O relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) para a Proposta de Emenda Constitucional 186/2019 (PEC do Auxílio Emergencial) será apresentado nesta terça-feira (02/02) no Plenário do Senado. Se aprovada, a PEC, de autoria do Governo Federal, impede reajuste salarial para os servidores públicos da União, Estados e Municípios, congela as progressões ou promoções funcionais para os operadores da segurança pública de todo o País, assim como a possibilidade de novos concursos públicos. A PEC cria mecanismos de ajuste fiscal para União, Estados e Municípios
O relatório seria votado na última quinta-feira (25/02), mas o relator e o governo do presidente Jair Bolsonaro cederam após pressão dos partidos de oposição, que ameaçaram forçar a passagem da PEC pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ). O congelamento de salário, de promoções e de outros benefícios, terá prazo de dois anos e atinge também os Membros da Justiça e do Ministério Público.
A PEC 186/2019 autoriza o Governo Federal a restabelecer o auxílio emergencial às pessoas mais necessitadas ou que perderam o emprego devido à pandemia do novo coronavírus (Covi-19), que atinge o Brasil há mais de um ano, excluindo a sua despesa do teto de gastos para o ano de 2021.
Em contrapartida, a PEC também estabelece uma série de regras fiscais que têm causado polêmica, como o fim dos investimentos mínimos anuais em educação e saúde e o congelamento dos salários de servidores públicos. O relator da PEC, senador Márcio Bittar, ficou de retirar da proposta a questão que trata da educação e saúde.
Entidades de classe da Magistratura, do Ministério Público Brasileiro e das Polícias Militares e Judiciárias vêm se manifestando contra o congelamento de salários e a perda de outros benefícios já garantidos em lei.
No Espírito Santo, por exemplo, o Sindicato dos Policiais Civis (Sindipol/ES) está na luta unido com a Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) e repudia a PEC do jeito que foi relatada pelo senador Márcio Bittar.
Para o presidente do Sindipol, Aloísio Fajardo, A PEC 186/2019 “institui o necessário e indispensável auxílio emergencial aos brasileiros que mais precisam durante a pandemia”. Porém, salienta, no parecer alinhado com a política econômica do ministro Paulo Guedes e do presidente Bolsonaro, “ficam congeladas para os policiais civis e outras categorias, inclusive às que estão linha de frente no combate ao coronavírus, todas as progressões ou promoções funcionais, assim como a possibilidade de reposição de pessoal indispensável pela defasagem ocasionada por aposentadorias e mortes, por exemplo”.
O parecer apresentado pelo senador Márcio Bittar também proíbe qualquer medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da inflação, o que agrava a reposição salarial que atinge há anos nossa categoria.
“O Sindipol/ES não concorda com a massacre que os servidores estão sofrendo por parte do ministro Paulo Guedes. Guedes acredita que os grandes vilões da economia brasileira são os servidores públicos, ignorando as más gestões e a falta de políticas estruturais de governo. O Governo Federal deveria repensar seus projetos e realmente encontrar outros meios para ajustar a economia, menos retirar direitos dos servidores públicos, principalmente, os servidores da saúde e da segurança, que arriscaram suas vidas para defender a vida dos cidadãos nessa pandemia”, pontuou Aloísio Fajardo.
De acordo com a Cobrapol, A PEC estabelece que, em caso de decretação de Estado de Emergência ou em situação que a relação entre receitas e despesas ultrapassar os 95% (fato comum, especialmente entre Estados mais desorganizados), ficam vedados as entes federados:
– Concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas;
– Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
– Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
– Admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
– Realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório;
– Suspensão da edição de atos que impliquem aumento de despesa de pessoal, bem assim a progressão e a promoção funcional em carreira de agentes públicos. No que tange as promoções, o tempo fica congelado para qualquer vantagem financeira decorrente da contagem de tempo, como licenças, anuênios.
A Cobrapol chama a atenção para o artigo 167-G, que trata da calamidade pública: “Art. 167–G. Na hipótese de que trata o art. 167-B, aplicam-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, durante e até o encerramento do segundo exercício posterior ao término da calamidade pública, as vedações e suspensões previstas no art. 167-A. Ou seja, a Cobrapol entende que, mesmo após o fim da tal calamidade, as condições de vedação podem ser ampliadas por mais dois anos.
O presidente do Sindipol, Aloísio Fajardo, e o diretor Humberto Mileip se reuniram na manhã desta segunda-feira (01/03) com o senador capixaba Marcos do Val, em Brasília. O senador garantiu aos dois dirigentes classistas que a PEC, para ser votada, terá que excluir os artigos que preveem perdas para os servidores públicos.
“O senador disse que a maioria do Senado aceita votar a PEC somente no que diz respeito ao auxílio emergencial”, resumiu Humberto Mileip. “A luta continua aqui em Brasília”, completou Aloísio Fajardo.
Ministério Público e Magistratura também se articulam
Nos dias nos dias 24 e 25 de fevereiro, integrantes da diretoria e do Conselho Deliberativo da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp) se reuniram com senadores para tratar da PEC Emergencial. A CONAMP, em conjunto com a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas, está em contato com parlamentares a fim de suprimir os impactos negativos da PEC Emergencial sobre o serviço público e carreiras de Estado. Na oportunidade foram contatados os senadores Lasier Martins (Podemos-RS) e Marcos do Val (Podemos/ES).
Por sua vez, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou na quarta-feira (24)/02 uma reunião com os presidentes das associações filiadas para conversar sobre a PEC Emergencial. A AMB defende que as prerrogativas das carreiras de estado e a autonomia dos tribunais devem ser preservadas.
No encontro, foi montada uma articulação para o trabalho político com pedido de apoio do chefe do Poder Judiciário, ministro Luiz Fux. A AMB entregará ao presidente do STF um documento com considerações sobre o relatório do parlamentar Márcio Bittar (MDB-AC), responsável pela matéria no Senado.
A presidente da Associação, Renata Gil, defende que as verbas indenizatórias que já foram enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) precisam ser mantidas. Também sustenta que questões, como o auxílio saúde, já foram regulamentadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não podem ser alteradas. “A AMB se mantém forte na defesa dos direitos de seus afiliados. É muito producente contar com o apoio dos presidentes das nossas associações. O trabalho dos colegas é essencial no diálogo com o Congresso Nacional”, disse.
Também foi destacado na reunião que o texto apresentado pelo senador Márcio Bittar traz melhorias quando comparado com o parecer apresentado anteriormente pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
“Chantagem”
Durante a discussão sobre o adiamento da PEC, semana passada, os senadores reiteraram as suas críticas aos termos da proposta. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Zenaide Maia (Pros-RN) questionaram o interesse do governo em vincular o auxílio emergencial a uma reforma orçamentária. Para Zenaide, a atitude configura “chantagem” do Executivo.
“Se o Governo Federal tivesse interesse em aprovar o auxílio emergencial, a urgência estaria com uma PEC do auxílio emergencial em separado. Mas ele está exigindo do Congresso Nacional, chantageado, que vote contra a educação, contra a saúde, contra os servidores públicos”, protestou a senadora.
O senador Major Olímpio (PSL-SP) também destacou a interrupção dos reajustes salariais para os servidores públicos como um aspecto negativo da PEC, afirmando que o governo quer “satanizar” a categoria.
“Não vamos permitir que os servidores tenham que pagar de novo a conta da corrupção, da incompetência, dos desvios públicos ao longo de décadas. O que está no relatório é lamentável, um congelamento por mais dois anos subsequentes à calamidade”, declarou ele.
O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) lembrou que o Congresso Nacional aprovou, no ano passado, a constitucionalização permanente do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), iniciativa que seria prejudicada pelos novos termos da PEC Emergencial.
“Se a gente concordar com essa PEC, cheia de ‘jabutis’, vamos desaprovar o Fundeb. Como é que o Brasil vai entender que, seis meses atrás, nós aprovamos o Fundeb, e, hoje, nós vamos “desaprovar”?, questionou Kajuru.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) listou outros itens da proposta que ele considera inconvenientes, que chamou de “bodes na sala”. Ele observou que outras despesas de combate à pandemia continuariam restritas pelo teto de gastos, que a PEC cria um “gatilho” de restrição de despesas para Estados e Municípios e que ela pressiona o Governo Federal a vender ativos de empresas estatais para conter o crescimento da dívida pública.
O senador Fernando Bezerra Coelho defendeu as contrapartidas listadas na PEC, argumentando que elas são necessárias para que o auxílio emergencial seja uma política pública viável pelos próximos meses e para que o Brasil não perca o controle sobre o seu endividamento (a PEC dispõe que o auxílio será financiado pela emissão de créditos extraordinários).
“Um país que tem quase 90% do seu PIB de dívida contraída precisa reforçar os conceitos da responsabilidade fiscal, porque, se não mandarmos essa mensagem de que vamos honrar os compromissos, as expectativas se deterioram”, ponderou.
Histórico
A PEC Emergencial foi apresentada em 2019 como parte de um pacote de medidas de reforma fiscal, chamado de Plano Mais Brasil. Originalmente, ela trazia uma série de mecanismos de cortes de gastos que seriam acionados automaticamente de acordo com a situação das contas públicas. A proposta tramitava na CCJ.
Nesse formato, a PEC chegou a ter um parecer do seu primeiro relator, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), mas, com o agravamento da pandemia, as comissões interromperam suas atividades e a PEC não foi votada. No fim do ano passado, ela foi redistribuída para o senador Marcio Bittar, que também é o relator da proposta da Lei Orçamentária Anual para 2021 (PLN 28/2020). No início deste ano, essa PEC foi convertida no veículo para o novo auxílio emergencial.
Nesse novo formato, o conteúdo original da PEC se transformou em contrapartidas fiscais — entre elas está a limitação de gastos com pessoal. A essas contrapartidas se somaram dispositivos retirados de outra proposta do Plano Mais Brasil, a PEC 188/2019, que trata do pacto federativo. Dela veio a extinção dos gastos vinculados em educação e saúde.
(Com informações também da Agência Senado e dos Portais da Conamp e AMB)