O Ministério Público do Estado do Espírito Santo instaurou procedimento preparatório para apurar supostas irregularidades na aquisição de alimentos pela Prefeitura Municipal de Atílio Vivácqua. O procedimento já se encontra na Promotoria de Justiça do município, localizado no Sul do Espírito Santo, depois que a Notícia de Fato, comunicando possível contratação em inconformidade com a Lei, ter chegado à Ouvidoria do Ministério Público, conforme Manifestação OUV2020068897.
A aquisição de marmitex ocorre desde 2017, quando a Prefeitura iniciou contratos com a Padaria e Restaurante Machado Ltda para o fornecimento de marmitex e outros itens alimentares para o Gabinete do Prefeito e outras secretarias. Num período de três anos, a empresa estaria fornecendo mais de 13 mil marmitex à Prefeitura.
O detalhe é que o atual prefeito, Josemar Bastos Machado, é irmão do dono da Padaria e Restaurante Machado, o empresário José Luís Machado Fernandes. Para os autores da Notícia de Fato, levada à Ouvidoria do Ministério Público Estadual, essa prática, por analogia, se caracteriza como nepotismo licitatório. Em nota (no final desta reportagem) enviada ao Blog do Elimar Côrtes, o prefeito Josemar garante que a contratação da empresa de seu irmão obedece à legislação vigente.
De acordo com a Notícia de Fato, foram firmados diversos contratos entre a Padaria e Restaurante Machado e o Município de Atílio Vivácqua. Os contratos foram firmados entre 4 de abril de 2017 e 5 de março de 2020. O valor total contratado entre a Prefeitura e a padaria foi de R$ 204.757.81, sendo R$ 195.643.10 de marmitex e R$ 9.114,71 de gêneros alimentícios.
As contratações variaram de Pastas, tendo sido beneficiados com os marmitex o Gabinete do próprio Josemar Machado e as Secretarias Municipais de Saúde, Educação e Cultura, Esportes e Lazer, Ação Social, Desenvolvimento Rural, Obras e serviços Urbanos, Administração e Finanças, Meio Ambiente, Turismo.
O último certame, 021/2020, de 5 de março de 2020, no valor de R$ 57.000,00, onde foram adquiridos 3.800 marmitex, só contou com a empresa do irmão do prefeito Josemar como participante. Nenhuma outra empresa concorreu; ainda assim, mesmo não havendo disputa, onde fatalmente o preço da quentinha seria reduzido, a licitação foi dada como válida.
A Prefeitura de Atílio Vivácqua fornece aos funcionários tíquetes-alimentação mensal no valor de R$ 500.00, além de “tíquete-feira” mensal no valor de R$ 50,00. A Prefeitura, em regra, não fornece refeições aos seus funcionários, salvo aos operadores de máquina quando estão em serviço na zona rural do município.
De acordo com dados obtidos pelo Blog do Elimar Côrtes, de 4 de abril de 2017, data do primeiro contrato entre a Prefeitura e a Padaria Machado, a 31 de dezembro de 2020, totalizam-se 900 dias úteis. Nesse período, são 35 feriados, ou seja, vai haver exatos 865 dias trabalhados.
Pegando o valor total das compras, que é de R$ 195.643.10, dividido por R$ 15,00, o custo de cada marmitex, daria um total de 13.042 “quentinhas”. Dividindo esses 13.042 por 865 dias, conclui-se que 15 marmitex foram adquiridos por dia trabalhado nesse período.
Por analogia, a Súmula Vinculante nº 13, editada pelo Supremo Tribunal Federal, tem sido usada como impedimento a contratação de empresas cujo proprietários sejam parentes, até terceiro grau, do gestor
Neste mesmo diapasão, o artigo 37 da Lei 12462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), diz: “É vedada a contratação direta, sem licitação, de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção que mantenha relação de parentesco, inclusive por afinidade, até o terceiro grau civil com:
I – detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação; e
II – autoridade hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade da administração pública”.
Ao analisar uma consulta do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 14 de setembro de 2015, tomou a seguinte decisão, tendo como base o voto do relator Carlos Eduardo Oliveira Dias, nos autos de número 0001199-62.2015.2.00.0000:
“a) é vedada a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau, inclusive, de todos os respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidores investidos em cargo de direção e de assessoramento, a teor do art. 2º, inciso V, da Resolução CNJ n. 7;”
“b) é vedada a contratação, independentemente da modalidade de licitação (pregão eletrônico, tomada de preço, concorrência pública etc.), de pessoa jurídica que tenha em seu quadro societário cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau, inclusive, dos magistrados ocupantes de cargos de direção ou no exercício de funções administrativas, assim como de servidores ocupantes de cargos de direção, chefia e assessoramento vinculados direta ou indiretamente às unidades situadas na linha hierárquica da área encarregada da licitação, nos termos da fundamentação;”
“c) a vedação descrita no item anterior se estende às contratações cujo procedimento licitatório tenha sido deflagrado quando os magistrados e servidores geradores de incompatibilidade estavam no exercício dos respectivos cargos e funções, assim como às licitações iniciadas até 6 (seis) meses após a desincompatibilização;”
“d) é permitida a contratação, por meio de regular procedimento licitatório em que se permita a livre concorrência (a exemplo das modalidades pregão, tomada de preços e concorrência pública), de pessoa jurídica que tenha em seu quadro societário cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau, inclusive, de magistrados de primeiro e de segundo graus atuantes exclusivamente na jurisdição, assim como de servidores que, embora ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança (a exemplo dos servidores da área judiciária, como escrivães, diretores de secretaria, assistentes/assessores de magistrados), não atuem na linha hierárquica que vai do órgão licitante ao dirigente máximo da entidade, por não vislumbrar, via de regra, risco potencial de contaminação do processo licitatório;”
“e) a autorização contida no item anterior não obsta que o tribunal vede a contratação de empresa pertencente a parente de magistrado ou servidor não abrangido pelas proibições expressas de nepotismo (a exemplo dos atuantes exclusivamente na área judiciária), sempre que identificar, no caso concreto, risco potencial de contaminação do processo licitatório.”
Outro lado
Procurado na manhã deste sábado (17/10) pelo Blog do Elimar Côrtes para se manifestar a respeito da suposta irregularidade na contratação da empresa de seu irmão José Luís Machado Fernandes para fornecer marmitex e outros produtos alimentícios à Prefeitura de Atílio Vivácqua, o prefeito Josemar Machado enviou, por meio da Assessoria de Imprensa do Município, a seguinte nota:
“A Prefeitura de Atílio Vivácqua informa que todo o processo relativo à contratação da referida empresa obedeceu às legislações licitatórias em vigência”.