O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e Contribuinte e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Assembleia Legislativa, deputado Euclério Sampaio, encaminhou ofício ao governador Paulo Hartung (PMDB) denunciando supostas irregularidades na recém encerrada licitação para a contratação da empresa que vai gerenciar mais de R$ 1,1 bilhão em obras de saneamento do Programa Águas e Paisagens do Governo do Estado do Espírito Santo.
No dia 6 de abril de 2018, Euclério Sampaio registrou em um Cartório de Registro Civil do Estado uma declaração formal de como se dariam as irregularidades, informando, inclusive, qual consórcio iria vencer a licitação. No dia 27 de abril aconteceu o pregão e tudo que o deputado declarou em Cartório se concretizou.
“Registrei a fraude em escritura pública em um cartório bem antes de acontecer a pontuação técnica do certame”, diz Euclério Sampaio.
O ofício do parlamentar ao governador Hartung foi encaminhado no dia 27 de abril de 2018 – logo após o pregão –, 12 dias antes de o jornal A Tribuna publicar, na coluna Plenário, que o diretor-presidente da Cesan, Pablo Ferraço Andreão, ex-executivo da Odebrecht, estar saindo da empresa. O mesmo jornal informa que Pablo Andreão será substituído pelo atual secretário de Estado dos Transportes e Obras Públicas, Paulo Ruy Valim Carnelli.
As supostas irregularidades, de acordo com ofício do deputado recebido por Hartung e registradas em Cartório, envolvem justamente Pablo Andreão e Rui Carnelli, além da subsecretária de Capacitação de Recursos da SEG, Regina Curitiba, ligada a Secretária de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sedurb).
Além do governador, o deputado encaminhou cópia do ofício para a Presidência do Banco Mundial – que vai financiar as obras –; ao superintendente Regional da Polícia Federal no Espírito Santo, delegado Ildo Gasparetto; à secretária de Estado de Governo, Ângela Silvares; ao secretário de Estado de Controle e Transparência, o delegado federal Marcos Pugnal; e ao Ministério Público Federal (Procuradoria Regional da República no Estado).
Euclério chegou de surpresa no Palácio e assistiu pregão
O pregão da licitação aconteceu no mesmo dia 27 de abril, no Palácio da Fonte Grande, Centro de Vitória. Euclério Sampaio chegou de surpresa ao auditório onde ocorria o pregão, que ele acompanhou em sua totalidade, por ser um evento público. O deputado garante que, meses antes da abertura dos envelopes das empresas participantes do pregão, ele já sabia do resultado, que beneficiaria a Concremat.
Vale lembrar que Euclério Sampaio é investigador de Polícia Civil aposentado e possui dezenas de fontes dentro da própria estrutura do Governo do Estado. Depois de assistir ao resultado do pregão, ele retornou para seu gabinete na Assembleia Legislativa, digitou o ofício e encaminhou às autoridades.
De acordo com a ata do pregão, seis grupos se inscreveram para participar da licitação que prevê o gerenciamento de R$ 1,1 bilhão em obras do Programa Águas e Paisagens. São eles: Consórcio EGIS-EAU, formado pela Len Engenharia e Engesolo; Consórcio CCN, formado pela Concremat Engenharia e Tecnologia, Companhia Brasileiro de Projetos e Engenharia (Cobrape) e Estúdios Y Projectos NIP; Consórcio Geandro, formado pela Consultoria Sociedade Simples e Fase Estudos e Projetos; Consórcio Nova Era 1, formado pela Prointec Engenharia, PBLM Consultoria Empresarial, Argost Engenharia e EPT Engenharia; Consórcio TESP, formado pela Typsa Técnica y Projectos, Engecorps, Senha Engenharia e Urbanismo, PCE Projetos; e Consórcio Arcados Logos.
Antes da definição das seis empresas, os denunciados, segundo Euclério Sampaio, estavam tentando emplacar a empresa SGS Engenharia para vencer a licitação. Porém, como houve diversas denúncias em face da SGS, ela foi retirada da relação e substituída pela Concremat, que é, segundo o parlamentar, sócia da empresa que se retirou do certame (SGS Engenharia). A Concremat se inseriu no Consórcio CCN, segundo a ata do pregão:
“Já se sabia que a Concremat ficaria em segundo lugar e um outro consórcio ganharia a licitação, por conta de uma diferença muito pequena. O que a Concremat fez: reduziu de 80 milhões para 24 milhões e saiu vencedora. Este valor é inexequível. Outras empresas baixaram o valor para até 40 milhões, mas, como eu previ há alguns meses atrás, vencedora uma empresa ligada ao que chamo de esquema fraudulento”, disse Euclério Sampaio. “Ou seja, na desistência da empresa que seria vencedora, ganhou a sua sócia”, completou.
Deputado explica como seria a fraude
De acordo com Euclério Sampaio, a “fraude” se daria da seguinte forma: a concorrência é formada por 70% técnica e 30% preço. Esta é dividida em duas etapas: pontuação técnica e depois abertura dos preços.
“Colocaram o consórcio da Concremat em segundo lugar na pontuação técnica, para dar um falso ar de legitimidade na disputa, como se a concorrência fosse acirrada. Nessa etapa o consórcio da Concremat ficou encostado no primeiro lugar. Porém, na abertura dos preços a farsa se revelou: como o grupo já sabia que o preço seria inexequível, com desconto de 60% do preço de referência do Banco Mundial, o consórcio da Concremat pulou para primeiro lugar. Ou seja, o grupo do mal trabalhou meticulosamente a pontuação técnica para ficar em segundo nessa etapa, mas sem risco de derrota, para depois sair vencedora na abertura dos preços”, pontuou o deputado Euclério Sampaio.
“Tudo isso foi previamente registrado em cartório antes do resultado da pontuação técnica e, portanto, da fase de abertura dos preços”, disse o parlamentar. “Se essa licitação não for cancelada, será o maior escândalo da história de uma concorrência pública de um governo no Espírito Santo”, completou Euclério Sampaio.
Segundo Euclério, “um outro consórcio que estaria ligado à fraude tentou fazer uma cobertura do esquema, dando preço inexequível para não deixar o consórcio da Concremat sozinho na pista, o que seria extrema exposição e acusaria o golpe armado. Só que dos seis participantes da chamada lista curta, quatro grupos empresariais deram descontos equivalentes, em torno de 30%, sendo que o consórcio da Concremat e o outro deram acima de 60%, destoando em muito do preço de referência do Banco Mundial”.
Para o deputado, “essa situação evidenciou ainda mais o golpe criminoso do preço inexequível, porque o próprio mercado (quatro do total de seis grupos empresariais participantes) deu valores finais de aproximadamente 45 milhões de reais (30% de desconto do preço fixado pelo Banco Mundial de quase 70 milhões), enquanto somente o consórcio da Concremat e o outro que o cobriu deram preços inexequíveis com 60 % de desconto, ganhando com 24 milhões”.
Por isso, prossegue Euclério Sampaio, “é evidente que há um golpe com preço inexequível, porque destoa em muito do Banco Mundial e dos demais concorrentes”.
Euclério pede ao governo a desclassificação de consórcio vencedor
A ata já é conhecida, mas o governo ainda não publicou o Diário Oficial do Estado resultado do pregão. Entretanto, em função do que concluiu, o deputado Euclério Sampaio solicita a desclassificação do consórcio da empresa Concremat da concorrência do contrato de gerenciamento do Programa Águas e Paisagens, “por apresentar preço manifestamente inexequível, em manobra criminosa que deve ser repudiada pelo Banco Mundial e órgãos de controle”.
Pelo que se observa, Euclério Sampaio não tem bola de cristal, não é o mago da lâmpada, mas bem antes da licitação, sabia o resultado com precisão. Ainda bem que o parlamentar registrou tudo em Cartório.
Presidente da Cesan deixa o cargo
De acordo com a coluna Plenário de A Tribuna desta quarta-feira (09/05), o engenheiro civil Pablo Ferraço Andreão, citado por Euclério Sampaio, vai vai deixar o comando da companhia. A mudança está prevista para a segunda quinzena deste mês, informa o jornal.
Na edição desta quinta-feira (10/05), o jornal confirma a saída de Pablo Andreão, incluindo uma nota do governador Paulo Hartung, que se diz orgulhoso com o fato de Pablo estar indo para uma “grande empresa privada”.
Oficialmente, Andreão teria sido convidado para assumir a diretoria de negócios de uma grande empresa privada de resíduos sólidos com sede em São Paulo, mas o que se sabe de bastidores é que ele teria sido “convidado” a deixar o cargo por conta de outros motivos.
Pablo Ferraço Andreão foi diretor da Odebrecht Ambiental. A Odebrecht é uma das empreiteiras alvo de diversas operações da Lava Jato.
Saiba Mais
A empresa Concremat é a mesma que planejou e executou as obras da Ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, e que desabou no dia 21 de abril de 2016. O trecho de cerca de 20 metros da ciclovia, na Avenida Niemeyer, em São Conrado, na Zona Sul do Rio, desabou pouco mais de três meses após sua inauguração, matando duas pessoas.
E mais: a Concremat também é a mesma que foi contratada pelo governo do Estado do Espírito Santo em 2010 para supervisionar, controlar e fiscalizar o andamento das obras do Cais das Artes, na Praça do Papa, em Vitória.
Pelo contrato firmado em 2010 com o governo capixaba, a Concremat recebeu R$ 4.352.821,19 para cuidar do Cais das Artes, cujas obras estão paralisadas. DEPUTADO LEMBRA QUE MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL JÁ DENUNCIOU A CONCREMAT POR SUPERFATURAMENTO NO ESPÍRITO SANTO: Empresa contratada para fiscalizar obras do Cais das Artes é a mesma que executou Ciclovia que desabou no Rio