Agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos da Polícia Federal estão em estado de alerta. A preocupação, manifestada por suas entidades representativas, é a Proposta de Emenda Constitucional 412, a chamada PEC da Autonomia da Polícia Federal, que voltou a ser debatida em Brasília. A PEC da Autonomia é defendida pelos delegados federais, que, durante a 4ª edição do Simpósio Nacional de Combate à Corrupção da Bahia, realizado entre os dias 22 e 23 de agosto, voltaram a debater o assunto.
No entanto, para demais profissionais da Polícia Federal, “o argumento de que a norma iria fortalecer a instituição é uma falácia”. Eles ainda a consideram um retrocesso que pode levar a Polícia Federal ao enfraquecimento e até à extinção, pois retira a PF do artigo 144 da Constituição Federal e a remete a uma Lei Complementar.
“A proposta é uma ação corporativista e baseia-se em argumentos dissimulados. Percebe-se a real intenção no substitutivo que seria apresentado e foi retirado, no qual o delegado de Polícia Federal figura-se como a própria instituição, possuidor de um cargo com prerrogativas próprias nos moldes dos magistrados e dos membros do Ministério Público, agindo da forma que lhe convém, gozando ainda de benefícios como auxílio moradia. É uma causa de interesse próprio, em que os delegados terão autonomia até mesmo para definirem os próprios salários, mas extremamente prejudicial para a instituição da Polícia Federal e para a sociedade”, dispara o presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Espírito Santo (Sinpef-ES) e diretor parlamentar da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Marcus Firme.
Ele ainda argumenta que, com a aplicação da PEC, seria a PF uma instituição armada, desvinculada do Poder Executivo e, o que é mais grave, sem controle externo.
“Há o risco de a sociedade ter uma Polícia Federal repleta de desmandos e ações desenfreadas. A premissa é falsa também porque a Polícia Federal já possui autonomia para suas investigações, conforme a Lava Jato já foi capaz de provar para todo o Brasil”, complementa Marcus Firme.
A avaliação das instituições representativas dos agentes, peritos e escrivães é que a PEC 412 retira da Polícia Federal a sua natureza jurídica de “órgão permanente”, sua forma de organização e subordinação “organizado e mantido pela União” e a sua estrutura de cargos “estruturado em carreira”, institutos que foram assegurados na Carta de 1988 para o fortalecimento das forças policiais no Brasil, a exemplo de outros países democráticos.
“Em que pese a determinação de estrutura em carreira, vale dizer que ela nunca foi implementada na Polícia Federal. Logo, a PEC 412 propõe alteração em comando que sequer foi cumprido. Ela transforma a Polícia Federal do Brasil numa página em branco, que o legislador infraconstitucional, por Lei Complementar, tem a atribuição de escrevê-la, podendo ‘organizar a polícia federal e prescrever normas para a sua autonomia funcional, administrativa e financeira’. Não à toa, a maioria dos policiais federais reprovam essa iniciativa de interesse exclusivo dos delegados, que pretendem criar e extinguir cargos dentro da corporação e definirem seus próprios salários, equiparando-os aos subsídios do STF”, diz Marcus Firme.
O texto da PEC 412 tramita desde 2009 na Câmara Federal. Recentemente, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Felipe Francischini (PSL-PR), afirmou que pretende pautar o tema em breve na Casa. Felipe é filho do delegado federal e ex-deputado federal Fernando Francischini, que já foi subsecretário da Segurança Pública do Espírito Santo, em 2003.
A proposta se baseia na autonomia orçamentária, financeira e administrativa da instituição e está sendo patrocinada por entidade representativa dos delegados da Polícia Federal.
Interferência de Bolsonaro dá mais força para delegados buscarem a autonomia
Dois dias de debates e uma palavra de ordem: autonomia. A independência funcional e administrativa da Polícia Federal permeou toda a 4ª edição Simpósio Nacional de Combate à Corrupção da Bahia, realizado entre os dias 22 e 23 de agosto.
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) encerrou o evento com a leitura da Carta de Salvador, documento onde afirma que a PF não deve ficar sujeita a “declarações polêmicas em meio a demonstrações de força”.
A defesa da autonomia da instituição ganhou forças quando, às vésperas do evento, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que trocaria comando da corporação no Rio e, durante o Simpósio, cogitou a troca do diretor-geral, Maurício Valeixo.
O presidente da ADPF, Edvandir Paiva, aproveitou o discurso de abertura do evento para expor as ameaças de ingerências políticas. “São dias difíceis, de apreensão; Mas nós, instituições do Estado brasileiro, vamos continuar a fazer o nosso trabalho acima de qualquer conjuntura ou contingência”, garantiu Paiva.
E a autonomia seguiu sendo palavra de ordem do evento, escutada e defendida em quase todas as palestras e explicada por Paiva.
“Não queremos independência, nem uma autonomia sem controle, muito menos um órgão super poderoso. Solicitamos apenas níveis de autonomia que serão discutidos no Congresso Nacional, após longo debate com a sociedade, para que venha nos moldes e no volume correto”, explicou.
O responsável pela organização do evento, diretor da ADPF-BA, Rony Silva, também reforçou o pedido de fortalecimento das instituições de segurança pública e disse que a sociedade e a imprensa são importantes nesse caminho.
“O símbolo do nosso evento, que foi remodelado este ano, significa o novo modelo de combate à corrupção. Um tripé cujos lados são idênticos em que sua base em dourado, cor da sabedoria e do conhecimento, representa as carreiras jurídicas atuando em coordenação. O lado esquerdo em azul, cor da harmonia, representa a sociedade civil organizada e o lado cinza, cor da neutralidade, da imparcialidade, representa a imprensa”, explicou Rony, “A junção desses três elementos, atuando juntos, proporciona o novo combate à corrupção em escala macro”, disse Rony Silva.
Antes de encerrar o evento, o presidente da ADPF, Edvandir Felix de Paiva, subiu ao palco junto aos 150 delegados federais que participavam do Simpósio para ler o documento, escrito em resposta às ingerências na Polícia Federal. Na Carta, a associação defendeu que, para blindar a instituição, o Congresso Nacional precisa aprovar a PEC que trata da autonomia da PF.
“A Polícia Federal não deve ficar sujeita a declarações polêmicas em meio a demonstrações de força que possam suscitar instabilidades em um órgão de imensa relevância, cujos integrantes são técnicos, sérios, responsáveis, e conhecedores de sua missão institucional. Em outros governos, por diversas ocasiões, a instituição sofreu pressões e tentativas de intervenção. Diante do que parece ser mais uma delas, é necessário e urgente que a Polícia Federal conquiste garantias constitucionais e legais para se tornar, de fato e de direito, uma polícia de Estado e não de governo”, diz um trecho da Carta.