As 48 anos de idade, completados nesta sexta-feira (13/11), o advogado André Luiz Moreira é candidato a uma das 17 vagas de vereador em Vitória. Filiado ao PSOL, André Moreira sempre foi um militante intransigente na defesa dos direitos humanos. As eleições acontecem no domingo (15/11).
Nesta entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, no entanto, ele fala de outros temas que considera importantes para a discussão na futura composição da Câmara Municipal de Vitória: meio ambiente, a eterna crise do transporte público coletivo da Capital, o desgaste do bolsonarismo, a polarização direita x esquerda – que ele acha saudável, mas que condena a violência em torno do assunto –, a falta de debates entre os candidatos a prefeito da Capital capixaba, dentre outros.
“A gente identificou construir a campanha a partir do eixo respirar. E o que é o eixo respirar? Identificamos que a sensação do respirar está muito ligada com a situação do Jorge Floyd, negro americano que foi morto por asfixia por um policial, nos Estados Unidos. Essa morte brutal tem outras relações com a gente”, explica André Moreira, que, devido à pandemia do novo coronavírus, fez a maior parte de sua campanha de dentro de casa, em modo virtual, obedecendo, assim, as recomendações da autoridades sanitárias.
Blog do Elimar Côrtes – Por que o senhor quer ser vereador em Vitória?
André Moreira – A gente está num momento importantíssimo da política nacional e essa é a primeira eleição após a vitória incontestável do presidente Jair Bolsonaro. É o momento que as pessoas começaram a notar o erro que foi a eleição de Bolsonaro e a aposta no bolsonarismo.
Aposta nessa ideia de violação de direitos como se fosse uma coisa normal, aposta na ideia de perder direitos sociais, aposta na ideia do mercado como senhor de tudo, então esse é o primeiro motivo.
O segundo motivo é porque a função de vereador em Vitória abre o caminho para a organização do nosso grupo, da esquerda, da verdadeira esquerda, que respeita as questões da solidariedade, da moralidade pública, do republicanismo, dos direitos sociais e direitos humanos. Ela abre a perspectiva nesse momento de organizar as pessoas que estão submetidas a condições muito ruins do ponto de vista socioeconômico, em parte pelo novo coronavírus, que agravou as condições, mas não só a por causa da Covid-19. Na verdade, a perda de direitos e o problema socioeconômico já vinham de antes e foi agravado pela Covid.
Essa é primeira questão. De começar a construir, a partir de Vitória, uma reação a isso tudo que está se mostrando que foi o erro a eleição do Bolsonaro. E também a esse modelo de gestão, como a gestão do Luciano (Luciano Rezende, prefeito de Vitória), que é uma gestão que não assumiu uma postura de respeito aos direitos fundamentais. Na verdade, inclusive, se aliou a alguns momentos a pautas bolsonaristas como o Protocolo de Cloroquina.
Precisamos fazer muita diferença na Câmara de Vereadores de Vitória, pois é uma Câmara que não está qualificada. Com todo respeito, a maior parte da Câmara não está qualificada para exercer a função de vereador naquilo que ela precisa ser, fiscalizadora, promotora de processos legislativos, garantidora da participação popular e ampliadora da discussão política na cidade.
– Quais foram sua principais bandeiras nessa campanha?
– A gente identificou construir a campanha a partir do eixo respirar. E o que é o eixo respirar? Identificamos que a sensação do respirar está muito ligada com a situação do Jorge Floyd, negro americano que foi morto por asfixia por um policial, nos Estados Unidos. Essa morte brutal tem outras relações com a gente. Primeiro, aqui a violência institucional contra a população negra também é muito grande. Talvez seja maior do que a dos Estados Unidos. A gente vê isso acontecer no dia a dia, que é essa situação de violência pela polícia. E eventualmente, inclusive, vê a violência por parte do Estado brasileiro, o Judiciário, Ministério Público, que repercutem essa violência, essa discriminação.
Identificamos essa questão do respirar como fundamental, porque o respirar também diz respeito nossa aqui do pó da Vale e da Arcelor. Então, um outro eixo da campanha é justamente o direito ao meio ambiente adequado de um ambiente saudável que possa, inclusive, propiciar pra gente a abertura de novos novas fontes de riqueza para cidade; fonte de desenvolvimento de renda e de trabalho; um desenvolvimento econômico limpo.
O respirar tem a ver também com a gente se livrar desse modelo de desenvolvimento que a cidade está preso nele, que é a dependência do mercado externo de comandites de minério bruto ou semiacabado de minério, que paga mal e adora incentivo fiscal e polui. Esse modelo está ultrapassado em todos os lugares. Precisamos transformar Vitória numa cidade nova.
Esse respirar também remete a condição dos trabalhadores que andam em ônibus apertados. Temos um serviço de ônibus, em Vitória, cuja concessão é ilegal há mais de 30 anos e nunca foi feita licitação. Defendemos, na verdade, que esse serviço de transporte coletivo seja prestado diretamente pelo Poder Público com uma empresa de desenvolvimento municipal que possa dá conta da questão da mobilidade urbana, pois o transporte é um direito fundamental. Uma gestão que possa integrar o sistema ônibus com outro outros meios de transporte, inclusive, voltando a operar o Aquaviário que pode servir não só para os transporte intermunicipal mas também com transporte de uma navegação de cabotagem na própria Ilha, que seria uma navegação para movimentação internas na Ilha. Podendo sair de Jardim Camburi ou Praia do Suá e poderia até o Centro cidade de lancha, ir até São Pedro e vice-versa. Uma das questões importantes seria fazer uma navegação circular pela Ilha, preservando apenas a área do mangue, que não deve mexer, mas o resto das áreas poderiam utilizar também o transporte aquaviário tanto municipal como intermunicipal.
O respirar ainda fala muito com essa questão do aperto econômico. Como a gente tem uma dependência muito grande de benefícios fiscais para poucas empresas que não têm compromisso de geração de empregos e com esse modelo de exportação exterior, a gente não desenvolve atividades internas como modelo de economia solidária e circular que pudesse gerar emprego e renda para as pessoas daqui da cidade. Reorganização da política econômica do município também é um passo para essa nossa campanha.
A função do vereador é discutir essas questões com a população e a partir das discussões impor as propostas ao Poder Público, que está mais preocupado com a manutenção do modelo que está dando errado aí por muito tempo.
Tem também o respirar do Covid, que mostrou ser uma doença que mata, principalmente, pela questão da asfixia. Mostra como nossos sistema de saúde não dá conta das reais demandas populares, inclusive, porque, depois da Covid, uma das maiores causas de morte e adoecimento no Espírito Santo é a poluição ambiental. São problemas respiratórios causados pela poluição do ar.
Portanto, o respirar também da conta dessa questão, um combate respeitoso ao Covid, respeitando as vidas, um incentivo público ao desenvolvimento de atividades que não demandam em aglomeração, a conscientização das pessoas da necessidade de distanciamento social. Está chegando uma nova onda e a primeira nem acabou no Estado. Está mostrando que a reabertura precoce das atividades presenciais foi um erro grave. A gente devia ter construído uma nova forma de organizar a sociedade, inclusive os serviços prestados, para que a gente pudesse ficar mais reservado e ajudar acabar com a Covid como fizeram outros países, como a própria China, a Coréia do Sul e a Nova Zelândia, que tem 5 milhões de habitantes, um pouco mais do que o Espírito Santo e onde morreram apenas 25 pessoas. E aqui a gente já está chegando a 4 mil mortos.
– O senhor sempre foi um defensor intransigente da cidadania, dos direitos da pessoa humana. Se eleito, que políticas públicas pretende sugerir ao futuro prefeito ou mesmo à própria Câmara Municipal que garantam os direitos de todos e todas?
– Eu só acredito no serviço público como forma de garantia de direitos sociais, pois estamos falando de direitos sociais para uma parcela da população mais pobre, que não tem dinheiro para os plano de saúde, que não tem dinheiro para educação privada, que vai sempre depender dos serviços de segurança e de transporte públicos. Vai sempre depender do abastecimento de água e saneamento público. Nossa defesa é em defesa do serviço público como forma de garantir os direitos sociais e esses direitos nada mais são do que os direitos humanos numa perspectiva coletiva. Quando se fala nos direitos humanos, se fala no direito à vida, no direito à saúde, ao acesso à renda. Tudo isso está relacionado aos direitos humanos, mas numa perspectiva social você está falando desse direito a esses serviços que são prestados pelo Poder Público a partir do financiamento dos impostos que são pagos pela riqueza que é gerada pela maior parte dos trabalhadores.
Quando se está falando das liberdades de forma geral, é preciso que as pessoas tenham acesso à informação, tenham acesso às escolas. Não há liberdade se a pessoa não tem acesso a aprender a ler e a escrever, senão deixará de ter liberdade à opinião, a liberdade de autodesenvolvimento. Então, a nossa luta dentro do mandato vai ser para a construção da cidadania e dos direitos humanos em Vitória. Nesse aspecto, quero informar que vamos ter no mandato um Conselho Político, que vai organizar os movimentos sociais em Vitória com a finalidade da gente desenvolver uma nova forma de fazer política, porque a participação da população organizada é fundamental para um mandato socialista, pois é assim que a gente constrói uma nova interação social, uma nova subjetividade que vaio poder da conta de um novo momento para superar esse atual que todo mundo já identificou que é muito ruim e a gente só tá perdendo com ele.
– Como o senhor analisa o nível da que foi da campanha para prefeito de Vitória? A ausência de debates entre os candidatos foi prejudicial?
– Defendo uma profunda reforma da Legislação Eleitoral para garantir que a campanha seja só com debates e exposição de ideias. No espaço onde não fosse debate, seria exposição de ideias. Essa situação em que tem gente com muito espaço de tempo nada não favorece a democracia. As pessoas têm que poder ter ciência de qual é o projeto e a história dos candidatos. Isso tanto no caso da candidatura majoritária para prefeito quanto para as candidaturas proporcionais, para vereadores. A falta de debates é muito ruim. Vi alguns debates, mas eles não são tão bons como os debates presidenciais. Porém, é fundamental que a gente preserve a vida neste momento de pandemia.
Acho que não é a pandemia que está causando essa falta de debates. As eleições anteriores das quais participei como candidato majoritário, o debate não era totalmente amplo. Fomos interditados uma vez numa debate na Rede Gazeta, o que foi muito ruim, pois piora a condição de decisão da população. E como o processo eleitoral agora é mais curto a população quase que vota por uma escolha que ela faz no último momento. A gente precisava ter um processo eleitoral mais barato, mais propositivo com mais espaço para apresentação de ideias e menos espaço para propaganda de marketing. Onde tiver o marketing é para mostrar o que os candidatos têm de qualidade real e não inventar candidatos que não existem.
– Como foi para o senhor fazer campanha de modo virtual, dada à pandemia do novo coronavírus?
– No início da campanha a nossa avaliação era de que a campanha seria toda virtual. Chegou a um determinado momento que houve uma certa dúvida e uma certa pressão para fazer campanha na rua. Eu fiz um pouco de campanha na rua, mas voltei para o modo virtual a partir de duas semanas atrás. Voltei a fazer campanha só dentro de casa, de modo virtual por conta do aumento de novos índices de contaminação pela Covid-19.
Usamos muito a rede. É óbvio que o contato das pessoas é sempre muito bom se você puder estar na rua e falar com, mas a gente teve que usar muito as redes sociais, enviando, na verdade, o histórico das minhas atuações antes de ser candidato, antes de estar filiado a partido. Acho que me ajudou muito foi minha equipe, que é muito boa. Há pessoas contratadas, mas todas as pessoas acreditam efetivamente na campanha. Tem muita gente voluntária na equipe e isso ajudou. Essa é uma das marcas de campanha das candidaturas de esquerda, é o voluntarismo das pessoas que trabalham do mesmo jeito daquelas que trabalham remuneradas. Elas dão mais do que quem está contratado, pois são voluntárias no processo. Houve uma grande adesão dos eleitores que já conheciam meu nome das outras candidaturas e também das lutas que eu venho participando. Posso dizer que eu não faço política só em época eleitoral; faço política sempre e, até hoje, sem mandato. Quero, a partir de 2021, poder fazer política com mandato, porque vai potencializar muito mais a capacidade da gente fazer política em Vitória.
– Depois das eleições deste ano, o senhor acredita que a sociedade brasileira continuará polarizada entre direita e esquerda?
– Acho que duas coisas podem acontecer: as pessoas identificarem que essa polarização está no mundo, mas que a polarização não é necessariamente ruim porque o Centrão no Brasil é muito ruim. O Centrão é uma espécie de disfarce que uma direita corrupta faz para não declarar que ela defende programas extremamente prejudiciais à população; programas estão muito próximo da direita reacionária, da direita fascista. O Centrão não é menos fascista, ele não defende direitos fundamentais da população LGBT, por exemplo. O Centrão defende a entrega do interesse nacional aos Estados Unidos. Então, esse Centrão é uma mentira, é uma farsa que enganou brasileiro de que exista um centro no qual ela possa votar.
Acho melhor a definição de esquerda e direita muito bem definidas e evidentes para que a população saiba de quem é que está do lado deles. A população votou na extrema direita bolsonarista. Bolsonaro sempre foi um cara do Centrão, sempre teve ali no Centrão como base, que eles chamam no Congresso de ‘baixo clero’, que é uma parte importante do Centrão, e de repente se colocou na condição de extrema-direita porque é muito fácil sair do Centro e ser extrema direita.
Acho que nesse momento polarizar não é ruim, porque afasta o nublado, afasta o engano e as pessoas entendem direitinho quem é quem. O fato de eu estar na esquerda e estar polarizada a situação, não significa que eu não defenda os interesses sociais e o bem de todos. Só que eu não acho que tem caminho de Centro aí de negociação nesse aspecto, porque toda vez que a gente permite que o Centrão ocupe a cena política no Brasil a gente já sabe aonde vai dar, vai dar na corrupção, no entreguismo, na privatização de serviços essenciais à vida da população. Por isso a polarização não me preocupa, o que me preocupa é a violência porque a polarização não precisa estar acompanhada da violência.
A violência não é fruto do aprofundamento da diferença entre direita e esquerda; é fruto da falta de capacidade cívica, de capacidade de diálogo e da capacidade de discussão de uma determinada parte da população brasileira, especialmente da elite brasileira que sempre apostou no golpe quando os seus interesses não estavam satisfeitos. Na história brasileira, a elite sempre apostou no golpe, na violência, sempre apostou contra o interesse da público e dos interesses da maioria da população. Isso é histórico desde o nascimento da República até hoje. Antes disso era a Monarquia que também conviveu com seus golpes e com suas violências contra a população brasileira. O ocupação portuguesa no Brasil foi um golpe, uma violência contra as populações originárias. Então, eu não sou contra essa polarização; eu sou contra a violência que decorre da falta de capacidade de discutir política com qualidade no Brasil.