente ilícitos apontados e à probabilidade de que haja meios eficazes de apuração. Pauta-se, dessa forma, no binômio de viabilidade e utilidade da investigação.”
A decisão do Supremo
A partir da análise da representação criminal, depreende-se que os fatos reportados se amparam em reportagem que veiculou uma possível entrevista concedida pelo Senador da República MARCOS DO VAL. Segundo consta, o referido agente político relatou que, em reunião ocorrida anteriormente, o parlamentar RODRIGO PACHECO informou que lhe repassaria valores decorrentes do orçamento de emendas de relator. O parlamentar MARCOS DO VAL atribuiu o referido repasse ao fato de ter sido uma das pessoas que votou no Senador RODRIGO PACHECO para presidente do Senado Federal em fevereiro do ano de 2021.
Na entrevista, MARCOS DO VAL sustentou que o Senador RODRIGO PACHECO ‘em momento algum (…)’ prometeu qualquer tipo de vantagem em troca de apoio a ele ofertado na eleição ao cargo de presidente do Senado Federal. Na ocasião, o próprio parlamentar MARCOS DO VAL alegou que a citada reunião teria ocorrido, inclusive, após o congressista RODRIGO PACHECO ter sido eleito presidente do Senado Federal.
No tocante ao Senador DAVID ALCOLUMBRE, o parlamentar MARCOS DO VAL não descreveu qualquer comportamento de oferecimento de vantagem indevida, ao contrário do alegado pelo peticionante. Neste ponto, MARCOS DO VAL alegou que DAVID ALCOLUMBRE teria lhe dito que RODRIGO PACHECO destinou valores ‘como se (…) fosse um líder pela gratidão de (…) ter ajudado a campanha dele a presidente do Senado’.
Na oportunidade, o requerido MARCOS DO VAL asseverou, ainda, ter comunicado ao Ministério Público sobre os valores e a destinação dos recursos recebidos a título de emendas de relator, bem como não ter pedido para ‘levantar isso [o montante total de R$ 50 milhões]’.
Na espécie, verifica-se que o peticionante apresenta, como fundamento para as suas alegações, apenas dados extraídos d matéria jornalística e desprovidos de documentação a ser utilizada como alicerce à instauração de investigação criminal, de modo que não há indício plausível de que os requeridos tenham praticado, sequer em tese, ilícitos penais.
A instauração de inquérito exige um mínimo de elementos de informação que permitam, ao menos, identificar uma hipótese criminal a ser investigada.
No caso concreto, não há substrato indiciário mínimo acerca dos crimes de corrupção ativa e passiva previstos nos arts. 333 e 317, ambos do Código Penal.
(…) Portanto, diante da carência de elementos informativos quanto à materialidade dos delitos subjacentes à narrativa apresentada, não se vislumbra linha investigativa idônea apta a fundamentar uma persecução penal, de modo que o arquivamento desta petição é medida que se impõe.
4. CONCLUSÃO
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-se pela negativa de seguimento à presente petição, com o consequente arquivamento, fazendo-o:
a) preliminarmente, pela falta de legitimidade ad causam, com fulcro no art. 395, inciso II, 2ª parte, do Código de Processo Penal; e,
b) no mérito, pela ausência de lastro probatório mínimo quanto à materialidade delitiva, um dos requisitos da justa causa, ancorado no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.” (Evento 8).
E, conforme acima descrito, nos termos do art. 230-B do Regimento Interno desta Corte, a comunicação de crime não será processada perante este Supremo Tribunal Federal, devendo os autos serem encaminhados à Procuradoria-Geral da República para que, ali, atendendo ao sistema constitucional acusatório (art. 129, inciso I, CF), após análise, venha ser requerida, ou não, a instauração de inquérito policial.
A presente Notícia de Fato não veio acompanhada de documento ou qualquer indício ou meio de prova minimamente aceitável que demonstre eventual ocorrência de práticas ilícitas narradas na exordial.
A simples matéria jornalística não é suficiente para embasar uma investigação ou caracterizar indício de prova, conforme farta jurisprudência desta Corte.
Em face do exposto, ACOLHO a manifestação da Vice-Procuradora-Geral da República e nego seguimento à presente notícia de crime e, em consequência, determino o seu ARQUIVAMENTO.