A Assessoria de Inteligência e Estatísticas da Secretaria Defesa Social da Prefeitura Municipal de Cariacica, ligada diretamente ao gabinete do prefeito Euclério Sampaio (DEM), descobriu a existência de uma máfia de grileiros que vem agindo no município. Em pelo menos 30 anos, os criminosos já venderam mais de 100 propriedades pertencentes ao Poder Público Municipal.
São terrenos que já se transformaram, em grande parte, em loteamentos nos bairros Porto de Santana, Maracanã, Bairro Aparecida e Padre Mathias. Também estão colocando à venda parte da área onde se localiza o Hospital Pedro Fontes, próximo à Região de Nova Rosa da Penha e de frente para a Baía de Vitória.
Ensinam os dicionários que grilagem de terras é a falsificação de documentos para, ilegalmente, tomar posse de terras de particulares e públicas. É o que acontece em Cariacica: o prefeito Euclério Sampaio descobriu que pessoas que adquiriram os terrenos – seja de boa-fé ou não – estão conseguindo escrituras junto a cartórios de Cariacica para registrar a aquisição do imóvel.
“Não sabemos como os compradores obtêm a escritura, já que eles não possuem documentos de que os terrenos lhes pertencem. As propriedades são e estão em nome do Município de Cariacica”, diz, indignado, o prefeito Euclério Sampaio.
No bairro Maracanã, que fica à margem da Avenida Alice Coutinho e liga à BR-262 a outras regiões de Cariacica, como Bela Aurora, os grileiros venderam uma quadra inteira, medindo 5.766,50 metros quadrados. Maior parte da área já está habitada com moradores, que construíram casas de alvenaria e até prédios. O terreno vendido de maneira criminosa está ao lado da Unidade de Saúde do bairro Maracanã.
Em Porto de Santana, grileiros compraram uma grande área onde havia um campo de futebol, logo na entrada do bairro. A área havia sido doada pela Prefeitura a uma Associação de Moradores. Por se tratar de doação, o terreno não poderia nunca ser vendido e sim devolvido ao Poder Público. Foi vendido ilegalmente e hoje no local há residências.
Ainda em Porto de Santana, os bandidos já estavam loteando a área onde era instalado o antigo Cais das Barcas. A Prefeitura, no entanto, conseguiu, via Justiça, embargar as obras de construção de casas.
Assim que assumiu o comando da Prefeitura, em 1º de janeiro deste ano, Euclério Sampaio determinou a realização de um levantamento sobre o número de imóveis pertencentes ao Município. Descobriu que existem cerca de 1.800 propriedades cadastradas em nome da Prefeitura de Cariacica.
Prefeitura notifica moradores a pagar pelo imóvel
A administração, porém, já está notificando às famílias residentes nos imóveis a comparecerem à Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente a afim de apresentar documentação e iniciar o processo de regularização.
As pessoas, entretanto, terão que pagar pelo imóvel, já que a Prefeitura é impedida por Lei da fazer doação. Neste caso, o prefeito terá que encaminhar à Câmara Municipal Projeto de Lei solicitando autorização para vender os imóveis, dando prioridade aos atuais moradores.
Se os vereadores aprovarem o pedido de Euclério Sampaio, a propriedade, então, será vendida e o dinheiro repassado aos cofres públicos. Caso os moradores se recusem a pagar pelo imóvel, terão de devolvê-lo ao Poder Público.
De todo modo, a Procuradoria Geral do Município já iniciou a instauração de procedimentos, que logo serão enviados ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo e à Polícia Civil para investigar e descobrir os nomes dos grileiros, para que possam ser punidos na esfera da Justiça Criminal. Existe suspeita de que o grupo de criminosos conte com a participação de servidores municiais já aposentados.
“Procedimentos estão sendo instaurados para apurar a destinação dos imóveis para formalizar junto ao Ministério Público e o Poder Judiciário a retomada dos terrenos”, informou Euclério Sampaio, para quem as quadrilhas de grileiros já vêm agindo há décadas.
Em Porto de Santana, compradores conseguiram registrar 175 escrituras ilegais
A ousadia dos grileiros não tem limite. Em Porto de Santana, por exemplo, eles conseguiram invadir e vender quase 200 terrenos sem que os gestores do passado tenham tomado alguma providência. Os compradores conseguiram registrar ilegalmente 175 escrituras na região.
Sabe-se que um homem conhecido como João, que vendeu os quase 6 mil metros quadrados do terreno da Prefeitura de Cariacica no bairro Maracanã, é o mesmo que colocou à venda a área do Hospital Pedro Fontes e do Padre Matias.
Parte da área do Hospital Pedro Fontes também virou alvo dos grileiros. O Pedro Fontes foi criado em 1937 para isolar pacientes com hanseníase, doença também conhecida como lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Os filhos dos internos, por sua vez, eram encaminhados para o Educandário Alzira Bley, também em Cariacica, criado em 1940.
O leprosário, também chamado de Colônia de Itanhenga, nasceu no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas. Com a descoberta da cura da doença, o fim da internação compulsória aconteceu em 1962, mas há registros de que continuaram a acontecer, em todo o País, até a década de 80. Foi o caso também do Pedro Fontes.
No Bairro Aparecida, que fica próximo a Porto de Santana, os grileiros venderam uma linda e vasta área perto da lagoa. No local, um sindicato ligado à área portuária e que adquiriu o terreno, construiu uma sede campestre e um campo de futebol.
Prefeito diz que Cariacica foi ‘uma terra sem lei’
O que deixa o prefeito Euclério Sampaio ainda mais preocupado é que os compradores dos terrenos pertencentes à Prefeitura conseguem a Certidão de Ônus Reais, que é um documento emitido pelo registro de imóveis e informa se há alguma restrição à fruição de propriedade de um imóvel. Tal certidão também serve para fins de comprovação dos dados e da propriedade do imóvel.
A Certidão de Ônus Reais contém os dados do imóvel e dos proprietários e informa se há algum ônus que recaia sobre o imóvel, por exemplo, se o imóvel foi dado como garantia em um financiamento, se há uma promessa de compra e venda registrada no imóvel etc.
“Fica a indagação: como compradores conseguem a Certidão de ônus junto a cartórios, sendo que esta certidão está em nome da Prefeitura Municipal de Cariacica?”, questiona Euclério Sampaio.
“Isso prova que Cariacica era mesmo uma terra sem lei. Nós vamos mudar essa situação”, completa o prefeito.