A taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu 11,5% no Espírito Santo entre os anos de 2018 e 2019. Quando analisado um período maior, de 2009 a 2019, a redução chega a 54,4%. Os dados são do Atlas da Violência 2021, divulgado na terça-feira (31/08). Pela primeira vez, o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), órgão ligado ao Governo do Estado, participou da elaboração do Atlas da Violência, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia. O documento foi lançado em coletiva à imprensa. Produzida anualmente desde 2016, a publicação é considerada uma referência nos estudos da violência, criminalidade e segurança pública do País.
O Espírito Santo, que chegou a ocupar a segunda colocação do País na taxa de homicídios por 100 mil habitantes em 2009, hoje está em 14ª posição. Em números absolutos, foram 1.985 homicídios no ano de 2009 contra 1.043 no ano de 2019, um decréscimo de 47,5%.
De acordo com o Atlas da Violência, a maior taxa de assassinatos no Espírito Santo foi a de 2009, com 56,9 mortes por 100 mil habitantes. A menor foi de 2019, com 26. As demais foram 51 (2010); 47,1 (2011); 46,6 (2012); 42,2 (2013); 41,4 (2014); 36,9 (2015); e 29,3 (2018). As taxas de variação entre 2009 e 2019, 2018 e 2019, e 2014 e 2019 foram, respectivamente, – 54,4%, – 11,5% e – 37,3%.
Nesse período analisado pelo Atlas da Violência, somente em 2017, quando ocorreu o aquartelamento dos policiais militares capixabas, por um período de 22 dias em fevereiro, houve aumento da taxa, que foi de 37,9 – em 2016 tinha sido de 32.
Entre a população jovem, na faixa de 15 a 29 anos, houve também uma redução significativa no número de homicídios por 100 mil habitantes. De 2009 a 2019, o estudo aponta um decréscimo de 50,5% na comparação. Em relação às mulheres, na mesma faixa de comparação, a redução foi de 59,4%. Entre negros, houve redução de 46,7% e entre as mulheres negras, a diminuição na taxa foi de -61,5%.
Nota-se que as reduções mais acentuadas no número de assassinatos no Espírito Santo ocorrerem justamente nos anos em que o Programa Estado Presente em Defesa da Vida, lançado pelo governador Renato Casagrande em 2011 – no primeiro ano de seu primeiro mandato –, foi mantido pelo Governo capixaba.
Entre 2015 e 2018, quando Paulo Hartung governou o Estado pela terceira vez, o Estado Presente foi extinto e retomado em 2019, com a volta de Casagrande ao Poder. Os autores do Atlas da Violência 2021 citam o Estado Presente com um dosa fatores que ajudaram a reduzir os homicídios em solo capixaba.
O diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, Daniel Cerqueira, um dos idealizadores do Atlas, coordenou os estudos que contou com a participação de outros 16 pesquisadores, entre eles, o diretor de Integração do Instituto, Pablo Lira, também membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Neste ano, o Atlas traz novas seções com dados sobre violência contra povos indígenas e contra pessoas com deficiência (PCDs).
Os estudos desta edição apontam que, entre os anos de 2009 e 2019, 623.439 pessoas foram vítimas de homicídio no Brasil. Dessas, 333.330, ou 53%, eram adolescentes e jovens. Os números apresentados pela publicação foram obtidos a partir da análise dos dados do Sistema de Informações sobre a Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, num período anterior à pandemia da Covid-19.
De acordo com a pesquisa, os negros representaram 77% das vítimas de assassinato no país em 2019. Essa prevalência é, historicamente, um dado frequente em estudos sobre a violência no Brasil, o que é preocupante na avaliação dos autores do estudo, porque persiste a cada nova edição do Atlas.
“A desigualdade racial se perpetua nos indicadores sociais da violência ao longo do tempo e parece não dar sinais de melhora, mesmo quando os números mais gerais apresentam queda. Os números deste Atlas, mais uma vez, comprovam essa realidade”, diz o estudo.
De acordo com o economista Daniel Cerqueira, esse dado “é uma herança maldita da nossa história colonial, que é a herança do racismo”. “Esse processo de racismo subsiste desde os tempos coloniais até hoje. Todo ano, quando a gente faz esse tipo de análise, a gente vê essa discrepância tão grande entre mortes de negros e não negros.”
A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenadora do Atlas, Samira Bueno, diz que há dois “Brasis”:
“Mais do que persistir, o fato é que o Atlas mostra que essa desigualdade racial se acentua ao longo da última década. Então, além de a gente ter, historicamente, negros mortos em função de homicídios, e essa taxa de mortalidade ser muito maior do que entre não negros, o fato é que a gente tem dois Brasil: o Brasil em que brancos, amarelos vivem e a taxa de homicídios é de 11 por grupo de 100 mil habitantes, e o Brasil em que negros habitam e a taxa é de 29 por 100 mil habitantes. Então, é essa distância brutal e isso vem se acentuando nos últimos anos.”
O recorte por gênero também aponta os negros como a maioria das vítimas assassinadas no Brasil. Em 2019, as mulheres negras representaram 66% do total de mulheres mortas no país, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 4,1, enquanto a taxa entre mulheres não negras foi de 2,5.
Outro dado que chamou atenção foi o aumento de 35% das mortes violentas por causa indeterminada (MVCI), entre 2018 e 2019, o que pode se refletir em uma subnotificação dos 45.503 homicídios registrados no País no período.
A categoria estatística MVCI é utilizada para os casos em que não é possível estabelecer a causa básica do óbito, ou a motivação que o gerou, como sendo resultante de lesão autoprovocada (suicídio), de acidente ou de agressão por terceiros ou por intervenção legal (homicídios).
“O crescimento brusco desse índice nos últimos anos, como nunca antes observado na série histórica, acarreta sérios problemas de qualidade e confiabilidade das informações prestadas pelo sistema de saúde, levando a análises distorcidas, na medida em que geram subnotificação de homicídios”, disse o professor Daniel Cerqueira.
O diretor-presidente do IJSN explica que, em média, 73% dos casos de mortes por causa indeterminada se referem aos homicídios, o que por si só já elevaria o número de mortes no País em 2019. Depois de cair por um período de mais de 15 anos, tendo alcançado 6% em 2014, essa proporção voltou a subir, atingindo 11,7%, em 2019.
Os Estados onde houve maior crescimento das MVCIs, entre 2018 e 2019, foram o Rio de Janeiro (232%), Acre (185%) e Rondônia (178%). Para se ter uma ideia da dimensão do problema, pouco mais de uma em cada três mortes no Rio de Janeiro foram registradas como MVCIs (34,2%). Em São Paulo, esse percentual era de 19% e, no Ceará, de 14,5%.
O documento completo pode ser acessado em: https://forumseguranca.org.br/atlas-da-violencia/
Para assistir à apresentação do Atlas da Violência 2021, acesse: https://youtu.be/ekBUPLKrUgw
Sobre o FBSP
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi constituído em março de 2006 como uma organização não-governamental, apartidária, e sem fins lucrativos, cujo objetivo é construir um ambiente de referência e cooperação técnica na área de atividade policial e na gestão de segurança pública em todo o País.
Composto por profissionais de diversos segmentos (policiais, peritos, guardas municipais, operadores do sistema de justiça criminal, pesquisadores acadêmicos e representantes da sociedade civil), o FBSP tem por foco o aprimoramento técnico da atividade policial e da governança democrática da segurança pública. O FBSP faz uma aposta radical na transparência e na aproximação entre segmentos enquanto ferramentas de prestação de contas e de modernização da segurança pública.