A “Operação Armistício”, deflagrada na última segunda-feira (19/07) pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, trouxe novamente à tona a promiscuidade que alguns poucos profissionais da advocacia insistem em manter com parte das lideranças de facções criminosas que agem dentro e fora do sistema prisional capixaba.
A relação ‘maus profissionais versus bandidos de alta periculosidade’ vai muito além do simples atendimento aos jurisdicionados. Envolve, em alguns casos, até horas-extras de prazeres sexuais dentro das cadeias – fora dos locais das chamadas visitas íntimas, a que o preso “tem direito” com sua esposa devidamente cadastrada no sistema.
São cenas bizarras e chulas contadas por inspetores penitenciários, que, após as falsas entrevistas, são obrigados a limpar a sujeira deixada no chão do parlatório, onde o Estado é proibido de exercer seu mister de fiscalizador, com filmagem e ou gravação de conversas. No máximo, o agente público fica do lado de fora armado, para garantir a segurança e a privacidade da advogada ou do advogado com seu cliente, mesmo em momentos de luxúria.
A operação do Gaeco teve o apoio do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES, da Diretoria de Inteligência da Polícia Militar e do 7º Batalhão da PM (Cariacica). Nela, foram presas sete advogadas e dois advogados, que estão em prisão domiciliar.
A “Operação Armistício” investiga crimes praticados por organização criminosa autointitulada PCV (Primeiro Comando de Vitória), com a participação de advogadas e advogados, “que se utilizam indevidamente de prerrogativas essenciais à advocacia para garantir comunicação criminosa entre lideranças da facção criminosa, que se encontram custodiados em unidades prisionais do Estado, com integrantes em liberdade e também foragidos do sistema judiciário.
Veio à tona para a sociedade, como um verdadeiro escárnio às pessoas de bem, que essas sete advogadas e os dois advogados – além de outros profissionais da advocacia capixaba – podem entrar a hora que quiserem em qualquer unidade prisional sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Justiça (Sejus).
O privilégio concedido a esses profissionais faz parte das chamadas “Prerrogativas da Advocacia”, que a Sejus é obrigada a cumprir. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES) defende que os profissionais da advocacia têm acesso livre às cadeias durante 24 horas por dia, em qualquer dia da semana.
Veio à tona, inclusive, que uma dessas sete advogadas chegou a ficar oito horas com seu cliente em uma das unidades prisionais, entre 2019 e 2021. Esse cliente, é claro, é mais um dos bandidos de alta periculosidade que, como foi noticiado, de dentro do presídio comanda assassinatos e tráfico de drogas e armas nas ruas do Espírito Santo.
Parte das entrevistas dessas sete advogadas e dos advogados com os criminosos se deu no período da madrugada. Claro está que, de madrugada, advogado nenhum vai lograr êxito em discutir teor de processos ou estratégias de defesa com cliente, ainda mais dentro de uma cadeia, onde outros mais de 500 presidiários encontram-se dormindo.
Esta situação, no entanto, poderia ser diferente. Todavia, o mandado de segurança 0039169-34.2019.8.08.0000 impetrado pelo presidente da OAB/ES, José Carlos Rizk, em 20 de dezembro de 2019, foi acolhido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça e a falta de regras disciplinares e civilizatórias voltou aos presídios. Situação que acaba contribuindo com a prática de abusos e crimes, como se verifica agora no âmbito da Operação Armistício.
No dia 19 de dezembro de 2019, a juíza Cristiana Lavínia Mayer, da 2ª Vara Criminal de Viana, responsável pela Execução Penal daquela Comarca, atendendo a uma solicitação da direção da Penitenciária de Segurança Máxima I (PSMA), publicou portaria determinando que os presos da unidade só teriam uma hora para falar com seus advogados. Já os advogados só poderiam falar com seus clientes se marcarem hora com a direção do presídio.
O agendamento só poderia ser feito por e-mail, telefone ou WhatsApp. E o atendimento a clientes presos poderia acontecer, de segunda a sexta-feira, das 7h às 19 horas; e aos sábados, domingos e feriados, das 9h às 17 horas. Cada visita poderia durar uma hora. Medida salutar para um sistema tão viciado a regalias para presos, que, amparados pela advocacia e defensores dos direitos humanos, só querem ter direitos e nada de deveres.
A OAB/ES protestou e protocolou o mandado de segurança no dia seguinte, afirmando que a medida restringia o acesso dos presos a seus advogados, o que viola o direito constitucional da ampla defesa.
“Para o exercício pleno de sua defesa, se faz indispensável que o cliente se reúna com seu advogado para que todas as informações sobre o caso sejam analisadas, de forma a se deduzir a melhor solução jurídica para o seu problema…Não há que se falar em limitações, quer seja de horários, de dias e, sim, de acordo com a necessidade do caso”, pontuou a OAB na Inicial.
Na sua decisão, porém, a juíza Cristiana Lavínia Mayer pontuou que a medida estaria atendendo a pedidos dos próprios advogados. Segundo relatório da direção da unidade, os advogados reclamavam da demora para ter acesso a seus clientes e da falta de local adequado para aguardar ser chamados. No entendimento da juíza, o quadro exigia alguma forma de organização, uma vez que a cadeia em questão abrigava, na época, 925 presos.
“A hodierna estrutura prisional reclama a medida que se apresenta, eis que não há como atuar nos limites do razoável, agir com rapidez e garantir a segurança de todos…Logo, o direito de entrevista do advogado com seu cliente preso deve ser estabelecido com observância às normas de segurança do estabelecimento prisional”, ponderou a magistrada.
O mandado de segurança impetrado pela OAB/ES encontrou guarita no Tribunal de Justiça. No dia 14 de janeiro de 2020, a desembargadora Elisabeth Lordes, da 1ª Câmara Criminal, concedeu liminar, suspendendo a portaria assinada pela juíza Cristiana Lavínia Mayer.
No dia 6 de maio de 2020 o caso foi julgado e, à unanimidade, a 1ª Câmara Criminal concedeu o mandado de segurança em definitivo à Ordem dos Advogados. Em 14 de outubro de 2020, o caso transitou em julgado, com o seguinte acórdão:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO JUDICIAL. ENTREVISTA DE ADVOGADO EM PRESÍDIO DIAS, HORAS, TEMPO DE DURAÇÃO RESTRIÇÃO CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.
1) Qualquer ato administrativo que impede ou retarda a entrevista entre o advogado e seu cliente preso, por questões burocráticas, como prévio agendamento, limitação de horário e duração, macula o direito do advogado e do preso.
2) Deve o advogado ser livre para encontrar o seu cliente em qualquer dia da semana e horário, não podendo a administração impor empecilhos de dias e horários, ou ainda no tempo de duração de sua visita. Inteligência da Lei 8.906/94, art. 7º, incs. III e IV, alínea b; Lei ,º 7.210/84, art. 41, inciso IX; Convenção dos Direitos Humanos, art. 8º, 1, alínea d).
3) Não pode o Judiciário impor restrição aos direitos do advogado pela simples deficiência do Poder Público em prestar o seu serviço; não se pode violentar direitos alheios em razão da má administração pública o princípio da eficiência não se presta neste viés.
4) A restrição de dias e horário, o prévio agendamento, o tempo de duração da entrevista e eventual autorização de terceiro para entrevista estabelecem restrições não previstas em lei para a reunião entre o advogado e seu cliente, resultando em ilegalidade da decisão impugnada.
5) Segurança parcialmente concedida.
O mandado de segurança foi concedido parcialmente porque a OAB/ES pediu também que a “Autoridade Coatora se abstenha de regulamentar procedimentos relativos à apresentação de presos para serem atendidos por seus advogados”. Este pedido, no entanto, foi indeferido pelo Tribunal de Justiça.
Nota do Editor
O que se observa no sistema defendido pela OAB/ES e pelos grupos de direitos humanos é que alguns presos são mais privilegiados que os outros. A maioria dos detentos capixabas não deve ter visita de advogados ou mesmo de defensor público há um bom tempo, enquanto os bandido ricos – geralmente, os narcotraficantes chefes de facções criminosas – têm visita o dia e a noite toda, contando, inclusive, com os prazeres carnais na calada da noite em parlatórios desprotegidos pelo Estado por conta das tais prerrogativas da advocacia.