Traficantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), ao Primeiro Comando de Vitória (PCV) e ao Bonde do Trem Bala, que dominam a maioria dos pontos de vendas de drogas da Grande Vitória e são ligados a mais de 70% dos assassinatos registrados no Espírito Santo, levaram pânico, nesta sexta-feira (14/02), a diversas regiões da capital capixaba.
Foi uma reação terrorista dos grupos criminosos à ação pesada do Estado que, desde o ano passado, focou no combate ao tráfico de drogas e armas e assassinatos, boa parte de sua política de segurança pública, com a retomada do Programa Estado Presente em Defesa da Vida.
“Bandidos reagem à presença da PM nos bairros, mas a polícia vai atuar com mais força ainda. Já efetuamos a prisão de alguns desses criminosos. Esta será a nossa resposta”, se manifestou, pela manhã, o governador Renato Casagrande (PSB). Até a postagem desta reportagem as Polícias Militar e Civil já haviam prendido sete dos bandidos que espalharam terror pela cidade.
A ação orquestrada (e muito bem organizada) pelos bandidos começou por volta das 9 horas, assim que souberam da morte de um dos gerentes do tráfico do Complexo da Penha, Caio Matheus Silva Santos, 17 anos, conhecido como Três Bocas. O Complexo abrange os bairros Bonfim, Bairro da Penha, São Benedito, Gurigica e Itararé, na capital capixaba.
A morte de Três Bocas, que está sendo apurada, foi a gota d’água para a reação das organizações criminosas. Na verdade, os líderes desses grupos já vinham orquestrando ataques ao comércio, ônibus, veículos desde semana passada, quando a Polícia Militar ocupou mais um ponto estratégico no Complexo da Penha.
Assim, por volta das 9 horas desta sexta-feira, começou a onda de ataques. Armados de pistolas e fuzis, os traficantes invadiram avenidas centrais de Vitória, que se tornaram palcos de medo e violência. A Avenida Leitão da Silva foi interditada e teve os comércios fechados.
Os ataques se estenderam para a avenida Marechal Campo. Também houve ações de bandidos na avenida Maruípe, onde eles incendiaram ônibus de passageiros. Mais tarde, atacaram na altura do bairro Conquista, na Rodovia Serafim Derenzi. Lá, destruíram um carro de reportagem da TV Vitória.
A morte do adolescente Três Bocas, que era gerente de um dos pontos de vendas de drogas do bairro Bonfim, está sendo investigada pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) informou que, na manhã desta sexta-feira (14/02), policiais civis da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) foram ao Bonfim tentar cumprir um mandado de prisão. O alvo do Core – um suspeito de assassinato –, porém, não foi localizado.
Os policiais civis, então, decidiram descer o morro e voltar para a viatura, a fim de retornar à sede do Core. No caminho, entretanto, se depararam com um grupo de jovens que, armados, atiraram na direção dos policiais. Os policiais revidaram e o grupo de suspeitos saiu correndo pelas escadarias.
Eram 7 horas, os policiais civis não constaram ninguém ferido e foram embora para confeccionar o Boletim Unificado de Ocorrência sobre o confronto.
Duas horas depois começaram os primeiros ataques dos criminosos na Avenida Leitão da Silva. Levado por familiares para o Hospital São Lucas, no Forte São João, Três Bocas acabou morrendo às 8h45, de parada cardiorrespiratória.
De acordo com a Sesp, somente às 11 horas a Pasta descobriu a morte do adolescente e, apenas meia horas depois, a direção do São Lucas comunicou o fato ao Ciodes. Por lei, qualquer unidade de saúde é obrigada a comunicar imediatamente ao Ciodes quando qualquer pessoa dá entrada por ferimentos.
A Sesp explicou que investiga para descobrir de quem partiram os tiros que feriram o adolescente Três Bocas: se de armas dos policiais do Core ou dos próprios parceiros dele. Por isso, o corpo do jovem foi para o Departamento Médico Legal para realização de exames de necrópsia. Os policiais civis do Core estão sendo ouvidos na DHPP e as armas deles foram recolhidas para exames de balísticas.
O adolescente Três Bocas gostava de se expor nas redes sociais. Há na internet diversas fotos dele posando com armas pesadas, como metralhadoras, fuzis e pistolas. A família alega que ele não era bandido. Apenas gostava de posar com armas para “impressionar as mulheres”.
Resultados de cinco meses da Desarme
A ocupação da Polícia Militar no Complexo da Penha reduz o lucro das organizações criminosas. Sabedores da presença maciça de policiais na região, compradores de drogas se afastam daqueles bairros.
Além disso, o governador Renato Casagrande criou, em 2019, uma nova estrutura para melhorar o combate ao tráfico de armas, que foi a implantação, em agosto passado, da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme). Nos cinco primeiros meses de atuação, a delegacia apresentou importantes resultados.
“A Desarme foi criada para identificar os responsáveis pela fabricação e comércio ilegal de armas de fogo e munições que são apreendidas. A delegacia também faz interação com as demais forças de segurança do Estado, diminuindo os índices de criminalidade”, disse o delegado-geral da PCES, José Darcy Arruda.
De acordo com o titular da Desarme, delegado Christian Waichert, 36 pessoas já foram indiciadas desde o início das atividades da delegacia, em agosto de 2019. “Além dos indiciados, ocorreram 19 prisões e inúmeras apreensões de munições e armas de fogo”, destacou.
Número de inquéritos policiais instaurados: 24;
Número de inquéritos policiais relatados: 15;
Número de pessoas indiciadas: 36;
Número de pessoas presas: 19;
Operações realizadas: 11;
Armas apreendidas: 27 (calibres .12, .20, .22, .32, .36, .38, .380 e .357);
Munições apreendidas: 809 (calibres .12, .765, .22, .38, .32, .36, .40, .45, .380 e 9mm).
Integrantes das organizações viram réus
Os bandidos que levaram terror a diversos bairros de Vitória nesta sexta-feira fazem parte do grupo que, em novembro de 2018, foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo pelos crimes de organização criminosa e associação ao tráfico.
No dia 29 de novembro de 2018, o Juízo da 6ª Vara Criminal de Vitória acolher a denúncia proposta pelo MPES. São 19 pessoas que passaram a responder Ação Penal nos autos de número 0004074-02.2018.8.08.0024, que tramita em segredo de Justiça.
Os 19 denunciados têm ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC), Primeiro Comando de Vitória (PCV) e o Bonde do Trem Bala. O grupo foi denunciado no âmbito da Operação Concerto, deflagrada pelo Ministério Público, com apoio da Diretoria de Inteligência da Polícia Militar, Diretoria de Inteligência da Secretaria de Estado da Justiça (DIP/Sejus) e Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil.
No dia 4 de setembro de 2018, o MP e as demais forças policiais realizaram diligências em diversos pontos da Grande Vitória, quando desarticularam uma organização criminosa com atuação, principalmente, na região do Complexo da Penha.
O líder da organização, Giovani Otacílio de Souza, o Paraíba, é um dos 19 denunciados, cumpre pena na Penitenciária de Segurança Máxima II (PSMA II) de Viana, onde comandava seus “subordinados” a praticar crimes em vários bairros da Região Metropolitana.
De acordo com a denúncia, as investigações do Procedimento Investigativo Criminal, instaurado pelo Ministério Público, identificaram os integrantes e descobriu o modo de ação da organização criminosa instalada na região do Complexo da Penha, que abrange os Bairro da Penha, Bonfim, São Benedito, Gurigica e Itararé, na capital capixaba.
As 19 pessoas denunciadas foram monitoradas pelos órgãos de Inteligência da PM, Sejus e Polícia Civil. A Justiça autorizou, inclusive, a interceptação telefônica e telemática dos investigados. O MP destaca na denúncia que na região investigada se escondem os bandidos apontados como de maior risco social da Grande Vitória, “haja vista as severas e violentas práticas criminosas por eles perpetradas”.
As investigações apontaram que o grupo liderado por Paraíba criou a organização criminosa chamada de Primeiro Comando de Vitória (PCV), que se transformou numa filial do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Espírito Santo. O PCV, por sua vez, criou um braço armado, que é o Bonde do Trem Bala, responsável pelos assassinatos e práticas de torturas determinados pelos líderes do PCV.