Em uma decisão de indeferimento e arquivamento de uma Notícia de Fato proposta pela Associação e pelo Sindicato dos Investigadores de Polícia Civil do Estado do Espírito Santo (Assinpol/Sinpol), a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, cita jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e pontua que as entidades, ao multiplicar o número de representações, estão usando “tática de guerrilha” para pressionar o Governo do Estado.
Ela também pede muita cautela por parte do Ministério Público Estadual para que não seja usado como “instrumento” de “consecução de objetivos sindicais” e alerta que “a causação da instauração de inquérito civil configura, em tese”, o delito de denunciação caluniosa.
Luciana Andrade determinou ainda a abertura de um procedimento para levantar o número de sindicatos e associações existentes no âmbito da Polícia Civil capixaba. Ela manda também que seja verificada a regularidade de afastamento dos dirigentes dessas entidades nos termos da Lei nº 5.356/1996, que trata sobre o afastamento facultativo de servidores públicos estaduais para atender a entidade sindical – a chamada disponibilidade sindical.
A decisão da procuradora-geral de Justiça se deu no âmbito do Gampes nº 2020.0005.7502-02, relativo à instauração de Notícia de Fato solicitada, num mesmo procedimento, pelo Sinpol e pela Assinpol, que são comandadas pelo mesmo grupo político.
Na Notícia de Fato, as duas entidades queriam que o Ministério Público instaurasse um Inquérito Civil para denunciar o governador Renato Casagrande por “improbidade administrativa” por não ter concedido reajuste salarial aos servidores públicos em 2020. Luciana Andrade indeferiu o pedido das duas entidades mandou arquivar o procedimento.
Estados, Distrito Federal e Municípios deixaram de dá aumento salarial, mesmo com base nas perdas inflacionárias, ano passado, por que o Governo Federal publicou Lei que impõe uma série de obrigações para os entes da federação, dentre as quais se destacam medidas de contingenciamento de despesas com pessoal.
A Lei Complementar Federal nº 173, de 27 de maio de 2020, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19). Ela altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e dá outras providências. A lei diz que Estados e Municípios que descumprirem artigos que impedem gastos, poderão ter que devolver os recursos recebidos da União para o combate à Covid-19. No caso do Espírito Santo, são quase R$ 1 bilhão já recebidos e que poderiam ser devolvidos ao Governo Federal.
O governador Renato Casagrande vem cumprindo compromissos assumidos com todos os servidores da segurança pública e concedendo reajustes remuneratórios por meio de Leis Complementares Estaduais.
Em 4 de março de 2020, a Assinpol e o Sinpol provocaram o Ministério Público para rever “a atual situação de desvalorização e precarização que a Polícia Civil do Estado do Espírito Santo vem sofrendo por falta da devida valorização profissional e salarial para o exercício de suas funções”.
Inicialmente, a Notícia de Fato foi distribuída à Promotoria de Justiça Cível de Vitória. No entanto, a Promotoria declinou de suas atribuições por que a representação versa sobre o ‘Chefe do Executivo Estadual’. Por isso, o procedimento subiu para a Procuradoria-Geral de Justiça.
Ao analisar o conteúdo da representação da Assinpol e do Sinpol, Luciana Andrade citou jurisprudência do STF para declarar que a multiplicação de petições – como vêm fazendo outras entidades de classe – já foi identificada como “tática de guerrilha”.
A procuradora-geral de Justiça anotou ainda em sua decisão “que essa prática das associações requerentes (Sinpol e Assinpol) não contribuiu para o ambiente negocial que tem sido construído junto ao Poder Executivo Estadual, na busca de uma solução de consenso que atenda ao interessa público primário, que é a eficiência do aparato policial civil, na medida em que o aludido PA finalístico foi submetido ao regime de mediação, de modo que a postura beligerante aqui evidenciada, ao representar o Chefe do Poder Executivo, que detém o controle do orçamento e a iniciativa de lei para eventual corrigenda normativa, apenas acentua a ambiência adversarial, contrapondo os interesses de seus associados”.
Luciana Andrade afirma ainda que a representação serve apenas como “instrumento de pressão (ou ao mesmo de pretendida pressão)”, desgarrando-se de propósitos que, segundo ela, o próprio Código de Processo Civil de 2015 “busca primar, dentre os quais destaco o da cooperação entre as partes e de boa-fé”.
Na mesma decisão, a chefe do Ministério Público Estadual alerta às entidades que “a prática constante de representações poderá submeter os dirigentes associativos à responsabilização penal também, porque a causação da instauração de inquérito civil configura, em tese, o delito do artigo 339 do Código Penal Brasileiro (denunciação caluniosa)”.
O Ministério Público pode, sim, instaurar Inquérito Civil em desfavor dos dirigentes das entidades de classe dos policiais civis que vêm usando a “tática de guerrilha” para pressionar o Governo com diversas representações, para apurar eventual prática de improbidade administrativa. Neste caso, o MP investigará se os dirigentes das associações, que recebem salários mensais do Poder Público para ficar à disposição das associações, estariam desvirtuando seu papel institucional de dirigentes classistas.
Luciana Andrade chama a atenção também para o fato de o Ministério Público não ser utilizado como “instrumento de consecução de objetivos sindicais, que, conquanto legítimos, estão afetados pelo próprio Texto Constitucional a essas entidades mesmas, dotadas de beneplácito (concordância) normativo para as suas finalidades, não sendo do mister do Parquet a busca de melhoria salarial para a categoria, sequer por via oblíqua”. Neste ponto, a chefe do MPES cita nova jurisprudência.
Ao indeferir a instauração da Notícia de Fato, “o que faço para negar o seguimento às petições e determinar o arquivamento do feito”, Luciana Andrade diz ter identificado a existência de uma multiplicidade de associações dentro de uma mesma categoria.
Por isso, ela mandou a remessa de sua decisão às Promotorias de Controle Externo da Atividade Policial “para que proceda a um levantamento em sede de PA de acompanhamento do quantitativo de Sindicatos (em sentido estrito) existentes no âmbito da Polícia Civil (inclusive delegados) e de associações, verificando a regularidade de afastamento dos seus dirigentes nos termos da Lei nº 5.356/1996”, que, diz, em seu artigo 3º: ‘É facultativo ao servidor público da Administração Direta dos Poderes do Estado do Espírito Santo, autarquia e fundações públicas, o direito de se afastar até o término do seu mandato classista em associação de classe, sindicatos, federação e confederação, na quantidade definida em Lei’.
Luciana Andrade deu prazo de 60 dias para que os promotores de Justiça do ‘Controle Externo da Atividade Policial’ respondam o resultado do levantamento. A procuradora-geral de Justiça manda ainda que se dê ciência às Promotorias de Justiça Cíveis de Vitória, inclusive, para comunicar ao Gabinete da chefe do MPES Luciana, “sem prejuízo das medidas necessárias”, em razão do que foi delineado em sua manifestação, “em especial no que se refere ao abuso do direito de petição”. A decisão de Luciana Andrade foi encaminhada também à Procuradoria-Geral do Estado.