Em manifesto divulgado na noite de quarta-feira (04/08), centenas de empresários, economistas, diplomatas, lideranças religiosas e políticas e representantes da sociedade civil defendem o sistema eleitoral e destacam que “o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”.
A nota não faz menção ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas é incisivo ao afirmar que o País “terá eleições e seus resultados serão respeitados” e que “a sociedade brasileira é garantidora da Constituição Federal e não aceitará aventuras autoritárias”.
Bolsonaro tem feito ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal a aos seus membros, que, diferente do Presidente, defendem a lisura das urnas eletrônicas. Bolsonaro quer que as eleições de 2022 sejam disputadas por meio de voto impresso auditável.
O manifesto foi divulgado logo depois de o Bolsonaro ter sido incluído na condição de investigado no inquérito das “fake news”, em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que atendeu a um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Supremo investigará a possível prática de 11 crimes por parte do Presidente da República.
Entre os signatários do manifesto estão nomes de peso do meio empresarial e financeiro, como Frederico e Luiza Trajano (Magazine Luiza), Pedro Moreira Salles e Roberto Setúbal (Itaú Unibanco), Carlos Jereissati (Iguatemi), Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura) e Luís Stuhlberger (Fundo Verde). Também assinam o documento economistas como Armínio Fraga, Pedro Malan, Ilan Goldfajn, Pérsio Arida, André Lara Resende, Alexandre Schwartsman e Maria Cristina Pinotti.
A ideia de divulgação de um comunicado partiu de alguns de alguns associados do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) e não demorou muito para chegar a outros grupos de empresários, economistas e advogados.
“Já na hora que ele começou a adesão foi enorme”, afirmou o economista Affonso Celso Pastore, do CDPP. “A sociedade civil precisa se manifestar como na época da campanha pelas eleições diretas. Bolsonaro já entrou em todos os órgãos de controle, como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e a luta dele agora é controlar o Judiciário. É imprescindível a união de todos em defesa da democracia”, afirmou Maria Cristina Pinotti.
No manifesto, os signatários afirmam sua preocupação com a pandemia da Covi/19, as mortes e a perda de empregos. Dizendo confiar no atual sistema eleitoral, os autores destacam que as transformações da sociedade e a recuperação do País só serão possíveis pela via democrática.
“O Brasil enfrenta uma crise sanitária, social e econômica de grandes proporções. Milhares de brasileiros perderam suas vidas para a pandemia e milhões perderam seus empregos. Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil. Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática”, ressalta o manifesto.
Confira a íntegra do manifesto
“O Brasil enfrenta uma crise sanitária, social e econômica de grandes proporções. Milhares de brasileiros perderam suas vidas para a pandemia e milhões perderam seus empregos.
Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil. Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo.
Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática. O princípio chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos. A Justiça Eleitoral brasileira é uma das mais modernas e respeitadas do mundo. Confiamos nela e no atual sistema de votação eletrônico. A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias.
O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados.”
Bolsonaro ameaça agir fora da Constituição
Após seu nome ter sido incluído no inquérito das fake news, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou agir fora da Constituição Federal. O inquérito investiga a disseminação de notícias falsas. A declaração de Bolsonaro foi numa entrevista transmitida pela Rádio Jovem Pan em redes sociais, em que ele voltou a atacar o sistema de votação brasileiro. O Presidente questionou a legalidade dos procedimentos do STF e disse que, em resposta, poderá atuar fora “das quatro linhas da Constituição”.
Uma das investigações em questão foi aberta pelo TSE na segunda-feira, depois que Bolsonaro disse, em diferentes ocasiões, que as eleições de 2022 não serão realizadas caso o Congresso rejeite a PEC que prevê a adoção do voto impresso. A outra apuração é o inquérito das fake news, conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
O Presidente questionou a legalidade do inquérito do STF, que foi aberto em 2019 pelo então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, para investigar a disseminação de notícias falsas e ameaças aos magistrados do tribunal. O procedimento foi instaurado sem a provocação do Ministério Público Federal (MPF), mas recebeu a confirmação do plenário da Corte no ano passado.
“A verdade acima de tudo, ela aparece. Tivemos um prazo de uma semana depois da última live para mostrar mais coisas. Agora, estão se precipitando. Com todo o respeito, um Presidente da República pode ser investigado? Pode, num inquérito que comece lá no Ministério Público, e não diretamente de alguém interessado, e esse alguém vai abrir o inquérito, como abriu, vai começar a catar provas e essa mesma pessoa vai julgar”, disse Bolsonaro, durante entrevista à Jovem Pan. “Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição, e jogo, se preciso for, com as armas do outro lado. Nós queremos paz, queremos tranquilidade”, alertou.
O Presidente continuou: “[O inquérito] está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então, o antídoto para isso também não está dentro das quatro linhas da Constituição. Aqui ninguém é mais macho que ninguém. Meu jogo é dentro das quatro linhas. Agora, se começar a chegar algo fora das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas. É coisa que eu não quero”, disparou Bolsonaro, frisando que “o que estamos fazendo aqui é para termos eleições tranquilas no ano que vem, onde quem perder cumprimenta o ganhador e toca o barco”.