O Ministério Público do Estado do Espírito Santo vai concluir nos próximos dias a denúncia relativa a Operação Alma Viva, que apura a venda de sentenças no âmbito do Judiciário capixaba. Em princípio, deverá denunciar dois juízes, dois empresários, um ex-assessor de desembargadores do Tribunal de Justiça e um ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Estado (Amages).
Uma vez concluída, a denúncia será protocolada no Tribunal de Justiça, por conta da prerrogativa de foro dos dois magistrados, que só podem ser processados e julgados no âmbito do segundo grau do Judiciário. Ao chegar à Justiça, a denúncia será distribuída para o Pleno do Tribunal e um(a) desembargador(a) será sorteado(a) para conduzir a ação, podendo ou não acolher os pleitos da Procuradoria Geral de Justiça.
Uma vez acolhida, os denunciados se tornarão réus e passarão a responder ao processo. No caso dos dois juízes (Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutman), eles poderão responder ainda a um Processo Disciplinar Administrativo, que decidirá ou não por sua aposentadoria compulsória, que é a pena máxima que um magistrado brasileiro é punido no âmbito administrativo, independente da que for decidido na esfera criminal.
O grupo é acusado pelas supostas práticas de crimes previstas nos artigos 317 (crime de corrupção passiva, praticado por servidor público), 333 (oferecer vantagem indevida a um funcionário público, em troca de algum tipo de favor ou benefício) e 357 (exploração de prestígio, que se trata de um crime contra a administração da justiça e consiste no ato de pedir ou receber, dinheiro ou qualquer outro tipo de benefício, sob o argumento de exercer influência sobre servidores e autoridades do poder judiciário), do Código Penal Brasileiro.
Dois advogados, que representam os empresários, teriam também sido investigados, mas ainda não há comprovação de envolvimento criminoso por parte deles no esquema de venda de sentença.
Os juízes Alexandre Farina e Carlos Alexandre Gutman são amigos de longa data, segundo magistrados. Participam de eventos sociais e esportivos, inclusive no período em que Farina era da Diretoria da Amages – ele se afastou do cargo da 1ª vice-presidência de Direitos Humanos da entidade, há uma semana. A amizade, segundo seus colegas, é tão forte que um chama o outro pelo apelido carinhoso de “pitchula”.
Pelas provas até agora aferidas no Inquérito Judicial nº 0012258.14.2021.8.08.0000, poderão ser denunciados os juízes de Direito Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutman, acusados de negociar sentença; o ex-investigador de Polícia Civil e ex-assessor de desembargadores Hilário Antônio Fiorot Frasson, que está preso pela acusação de ser um dos mandantes do assassinato de sua esposa, a médica Milena Gottardi Tonini Frasson e que teria intermediado o pagamento e o esquema de venda da sentença; Davi Ferreira da Gama, ex-funcionário da Amages que teria intermediado o esquema de venda da sentença; e os empresários Eudes Cecato, sócio-administrador da empresa Cecato Negócios Imobiliários Ltda., interessado na sentença que teria pago os valores aos magistrados, e Valmir Pandolfi, dono do Frigorífico Forte Boi, intermediário que teria pegado o dinheiro com Eudes, a pedido de Hilário, levado para o ex-policial que, por sua vez, teria repassado os valores para o juiz Farina.
A partir de recurso apresentado pela procuradora-geral de Justiça do MPES, Luciana Andrade, o Pleno do Tribunal de Justiça determinou, em decisão unânime, na sessão realizada na noite de quinta-feira (15/07), o afastamento dos juízes Alexandre Farina, diretor do Fórum da Serra, e Carlos Alexandre Gutmann. Eles são alvo de uma investigação que apura suposta negociação criminosa de uma decisão judicial. O MPES informa que o levantamento do sigilo judicial autorizará a instituição a se pronunciar publicamente sobre o caso a partir de agora.
Acolhendo pedido da PGJ, o Pleno proibiu ainda os juízes de entrar no Fórum da Serra, onde atuam. Os magistrados deverão permanecer a pelo menos 500 metros de distância das unidades do Judiciário localizadas na Serra. Também por unanimidade, o Pleno do TJES suspendeu o segredo de Justiça do Inquérito Judicial que apura irregularidades no Fórum do município.
O caso teve início com o encontro fortuito de informações contidas em mensagens de um aplicativo do celular do ex-policial civil Hilário Frasson, acusado de ter assassinato a médica Milena Gottardi, em 14 de setembro de 2017, no Hospital das Clínicas, em Vitória, e que foram compartilhadas com o Ministério Público pelo magistrado do processo.
A procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, já havia requerido em maio deste ano o afastamento dos magistrados dos cargos, em razão do envolvimento de ambos na venda de decisão judicial apuradas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual. Pediu ainda a suspensão do sigilo do caso. Contudo, a desembargadora Elisabeth Lordes, relatora do processo, indeferiu os pedidos na ocasião.
Porém, diante do agravo apresentado pela procuradora-geral de Justiça, com pedido de revisão da decisão, a relatora acolheu o recurso apresentado pelo MPES e o voto dela foi seguido pelos demais desembargadores que integram o Pleno do Tribunal de Justiça.
Durante a sessão, o subprocurador-geral de Justiça Judicial do MPES, Josemar Moreira, fez a sustentação do pedido de afastamento dos juízes. “O MPES entendeu como necessário, adequado e proporcional o afastamento preventivo dos juízes pelo receio de utilização da função pública para a prática de infrações penais”, salientou.
O MPES pediu o afastamento dos magistrados e a suspensão do segredo de Justiça do Inquérito Judicial porque teriam tentado interferir nas apurações, buscando depoimentos favoráveis de servidores do Fórum da Serra. O pedido também foi embasado em vazamentos criminosos de ordens judiciais concedidas no caso que apura as denúncias de irregularidades no Fórum.
Vazamentos
A procuradora-geral de Justiça Luciana Andrade e o Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPES informaram que os vazamentos criminosos de dados e informações referentes à Operação Alma Viva, que estavam sob sigilo, serão apurados. O segredo de Justiça desse caso foi suspenso.
De acordo com o MPES, as ações planejadas pelos investigadores sempre chegavam ao conhecimento dos investigados de forma prévia. Com isso, havia o prejuízo na coleta de provas, diante do vazamento de mandados de busca e apreensão, por exemplo.
A relatora do caso no TJES, desembargadora Elisabeth Lordes, admitiu o vazamento das investigações ao acatar o pedido do MPES para o afastamento dos magistrados. Durante a sessão de quinta-feira, os próprios desembargadores do TJES reconheceram que pode ter ocorrido o vazamento criminoso de informações e determinaram o encaminhamento das notas taquigráficas para o Ministério Público capixaba.
Em relação ao pedido de afastamento dos juízes, bem como ao vazamento de dados sigilosos, a procuradora-geral de Justiça do MPES já fez uma comunicação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Representou pela revisão do arquivamento pelo TJES que apurava outras irregularidades semelhantes praticadas pelo magistrado Alexandre Farina.