(*Doacir Gonçalves de Quadros)
A sociedade até o século passado foi marcada pelo perfil de uma elite dirigente formada sobretudo pelos homens, na qual “eles” eram o polo dominante e as mulheres eram marcadas pela submissão. Segundo o sociólogo francês Alain Touraine, no século 21 há indícios de uma inflexão nesta inferioridade da mulher. Vejamos.
Atualmente aqui nas terras brasileiras a mulher representa 51% do total da população de nosso país. Na economia, com o desenvolvimento da industrialização a partir de 1940, a mulher se projetou no mercado de trabalho e, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, em 2015 já ocupavam 43% dos postos de trabalho. Nas salas de aulas as mulheres são a maioria. É o que mostra o Censo da Educação Superior de 2016, em que as mulheres representam 57,2% das matriculas no ensino superior.
Isso é apenas a ponta do iceberg que mostra o avanço das mulheres na garantia de uma sociedade mais justa. Porém, o relatório de Estatísticas de Gênero, divulgado este ano pelo IBGE, mostra que apesar de as mulheres terem um nível educacional mais elevado, elas trabalham mais e com rendimentos salariais inferiores aos homens; em média, 24% menos.
Os mesmos avanços e retrocessos também fazem parte da vida da mulher que procura viver “da política” e para “a política”. Neste século tivemos uma mulher eleita presidente da república, cargo mais alto da representação política no país. Passados 130 anos, desde 1889 neste cargo passaram 37 homens. Todavia no Congresso Nacional somente 10% dos representantes na Câmara dos deputados são mulheres, abaixo da média mundial, que é de 23,6% conforme o relatório IPU do IBGE divulgado em 2018. No Senado, dos 81 senadores, 13 são mulheres (16%). Estes dados são mais preocupantes quando observamos o peso do eleitorado feminino no Brasil que, de acordo com a Justiça Eleitoral, em 2018 representavam 52% do eleitorado brasileiro.
Esta sub-representação das mulheres no Congresso Nacional encontra uma explicação na falácia dos fatores culturais que apontam a mulher brasileira como alguém que “não gosta de política”, portanto não apta a liderar as transformações sociais via deliberação parlamentar. Mas a realidade é que por detrás desta explicação trivial e retrógrada temos uma lei a 9.504/1997 que determina que 30% das candidaturas devem ser ocupadas pelas mulheres nos partidos, facilmente burlada com candidaturas fictícias ou “laranjas”.
O calvário delas não para por aí. Quando saem candidatas, recebem uma distribuição desigual dos recursos partidários o que inevitavelmente interfere no sucesso eleitoral delas. Em estudo recente sobre a propaganda política na televisão para eleições proporcionais, percebi que em todos partidos os candidatos homens tiveram tempo total médio maior na propaganda, comparado ao das candidatas mulheres.
É nesse cenário de resistência aos avanços conquistados pelas mulheres que podemos entender porque elas ainda não conquistaram, no Congresso Nacional, uma representação proporcional ao peso da importância delas em nossa sociedade.
(* Artigo assinado por Doacir Gonçalves de Quadros é professor do curso de Ciência Política e do mestrado acadêmico em Direito do Centro Universitário Internacional Uninter)