O movimento que estourou no Espírito Santo em fevereiro de 2017 continua desencadeando uma série de reflexos no seio da Polícia Militar. Por mais que o governo do Estado busque cicatrizar as feridas, o diagnóstico é de que a tropa está doente. Buscando ‘remédios’ para tentar reduzir os impactos das sequelas que atingiram parte dos praças e oficiais, a Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo (ACS/ES) vai formar parcerias com entidades de ensino e outros órgãos no sentido de oferecer tratamento psicológico aos associados e familiares.
A decisão leva em consideração o resultado de uma pesquisa que a Associação de Classe fez com seus associados. A pesquisa desenvolvida pela ACS/ES foi feita em 2019 e é sobre a saúde mental dos policiais e bombeiros militares do Espírito Santo.
A divulgação da pesquisa da ACS/ES vem num momento oportuno. É que o mês de janeiro foi escolhido como o mês da saúde mental, tendo o branco como sua cor simbólica. O objetivo da campanha é sensibilizar a população quanto à importância da prevenção à depressão e à ansiedade, estimulando ao cuidado com a saúde mental e bem-estar.
A depressão, um dos problemas mais comuns da saúde mental, pode afetar qualquer pessoa, inclusive aquelas que parecem viver em circunstâncias relativamente ideais, e levar a consequências graves, como à automutilação e até ao suicídio.
A pesquisa da ACS/ES foi coordenada pelo professor Robson Carlos de Souza – ele é Mestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Pós-Graduado em Comércio Exterior pela Universidade Federal do Espírito Santo e Graduado em Administração de Empresas pela Fundação de Assistência e Educação – Faesa.
O trabalho teve a participação da assistente social Luana Torres Cabral, contratada da ACS/ES. A pesquisa entrevistou 670 militares (550 policiais e 120 bombeiros), entre praças e oficiais – inclusive não-associados. As entrevistas foram realizadas em Batalhões e demais unidades da PM e do Corpo de Bombeiros de todo o Estado.
Ficou constatado que, dos 550 PMs e 120 bombeiros militares entrevistados, “57% consideram seu trabalho estressante sempre”; “15,71% sofrem de depressão e ou ansiedade”; “17,86% sofrem de insônia e enxaqueca”; e “23,56% têm hipertensão”.
Para a assistente social Luana Cabral, o resultado da pesquisa segue uma tendência nacional:
“Os dados demonstram uma realidade nacional sobre a situação dos agentes de segurança pública. O objetivo da pesquisa foi o de analisar a saúde mental em geral dos policiais e bombeiros militares. O problema foi instalado. Por isso, os casos têm que ser estudados e resolvidos, mesmo que não se consiga acabar com a depressão de imediato”, disse Luana Torres.
A ACS/ES também perguntou se “alguns problemas de saúde, embora sob controle, podem prejudicar promoções na carreira do militar”, a resposta foi: 54% sempre; 40% às vezes; e 6% nunca.
O diretor Social da ACS, cabo PM Ted Candeias, disse que, com o resultado da pesquisa, a entidade de classe já iniciou tratativas com instituições com a finalidade de firmar convênios que possibilitem levar ao associado e seus familiares tratamento e acompanhamento psicológico.
“Recentemente, estivemos em Cachoeiro de Itapemirim onde já fechamos parceria nesse sentido. Temos que cuidar do associado”, explicou o dirigente classista.
Luana Cabral explicou que a ACS tentou buscar informações sobre a saúde mental dos policiais e bombeiros militares junto aos órgãos oficiais. Entretanto, tanto no Espírito Santo quanto em outros Estados, existe sempre a “negação dos dados” e dos problemas. Quando são fornecidos, os dados chegam incompletos.
“Por isso, a ACS decidiu buscar sua própria estatística. A entidade elaborou questionário e saímos para pesquisa de campo, que abrangeu associados e os não-associados”.
Nas conversas durante pesquisa de campo, os policiais e bombeiro que demonstraram sintoma de depressão apontavam a baixa remuneração salarial, o rigor dos regulamentos militares e as dificuldades de promoção na carreira como fatores principais para a doença.
“O reflexo da baixa remuneração é o endividamento. O endividamento acaba causando problemas e crises dentro de casa. Com isso, a família é a principal atingida por toda essa situação”, disse o diretor Candeias.
Segundo ele, a situação chegou ao ponto de a ACS/ES ter que fornecer cestas básicas de alimentação para diversos associados:
“Já levamos todo esse diagnóstico (resultado da pesquisa) aos gestores do Executivo Estadual: Comandos da PM e do Corpo de Bombeiros, secretariado e o governo em geral”, frisou o dirigente. “A nossa parte, enquanto entidade de classe, está sendo feita, que é a de buscar uma solução para a melhoria da saúde dos associados”, completou Candeias.
Luana Cabral entende que a ajuda da sociedade é fundamental na vida dos profissionais de segurança pública. “A ACS busca parcerias para sensibilizar a todos: sociedade e poder público. É preciso que a sociedade valorize o trabalho dos policiais”.
Crise de fevereiro de 2017 fez entidade realizar 1.773 atendimentos a associados
Entre 2017 – quando estourou a crise, com o aquartelamento dos policiais militares durante 22 dias no mês de fevereiro – a agosto de 2019, a ACS/ES disponibilizou atendimento psiquiátrico para os associados em sua sede administrativa, no bairro Joana D’Arc, em Vitória.
Depois do movimento paredista, surgiram mais problemas, tão graves quanto a “greve”: a perseguição do Comando Geral da época, sob a direção dos coronéis Alexandre Ofranti Ramalho e Nylton Rodrigues, e do governo Paulo Hartung, com mudanças nas leis de promoção e instauração de milhares de Inquéritos Policiais Militares, Procedimentos Administrativos Disciplinares e Conselhos de Justificação.
Em janeiro de 2019, tão logo tomou posse com governador, Renato Casagrande anunciou – e aprovou logo em seguida – a Lei da Anistia, que beneficiou mais de 2.200 policiais, e mudanças nas Leis de Promoção de Praias e Oficiais, adequando-as às verdadeiras necessidades.
O trabalho da ACS/ES em fazer o atendimento aos associados foi uma tentativa de auxiliar no diagnóstico e tratamento dos transtornos que o estresse e as condições de trabalho causam aos policiais.
No período de 2017 a agosto de 2019, segundo a ACS/ES, foram realizados 1.773 atendimentos a associados. Sem falar, de acordo com a entidade, os períodos de recesso, domingos e feriados, o que daria uma média 49 atendimentos ao mês durante todo o período.
De acordo com o diretor Social, Ted Candeias, e a assistente social Luana Cabral, os números da doença mental dos policiais e bombeiros militares resultam, muitas vezes em tentativas e, em algumas delas, culminam em suicídio.
Entre fevereiro de 2017 e março de 2019, pelo menos 57 policiais militares capixabas tentaram o suicídio no Espírito Santo, e oito se consumaram. Na última segunda-feira (06/01) um cabo da PM se matou, com um tiro, dentro de casa, em Vitória, subindo, assim, para nove o número de suicídios.
A ACS/ES afirma estar também preocupada com o grande número de suicídio na tropa. A entidade amenta sempre a perde de um profissional da segurança pública e, por isso, vem tentando inserir as famílias na discussão e no tratamento aos policiais.
Em breve, a entidade vai dar início a uma campanha de conscientização contra o suicídio. “Só estamos nos preparando sobre como vamos moldar essa campanha para dar o início”, disse Candeias.