*Sandro Roberto Campos
A primeira vista o título desse texto pode sugerir que qualquer nova ideia não seja bem-vinda na área da Segurança Pública. Mas é exatamente ao contrário, a questão é promover uma reflexão mais equilibrada em torno das “inovações” que são inseridas nos labirintos e guetos da criminalidade.
Imaginemos a inserção de determinada inovação por meio de um programa ou projeto que impactará de maneira profunda numa localidade. Quando não há um prévio estudo de impactos quanto aos remanejamentos de pessoal que ocorrerão e os danos colaterais decorrentes dessas movimentações adentramos em preocupantes cenários. Daí emerge uma relevante questão: será que as “inovações” trariam benefícios relevantes ou impactos mais nocivos ao cômputo final esperado?
O quadro da violência criminalizada pressiona o poder público a criar fórmulas que possam abordar de maneira rápida e reativa os hotspots. Geralmente contaminados pela cobrança da mídia, os governos arquitetam projetos com muita pressa e altíssimos investimentos, mas, geralmente, desconsiderando uma estrutura pré-existente, e, ao final, muitas ações acabam se descontinuando.
As limitações de recursos são muito presentes nas áreas de alta criminalidade. Mas, muitas vezes com poucos recursos, os gestores locais empregam uma forma de tentar fazer frente à demanda que atendem. Quando esses mesmos gestores não são devidamente consultados e as ações externas de governo acabam por ser implementadas, geralmente esses projetos desmoronam mais adiante e não se mantêm.
Conforme afirmado no início do texto, não se trata aqui de negar a implantação de inovações, mas relativizar e problematizar como estas são aplicadas. Talvez, uma determinada inovação pode ser muito mais catastrófica do que pequenos e contínuos passos dados.
As entregas para as comunidades são o principal foco de planejamento das instituições de segurança pública. Mas há algo que necessariamente deve preceder este foco: a consolidação de suas estruturas.
Renomados autores internacionais apontam a filosofia de polícia comunitária enquanto modelo a ser seguido pelas polícias no mundo. Nesta esteira Robert Trojanovicx e Bonie Bouqueroux (1994) ao conceituarem ‘polícia comunitária’ apontam que é uma “filosofia uma estratégia organizacional (…)”.
Os termos em destaque descrevem a necessidade de que preliminarmente as instituições necessitam encontrarem-se preparadas estrategicamente para planejarem e definirem as ações de proximidade com as comunidades atendidas. Essa premissa, em outras palavras, produz uma singular afirmação “a casa deve estar arrumada”. Mão não é geralmente isso o que ocorre.
Muitas instituições policiais padecem de estruturações sérias e contínuas, valorizações salariais, reformas e construções prediais, incrementos tecnológicos, recomposições de efetivos transferidos para a inatividade ou outras ausências e, principalmente, valorização do seu maior patrimônio: os profissionais de Segurança Pública.
Mas em meio a esse grave cenário, ações estruturantes que darão base de sustentação ao funcionamento das Instituições policiais, entra ano sai ano, não são devidamente observadas. Depreende-se, por lógico, uma pergunta chave: haverá prestação de serviço de qualidade para a população nesses termos?
Essa crítica textual certamente é em certa medida fácil de ser apresentada, comparando-se uma dura e inóspita realidade secular em que as instituições policiais no Brasil estão imersas. Para quem está diretamente envolvido com a árdua missão de fazer frente a uma crescente e vertiginosa demanda criminal, acaba por ter sua visão ofuscada pelo desespero de promover respostas geralmente reativas à cotidiana violência.
Qual seria o maior objetivo de um programa que priorize determinada região com altas taxas criminais e intensa alocação de recursos (programas/projetos “hotspots”)? A resposta parece ser óbvia: redução das respectivas taxas e o aumento da qualidade de vida das comunidades diretamente atendidas. Mas, e quanto à grande e esmagadora maioria populacional e territórios que não foram alcançados?
Em torno dessa questão estão centradas imensas frustrações, superficialidades e despreocupação com tempos futuros e a coletividade em geral. Óbvio como no projeto “Territórios de paz” do PRONASCI que foi um de vários outros “pilotos”, que as taxas criminais se reduziriam. Poderíamos citar aqui uma gama de outros programas e ações que foram implementadas e hoje jazem na sepultura do esquecimento. À medida que os recursos são alocados as transformações são colhidas e a sociedade acaba dispondo de meios para alcançar sua qualidade de vida.
Mas, geralmente, esses projetos pilotos ficam apenas por aí. Taxas são reduzidas, os efeitos são amplamente divulgados e, logo após, como Alexandre Garcia costumava dizer: “o jogo continua”. Recursos são desmobilizados para atender as localidades que foram desassistidas, concluindo-se que: ao reduzir as taxas de determinada região não se garante que nas demais outras regiões não ocorrerá elevações e, principalmente, não há garantias de que o que foi piloto se expandirá.
Daí outra questão emerge: Como alcançar o atendimento integral de uma sociedade em constante conflito, severas taxas criminais e problemas sociais difusos?
Correndo riscos de errar, acredito que primeiramente é necessário o reconhecimento de que estamos imersos numa cultura midiática sobre a qual nos impulsiona a agir de modo continuamente reativo. Segundo, é necessário admitir as limitações de recursos, mas deve-se planejá-lo e não acentuar essa admissão enquanto motivação para o repouso. E, principalmente, por último, parece óbvio, construir programas estruturantes de consolidação de melhoria das Instituições Policiais de longo prazo, independente de governos. Estamos falando aqui de muralhas reais que dividem a sociedade do caos. Nossa cultura imediatista cega nos faz caminhar para lugar nenhum. Ações são iniciadas e “encerram-se”, e tudo se esvai. Em 1874 o Japão contava, por exemplo, com seu primeiro posto policial denominado Koban, em 2010 eram aproximadamente 15.000 disseminados pelo país. Eles continuaram o que começaram. Aqui essa cultura talvez em alguns séculos adiante chegue a surgir.
A segurança pública é uma obra em abstrato e sua percepção é complexa. No Brasil são inúmeros os programas que já se descontinuaram, geralmente, sem anúncios e silenciosamente. A constante quebra de iniciativas criadas constitui-se em impactos extremamente perversos à qualidade de vida e à sobrevivência da própria sociedade. Ou se coloca os pés no chão e caminha-se em pequenos, graduais e contínuos passos ao futuro dimensionado, ou veremos contínuos e fragmentados recomeços, acentuando a criminalidade e a cultura reativa do poder público.
(*Sandro Roberto Campos – Major PMES – Chefe da Divisão de Polícia Comunitária da Diretoria de Direitos Humanos e Polícia Comunitária)