Ao demonstrar mais uma vez seu ceticismo em relação à gravidade da pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro declarou, na última quinta-feira (26/03), que o brasileiro “tem que ser estudado”, pois “pula no esgoto e nada acontece com ele”. Citou a frase ao comparar a situação do Brasil com a dos Estados Unidos no combate ao coronavírus.
O presidente da República está enganado. Até 2013 dados do Ministério da Saúde apontavam que, por falta de saneamento básico, pelo menos 20 crianças morriam por dia no Brasil. Isso só para ficarmos nas crianças, geralmente, as mais atingidas pelos esgotos que correm a céu aberto em diversas cidades brasileiras. São, por mês, 600 crianças mortas. São mortes silenciosas, de gente pobre e humilde, que não causa indignação à sociedade.
O ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, tem abordado o assunto com muita frequência em artigos publicados em seu portal na internet e em outros veículos de comunicação e em palestras que realiza mundo afora. Sintetiza ele:
“Imaginemos a queda de um avião com 200 crianças. O que aconteceria com o Brasil? Imaginemos a queda de três aviões, cada um com 200 crianças, por mês em nosso País. O que aconteceria ao Brasil? Seria um escândalo mundial; nosso espaço aéreo seria fechado; os políticos instalariam CPIs; a população voltaria para as ruas em forma de protesto. Seríamos julgados por um Tribunal Penal Internacional…Gostaria de trazer uma reflexão: que diferença faz um avião em nosso mundo! Hoje, no Brasil, pelo menos 600 crianças morrem por mês em nossas favelas, nos grotões, por falta de saneamento básico. A queda de um avião domina a mídia internacional meses a fio. A morte de 600 crianças, a cada mês no Brasil, por falta de saneamento básico, não nos causa sequer perplexidade.”
Pedro Valls reconhece, no entanto, que o problema não é localizado e atinge também as grandes metrópoles brasileiras. Segundo ele, em todo o Planeta uma criança morre a cada 20 segundos por falta de acesso a esgoto tratado. Para ele, pelos ritmos dos investimentos dos governantes brasileiros, o problema será sanado somente daqui a um século.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, houve 166,8 internações hospitalares por 100 mil habitantes no Brasil devido a doenças relacionadas à falta de saneamento básico. Entre as doenças que levaram à internação estão diarreias, cólera, hepatite A e leptospirose (causada pela exposição à urina de animais, principalmente ratos).
Os dados de 2016 são os últimos disponibilizados pelo IBGE e sinalizam uma queda no número de internações ao longo dos anos. Em 2010, foram 309,1 internações por 100 mil habitantes, ou cerca de 610 mil internações no total, considerando a população de 197 milhões à época.
Para o presidente Bolsonaro, no entanto, os brasileiros vão saber enfrentar o coronavírus, porque não têm medo do esgoto. Pelo menos é o que ele respondeu à imprensa, na semana que passou, quando perguntado se o Brasil vai ter números de casos da nova doença quanto os registrados nos Estados Unidos:
“Eu acho que não, não vamos chegar a esse ponto [tantos casos quanto os Estados Unidos], até porque o brasileiro tem que ser estudado. O cara não pega nada. Eu vi um cara ali pulando no esgoto, sai, mergulha… Tá certo?! E não acontece nada com ele”, disse Bolsonaro.