O governador Renato Casagrande (PSB) se manifestou na tarde de sexta-feira (23/07) sobre dois temas que vêm sendo debatidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e por alguns de seus principais auxiliares: o risco de rompimento da democracia e a adoção do voto impresso – ou voto auditável.
Por diversas vezes, desde que tomou posse em janeiro de 2019, Bolsonaro tem dito que, se o voto impresso-auditável for rejeitado pelo Congresso Nacional, as eleições de 2022 correm o risco de não serem realizadas. E que ele deixaria de disputar a reeleição caso o pleito seja realizado por meio do voto eletrônico, como já ocorre há quase 30 anos no País.
Na quinta-feira (22/07) o jornal Estadão publicou que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, teria dado um recado por meio de um importante interlocutor político no dia 8 de julho ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL). De acordo com o Estadão, Braga Netto pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso-auditável.
A declaração do general é a mesma proferida há tempos pelo presidente Bolsonaro. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. O Presidente insiste em afirmar que há fraudes em eleições com votos eletrônicos. No entanto, nunca apresenta provas do que diz.
Braga Neto, contudo, negou que tenha dado a declaração atribuída a ele pelo Estadão. O ministro da Defesa disse que a discussão e a decisão sobre o voto impresso cabem “exclusivamente ao Congresso Nacional”, onde tramita uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema.
“O Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição. A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do País e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”, diz a nota.
O governador Casagrande afirmou que “não há necessidade de termos o voto impresso-auditável no momento”. Por outro lado, disse que não vê problema se a votação hoje no Brasil fosse por meio do voto impresso. “Mas a implantação desse modelo (voto impresso) iria encarecer ainda mais as eleições”, pondera Casagrande.
Segundo ele, até agora, desde a estreia das urnas eletrônicas nas eleições brasileiras, o resultado das urnas confere com as pesquisas realizadas pelos institutos de pesquisas do País.
“Não há indícios de fraudes”, garante Renato Casagrande. “Entendo que a volta do voto impresso significa gastar dinheiro às pressas”, completou ele.
Entretanto, na avaliação do governador, a mudança sobre a forma de votação no Brasil é um assunto que deveria ser debatido com sociedade, mas sem o viés ideológico.
“Hoje há coisas mais importantes para se discutir no País, como o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. As eleições brasileiras, até agora com as urnas eletrônicas, desde sua implantação nos anos 90, foram limpas e representam de fato os resultados das pesquisas”, disse o governador.
A antropóloga Isabela Kalil, professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, vai no mesmo sentido do governador Renato Casagrande e, em entrevista à Agência Senado, afirma que é importante discutir formas de incrementar a segurança do sistema eleitoral no Brasil, porém não do modo como se faz neste momento:
“O voto é uma questão vital da democracia. Não devemos, portanto, discuti-lo de forma apressada e atropelada, querendo mudanças para as eleições que vão ocorrer daqui a um ano. Além disso, estamos no meio de uma pandemia, com o Congresso Nacional fazendo uso de sessões remotas, o que dificulta a discussão transparente e aprofundada da questão e a participação da sociedade no debate. Definitivamente, este não é o momento adequado para tentar mudar as urnas eletrônicas”.
De acordo com Kalil, a discussão atual pode até prejudicar a democracia: “Quando se diz que há fraudes na urna eletrônica e não se apresentam provas, constrói-se a narrativa de que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável. Essa narrativa cria em parte dos brasileiros o sentimento de que o voto não vale nada e leva muitos a simplesmente não ir às urnas no dia da eleição. Isso corrói a confiança das pessoas não apenas no processo eleitoral, mas também na própria democracia. Não é à toa que a impressão do voto faz parte da pauta antidemocrática de grupos que também pedem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal”.
O governador Renato Casagrande também é outro líder político a lamentar os ataques repetidos à democracia brasileira. Ele não acredita em golpe, mas salientou que os ataques enfraquecem o regime:
“Não acredito em golpe, mas é ruim termos que sair todos os dias em defesa da democracia. Vejo com muita preocupação os ataques à democracia. Países prosperaram justamente por conta de sua estabilidade democrática. Os ataques às instituições põem em risco à democracia”.
General Mourão vai no mesmo sentido do governador capixaba na defesa da democracia
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, é outra liderança lúcida que vai no mesmo posicionamento do governador Renato Casagrande. Mourão afirmou na quinta-feira (22/07) que haverá eleições em 2022, pois o Brasil não é “uma república de bananas”. “Isso é um absurdo [não ocorrer as eleições de 2022]. Nós não estamos mais no século XX, estamos no século XXI. Vamos entender isso aí”, disse Mourão. “É lógico que vão ter eleições.”
O vice ainda rebateu a possibilidade do País viver um regime autoritário caso o voto impresso, defendido pelo presidente Bolsonaro, não seja aprovado no Congresso Nacional:
“A sociedade brasileira é complexa. O que acontece é que tem muita gente na sociedade que está olhando para o retrovisor sem entender o processo histórico que estamos vivendo”, afirmou o general Hamilton Mourão.
A verdade das urnas
Passados 25 anos da estreia das urnas eletrônicas nas eleições brasileiras, o uso dessas máquinas está novamente em pauta. A discussão foi puxada pelo presidente Jair Bolsonaro, que acusa o modelo de não ser confiável e alega que houve fraudes na votação de 2018, a mesma em que ele se elegeu.
Bolsonaro quer que, a partir da eleição presidencial de 2022, os números que cada eleitor digita na urna eletrônica sejam impressos e que os papéis sejam depositados de forma automática numa urna de acrílico. A ideia dele é que, em caso de acusação de fraude no sistema eletrônico, os votos em papel possam ser apurados manualmente.
O tema já está no Congresso Nacional. Em maio, a Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para estudar uma proposta de emenda à Constituição que institui o mesmo modelo de voto impresso pregado pelo presidente da República. A PEC 135/2019 foi redigida pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e tem como relator o deputado Filipe Barros (PSL-PR), ambos integrantes da base governista. Barros acaba de apresentar seu parecer, favorável à aprovação da PEC.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável pela organização das votações brasileiras, refuta as acusações de vulnerabilidade do sistema eletrônico. Diz que utiliza o que há de mais moderno em tecnologia para garantir “a integridade, a confiabilidade, a transparência e a autenticidade do processo eleitoral”.
“Desde que foi adotada, em 1996, a urna eletrônica já contabiliza 13 eleições gerais e municipais, além de um grande número de consultas populares e pleitos comunitários, sempre de forma bem-sucedida, sem qualquer vestígio ou comprovação de fraude”, afirma o TSE.