Em entrevista ao Estadão, em 24 de junho último, o procurador Regional Eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, disse que o Ministério Público Federal não tem ferramentas para fiscalizar as chamadas vaquinhas eleitorais durante a campanha e o WhatsApp será o “valhacouto” para disseminação de mentiras. Ele, no entanto, falou também da possibilidade da inelegibilidade de candidatos que já tenham sido condenados pela Justiça em segunda instância e, por isso, serem enquadradas na Lei da Ficha Limpa.
À pergunta “existe alguma possibilidade de alguém que foi condenado por órgão colegiado ser candidato?”, o procurador Regional Eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves respondeu assim:
“Depende da condenação. Não é todo e qualquer crime que gera inelegibilidade. Há um rol da Lei da Ficha Limpa. Se a pessoa for condenada por um desses crimes e não tiver obtido a suspensão da inelegibilidade, pode ficar inelegível. Mas existe uma cláusula na própria lei que prevê a suspensão da inelegibilidade. Ou seja, neste momento é só conjectura. Dizer em junho que alguém vai estar inelegível em agosto é um exercício que a gente não faz”.
O entendimento do procurador Regional Eleitoral paulista, entretanto, não é bem claro. Sendo assim, muitos políticos capixabas estão preocupados com a possibilidade de terem suas candidaturas barradas pela Justiça Eleitoral por causa da Lei da Ficha Limpa.
Esta Lei está em vigor desde 4 de junho de 2010, quando foi sancionada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ironicamente hoje preso numa prisão, em Curitiba, por ter sido condenado a 12 anos e um mês pela acusação de corrupção na Operação Lava Jato.
O motivo maior da preocupação é que, em 4 de outubro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu a favor da aplicação retroativa da Lei da Ficha Limpa, para barrar a candidatura de condenados por órgãos colegiados. Por seis votos a cinco, a Corte foi favorável à inelegibilidade por oito anos de condenados antes da publicação da lei.
O entendimento que prevaleceu foi no sentido de que é no momento do registro de candidatura na Justiça Eleitoral que se verificam os critérios da elegibilidade do candidato. Dessa forma, quem foi condenado por abuso político e econômico, mesmo que anterior à lei, está inelegível por oito anos e não poderá participar das eleições do ano que vem.
Um dos políticos que, desde 2014, teve candidatura barrada é o ex-deputado estadual José Carlos Elias. Em agosto daquele ano, ele teve seu registro de candidatura barrado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). De acordo com a votação do TRE, Elias se manteve incapaz de concorrer ao cargo de deputado federal por seu partido devido às condenações envolvendo seu nome tanto na Justiça Estadual quanto na Federal. E por ter tido condenação confirmado no âmbito do segundo grau.
Pela Lei da Ficha Limpa, José Carlos Elias só poderá voltar a disputar um cargo nas eleições de 2022, já que condenação por improbidade Administrativa enquadra a pessoa na Ficha Suja por oito anos – é o período em que fica inelegível.
Quem também corre sério risco de não poder disputar as eleições deste ano é a deputada estadual Janete de Sá. Ela já teve parte de uma condenação, em Ação de Improbidade Administrativa, confirmada no âmbito do segundo grau e que já transitou em julgado há quase quatro anos. A pessoa enquadrada na Lei da Ficha Limpa tem de ficar oito anos sem poder se candidatar.
No dia 14 de maio de 2014, o 2º Grupo de Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) manteve, por maioria de votos, a decisão da 2ª Câmara Cível do TJES que condenou Janete de Sá ao pagamento de multa civil no valor do dobro do acréscimo patrimonial correspondente ao abastecimento de carro privado com dinheiro público e, ainda, ao ressarcimento integral do prejuízo causado ao erário.
O Ministério Público Estadual havia ajuizado Ação de Improbidade Administrativa contra a deputada, alegando que ela abasteceu veículo particular com uso de cartão de crédito corporativo da Assembleia Legislativa. Na época, câmeras flagraram funcionários do gabinete de Janete de Sá comprando latas de cerveja com o veículo da Casa.
Em primeiro grau, o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória condenou a deputada Janete às penalidades de perda da função pública, suspensão de direitos políticos por oito anos, pagamento de multa civil correspondente a 48 vezes o valor do subsídio de deputada estadual, proibição de contratar com o Poder Público por dez anos e, ainda, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 100 mil.
No entanto, Janete de Sá recorreu junto ao Tribunal de Justiça. Foi então que a 2ª Câmara Cível acolheu parte do recurso, decidindo manter a condenação ao pagamento de multa civil no valor do dobro do acréscimo patrimonial correspondente ao abastecimento de carro privado com dinheiro público e, ainda, ao ressarcimento integral do prejuízo causado ao erário.
O Ministério Público recorreu por meio de Embargos Infringentes. Porém, o 2º Grupo de Câmaras Cíveis Reunidas manteve entendimento da 2ª Câmara Cível. O acórdão do julgamento final foi publicado em 13 de junho de 2014. A sentença transitou em julgado em 24 de julho de 2014. Mesmo assim, Janete de Sá disputou a eleição de outubro daquele ano, obteve 21.999 votos, foi diplomada, tomou posse e vem exercendo seu mandato normalmente. Pela Lei da Ficha Limpa, Janete só poderia disputar eleição em 2022.
Abaixo, o acórdão do processo nº 024070040746, relativo à condenação da deputada Janete de Sá:
I- Não há ato de improbidade administrativa na utilização do veículo oficial para o deslocamento da Deputada Janete Santos de Sá ao evento ocorrido em Santa Leolpoldina no dia 03 de dezembro de 2006, pois estava desempenhando seu ofício, não havendo elementos que demonstrem sua má-fé ou intenção de violar o interesse público ou causar prejuízos ao erário.
II- Quanto à conduta de abastecimento de carro privado com dinheiro público, a determinação de pagamento de multa civil no valor do dobro do acréscimo patrimonial que a requerida angariou em decorrência do referido abastecimento, bem como o ressarcimento integral do dano, são medidas suficientes e adequadas para punir a requerida por seu ato de improbidade administrativa, não sendo razoável a imputação das demais sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
III- As sanções do art. 12 da Lei n.º 8.429⁄92 não são necessariamente cumulativas, incumbindo ao Poder Judiciário sua dosimetria. E mesmo existindo margem de discricionariedade jurisdicional, cuida-se de uma operação que deve ser pautada nos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e culpabilidade, evitando-se decisões desvinculadas da realidade dos fatos, sem, contudo, privilegiar a impunidade.
IV- Não há que se falar em perda da função pública diante do fim do mandato da requerida Janete Santos de Sá. Quanto às sanções de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público cuidam-se de medidas excepcionais, drásticas, que apenas devem ser aplicadas em hipóteses de maior gravidade, o que não é o caso dos autos.
V- Não se afigura cabível a condenação por danos morais coletivos no caso em exame. O pedido do Ministério Público limitou-se, quanto aos danos morais coletivos, ao fatos dos requeridos usarem “veículo oficial em atividades totalmente distanciadas do interesse público”, situação que não fora reconhecida como conduta ímproba, ante o caráter político dos eventos aos quais se dirigiram os requeridos em veículo oficial.
VI- Ainda que o abastecimento de veículo particular com verba de gabinete tivesse sido elencado como fato gerador de dano moral, melhor sorte não assistiria à parte autora, eis que, consoante entendimento pretoriano, é possível a condenação por danos morais em ações que discutam improbidade administrativa quando constatada a frustração provocada pelo ato ímprobo na comunidade ou o desprestígio efetivo causado à entidade pública que dificulte a ação estatal (REsp 960926⁄MG), situações não configuradas no presente caso.
VII- Notificado para integrar a lide, o próprio Estado do Espírito Santo manifestou-se contrário a sua participação, aduzindo não existir interesse legítimo a justificar o ingresso no feito, pois “ao ângulo dos potenciais efeitos da decisão da causa, seja qual for seu resultado, a decisão não acarretará prejuízo ao direito subjetivo da pessoa jurídica de direito pública.”
VIII- O fato de haver repercussão social negativa quanto à situação, por si só não enseja o reconhecimento da configuração de dano moral coletivo, que apenas se faz presente quando as provas dos autos comprovam efetivo dano à coletividade, que ultrapasse a mera insatisfação com a atividade administrativa (REsp 960926⁄MG), o que não é o caso dos autos.
IX- Em relação aos requeridos Maria José Freitas do Nascimento, Noely Seidel Lyrio e Mario Andrade, no tocante ao recebimento indevido de diárias, valendo-se da melhor exegese da Lei 8.429⁄92, especificamente de seus artigos 09 e 10, e subsumindo-os às especificidades do caso em tela, verifica-se que a conduta dos embargados não caracteriza dano ao erário ou enriquecimento ilícito, além de não se revelar imbuída da má-fé própria dos que se valem da Administração para o proveito próprio, em detrimento do interesse público, diante da devolução dos referidos valores, o que fora, inclusive, solucionado na seara administrativa.
X- Embargos infringentes interpostos pelo Ministério Público Estadual conhecidos e desprovidos.
Tão logo tomou conhecimento da confirmação de parte de sua condenação no âmbito do segundo grau, em 14 de maio de 2014, a deputada Janete de Sá chegou a comemorar o fato de o Tribunal de Justiça não ter ampliado a sentença. Segundo ela disse na ocasião, a única condenação que persistiu foi a de devolução ao erário do “suposto dano” em quantia de aproximadamente R$ 600, que, segundo a deputada, já havia sido devolvida quando da instauração do processo em 2007.