As graves denúncias do agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta interferir nas investigações da Polícia Federal, causaram perplexidade e revolta na sociedade. O senador capixaba Marcos Do Val (Podemos) disse ainda há pouco ao Blog do Elimar Côrtes que um grupo de senadores já começou a estudar a possibilidade de entrar com um processo, no Congresso Nacional, solicitando o impeachment de Bolsonaro.
“Vários senadores já começaram a falar, em nosso grupo de WhatsApp, que vão entrar com o pedido de cassação. Eu, particularmente, sou contra, pois entendo que tal pedido afundará o País ainda mais numa crise”, disse Marcos Do Val, que, entanto, é favorável que o Supremo Tribunal Federal autorize a instauração de um Inquérito para apurar a interferência política apontada por Sérgio Moro:
“Há mais de 11 anos eu fui bastante criticado, inclusive pela mídia paulista quando, na condição de especialista de segurança pública, apontei a interferência do Governo do Estado de São Paulo no desfecho do Caso Eloá. O então governador paulista da época, hoje senador José Serra, me criticou. Os anos se passaram e fica aí mais uma vez a comprovação interferência política na Polícia Federal”, disse Marcos Do Val.
Ele disse que as falas do ex-ministro Moro têm que ser devidamente investigadas, independente se o alvo seja o Presidente da República. Para o senador capixaba, a saída de Sérgio Moro provoca na sociedade brasileira uma sensação de orfandade:
“Estamos todos órfãos daquele que sempre conduziu muito bem o combate à corrupção. As falas do ministro Moro estão causando uma perplexidade e revolta e no Congresso Nacional já há um movimento forte para a abertura de impeachment contra o presidente Bolsonaro”, frisou Marcos Do Val.
Outras lideranças políticas do Espírito Sato também comentaram e amentaram a demissão de Sérgio Moro. Para o governador Renato Casagrande (PSB), a saída de Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública “agrava muito a crise interna” do governo Bolsonaro:
“A permanente instabilidade política mesmo em meio à pandemia do coronavírus fragiliza as instituições democráticas e mantém a angustia dos brasileiros. O governo Bolsonaro perde seu maior selo de qualidade”, frisou Casagrande, que ainda agradeceu o ex-ministro Moro por sua ajuda ao Estado capixaba.
O presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), também lamentou a demissão de Moro. “Num momento tão delicado, quando enfrentamos problemas graves de saúde pública e de ordem política, o Brasil perde mais um ministro importante. Sérgio Moro foi aguerrido contra a corrupção no País e sua saída fragiliza a democracia brasileira”, disse Musso.
Sérgio Moro deixa o Ministério da Justiça e Segurança Pública após um ano e quatro meses no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro. A demissão foi motivada pela decisão de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicado para o posto pelo agora ex-ministro. A Polícia Federal é vinculada à pasta da Justiça.
Ao anunciar a saída, em pronunciamento na manhã desta sexta-feira (24/04) no Ministério da Justiça, Moro afirmou que disse para o Presidente que não se opunha à troca de comando na Polícia Federal, desde que Bolsonaro apresentasse uma razão para isso.
Moro disse que o problema não é a troca em si, mas o motivo pelo qual Bolsonaro tomou a atitude. Segundo o agora ex-ministro, Bolsonaro quer “colher” informações dentro da PF, como relatórios de inteligência:
“O Presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”, declarou Sério Moro.
Sérgio Moro fez uma comparação com o período em que conduziu os processos da Operação Lava Jato como Juiz Federal:
“Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?”, questionou.
“Falei para o presidente que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, concluiu Moro.
A presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Federal do Estado de São Paulo, Tania Prado, segue na mesma linha do senador Marcos Do Val e pede rigorosa investigação e defende a autonomia da Polícia Federal:
“As declarações do ministro da Justiça Sérgio Moro revelam fatos gravíssimos, que devem ser apurados com o rigor e celeridade necessários. É preciso dotar a Polícia Federal de autonomia na Constituição para impedir ingerências como as que estão ocorrendo”, pontuou a dirigente de classe.
Entidade que representa policiais federais defende manutenção da independência da instituição
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), que concentra os Sindicatos dos Policiais Federais no Estados, incluindo o Sinpef, no Espírito Santo, representando cerca de 15 mil policiais no País, lançou nota em que defende que a instituição deve ser uma polícia de Estado e não de governo, não devendo ser atingida por interferências políticas.
“Jamais a instituição deve ser atingida por interferências políticas. A PF é um órgão maduro o suficiente para não aceitar interferências politicas nas suas investigações. Os policiais federais conhecem muito bem o seu papel constitucional e a própria estrutura do órgão não permite qualquer interferência em seus trabalhos”, destacou o presidente do Sinpef-ES, Marcus Firme, que também é diretor da Fenapef, logo após o pedido de demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro, no final da manhã desta sexta-feira (24).
Confira a nota da Fenapef na íntegra:
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) lamenta profundamente o pedido de demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e também a exoneração do Diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
A entidade entende que o ministro Sérgio Moro cumpriu seu papel com dedicação e comprometimento, garantindo a independência da Polícia Federal durante todo o período que ocupou o cargo.
Com relação a Maurício Valeixo, havia uma situação de tensão que se arrastava desde 2019, com o anúncio de sua possível saída. Ainda assim, Valeixo, um profissional sério e dedicado à Polícia Federal, manteve seu compromisso com os policiais federais até sua exoneração.
Para a diretoria da entidade, independentemente de quem ocupe o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Direção-geral da PF, a Polícia Federal precisa manter sua linha de autonomia e independência nos trabalhos e investigação.
A Fenapef sempre defendeu que a Polícia Federal é uma polícia de Estado e não de governo e, por isso, acredita e defende que jamais a instituição deve ser atingida por interferências políticas.
Para o presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens, o presidente da República tem o direito de fazer alterações em sua equipe, mas “isso não significa – e garantimos que não irá ocorrer – qualquer tipo de interferência nas investigações criminais da Polícia Federal”.
Os quase 15 mil policiais federais, assim como toda a sociedade, esperam que as mudanças realizadas nesta sexta-feira, 24, não alterem os valores e a missão da Polícia Federal, que é “exercer as atribuições de polícia judiciária e administrativa da União, a fim de contribuir na manutenção da lei e da ordem, preservando o estado democrático de direito”.
Saiba Mais
Caso Eloá Cristina se refere ao mais longo sequestro em cárcere privado já registrado pela polícia no Brasil. Em 13 de outubro de 2008, Lindemberg Fernandes Alves, então com 22 anos, invadiu o domicílio de sua ex-namorada, Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, no bairro de Jardim Santo André, no município de Santo André, em São Paulo, onde ela e colegas realizavam trabalhos escolares. Inicialmente dois reféns foram liberados, restando no interior do apartamento, em poder do sequestrador, Eloá e sua amiga Nayara Silva.
Após mais de 100 horas de cárcere privado, policiais do Gate e da Tropa de Choque da Polícia Militar paulista explodiram a porta e entraram em luta corporal com Lindemberg, que atirou em direção às reféns. Nayara deixou o apartamento andando, mas ferida com um tiro no rosto, enquanto Eloá, carregada nos braços de um policial, foi levada inconsciente ao Centro Hospitalar de Santo André, onde morreu horas depois em decorrência dos dois tiros que levou. O sequestrador foi preso e condenado a 98 anos e 10 meses de prisão.
A jovem Nayara chegou a ser liberada pelo bandido no mesmo dia do sequestro, mas, a pedido da PM, voltou ao apartamento dois dias depois para tentar ajudar no resgate.
Uma tragédia anunciada. O agora senador Marcos Do Val, na época, criticou a atuação da PM paulista, que de fato, foi desastrosa.