O Departamento de Criminalística da Polícia Civil já encaminhou ao juiz Marcos Pereira Sanches, da 1ª Tribunal do Júri de Vitória, o laudo completo de uma nova perícia realizada em um dos apartamentos localizados no 12º andar de um flat, na avenida Dante Michelini, em Camburi, onde ocorreu uma tragédia há 22 anos: a morte da estudante de Direito Gabriela Regattieri Chermont.
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo sustenta a tese de que Gabriela teria sido jogada do apartamento por seu então namorado, o empresário Luiz Cláudio Ferreira Sardenberg. A defesa, agora mais do que nunca, garante que não houve homicídio e diz que Gabriela teria cometido suicídio, ao se jogar do 12º andar do flat. A tragédia ocorreu no dia 21 de outubro de 1996, quando a moça Gabriela tinha 19 anos de idade.
Em 13 de outubro de 2016, o Ministério Público juntou uma petição no processo de número 1137861-14.1998.8.08.0024, que trata do caso Gabriela Regattieri Chermont. A petição foi um requerimento do MPES para que fosse designado novo médico legista para realização do necessário novo laudo pericial, uma vez que o Médico Legista subscritor do laudo afirma não se sentir confortável para prestar esclarecimentos durante a sessão de julgamento a ser realizado, pois tomou conhecimento do parentesco após a elaboração do aludido laudo pericial.
No dia 17 do mesmo mês, o juiz Marcos Sanches determinou nova perícia.
De posse do novo laudo, o juiz marcou para o dia 4 de abril de 2018, a partir das 9 horas, o julgamento do empresário Luiz Cláudio. O novo laudo, solicitado pelo magistrado, atendeu pedido do MPES. O júri Popular vai acontecer no Salão do Júri Popular, no Fórum Criminal de Vitória, na Cidade Alta. Inicialmente, o julgamento estava marcado para 24 de novembro de 2016, mas teve de ser adiado.
O Ministério Público afirma na denúncia que Luiz Cláudio teria agredido Gabriela dentro de seu apartamento e depois a jogado do 12º andar. Para a defesa de Luiz Cláudio, no entanto, Gabriela teria cometido suicídio, por discordar do fim do namoro com o empresário.
O advogado Raphael Americano Câmara, um dos defensores de Luiz Cláudio, entende que o novo laudo, elaborado pelo Departamento de Criminalística da Superintendência de Polícia Técnico-Científica, corrobora com a tese de suicídio.
Quase um ano depois – no dia 9 de outubro de2017 –, o chefe do Departamento de Criminalística da Polícia Civil, Renato Koscky Júnior, encaminhou ao juiz Marcos Pereira Sanches o laudo complementar nº 17842/2017. O laudo, que contém as respostas às perguntas formuladas pelo Ministério Público e pela defesa, é assinado pela perita criminal Fabianne de Paiva Cardoso e pelo perito criminal Francisco Mutz Ratzke.
Algumas das respostas dadas pelos peritos criminais no novo laudo permitem aos advogados de Luiz Cláudio a acreditarem na absolvição do denunciado. O advogado Raphael Câmara destaca algumas. Cita como exemplo o item 12, em que é feita a seguinte indagação: “A denúncia informa que o denunciado LUIZ CLÁUDIO agrediu a vítima violentamente. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão? A resposta dos peritos é “não”.
Da mesma forma, salienta o advogado, o item 13 pergunta: “A denúncia afirma que, após agredir GABRIELA, LUIZ CLÁUDIO projetou a vítima ao espaço” Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão? “Mais uma vez a resposta é não”.
Raphael Câmara salienta também o item 14: “A denúncia afirma que houve luta no apartamento. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão?”. Os peritos criminais responderam “não”.
O caso é mesmo complexo. O primeiro Laudo de Exame de Morte Violenta do Departamento de Criminalística da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, assinado por dois peritos, “concluiu pela possibilidade de ação voluntária da vítima (Gabriela), porém, ficando condicionadas às demais provas dos autos e dos suplentes dos médicos legistas.”
Já o Laudo de Exumação do corpo de Gabriela periciado no Departamento Médico Legal do Espírito Santo, assinado por dois médicos legistas, dentre outras conclusões, “afirma a ausência de fraturas dos pilões tibiais, talus e calcâneos, excluindo por completo a possibilidade de queda em pé da mesma.”
Por sua vez, o Laudo de Exame de Morte Violenta do Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal conclui que face “as lesões encontradas no exame necroscópio como o ponto de impacto no solo não são característicos do suicídio por projeção voluntária da vítima.”
Já o parecer técnico, realizado por um Escritório de Criminalística particular e juntado aos autos pela defesa do acusado, converge para o suicídio da vítima. Com base nessas provas técnicas, o advogado Raphael Câmara afirma que eventuais dúvidas foram sanadas pelos novos laudos, todos apresentados por médicos legistas e peritos criminais da própria Polícia Civil, indicando que Gabriela suicidou-se. E conclui o advogado Raphael Câmara:
“É preciso compreender essa tragédia. O suicídio deixa marcas profundas e indeléveis na família. Mas também é preciso humildade e conformação frente à verdade, e as provas confirmam que Gabriela lamentavelmente suicidou-se”.
Abaixo, a íntegra do ofício encaminhado à Justiça pelo Departamento de Criminalística:
Laudo: 17842/2017
LAUDO COMPLEMENTAR
1. PREÂMBULO
Ao segundo dia do mês de outubro do ano de dois mil e dezessete (02.10.2017), nesta capital do Estado do Espírito Santo e no Departamento de Criminalística da Superintendência de Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil, em conformidade com a legislação e os dispositivos regulamentares vigentes, pelo chefe do Departamento de Criminalística, foram designados os Peritos Criminais Fabianne de Paiva Cardoso e Francisco Mutz Ratzke para responderem os quesitos referentes ao Parecer Técnico N° 12382/2016, a fim de ser atendida a uma requisição da 1ª Vara Criminal de Vitória, referente ao Processo Judicial N°01137861-14.1998.8.08.0024.
2. RESPOSTAS AOS QUESITOS
1. Queiram a senhora perita e o senhor perito signatários do Laudo Pericial N° 12328-2016 informar se a simulação proposta pelo Delegado de Polícia e retratada abaixo é compatível com os demais elementos de prova e quais os possíveis equívocos dessa simulação:
Não é compatível, pois não havia elementos de prova [que] indicassem a presença de uma terceira pessoa auxiliando o acusado para justificar o emprego de dupla impulsão no arremesso de Gabriela pela janela.
2. Queiram a senhora perita e o senhor perito signatários do LAUDO PERICIAL N° 12328-2016 informar se existe qualquer indicação nos laudos periciais e demais documentos analisados sobre a existência de terceira pessoa no apartamento, capaz de imprimir “duplo impulso” sobre a vítima.
Não.
3. Queiram a senhora perita e o senhor perito signatários do LAUDO PERICIAL N° 12328-2016 informar se a hipótese de arremesso indicada no QUESITO 1 (cf. fl. 504), considerando o peitoril e sua extensão – 80 centímetros – poderia deixar marcas de arrastamento ou outras lesões no corpo de GABRIELA quando do eventual lançamento.
Por se tratar de uma superfície pastilhada, ou seja, lisa, lesões escoriativas poderiam ser produzidas com o arrastamento do corpo na quina do peitoril ou da janela. Entretanto, cabe ressaltar que Gabriela trajava um casaco de lã de malha e uma calça comprida de tecido semelhante a lycra, o que dificultaria a ocorrência das referidas lesões. Em relação a lesões contundentes, haveria a possibilidade sim.
4. Quanto ao gráfico “SERIE DE ENGENHARIA CIVIL N° 3” que está abaixo, informem a senhora perito e o senhor perito signatários do LAUDO PERICIAL N° 12.328-2016 por que tal gráfico “não fora corretamente interpretado pelo signatário da peça” indicando, ainda, os equívocos de interpretação (fls. 15-16).
O signatário da peça, ao dizer que “se a vítima tivesse imprimido um impulso cairia mais distante do local onde caiu (queda característica de acidente de trabalho)” desconsiderou que o gráfico ilustra um trabalhador caindo com velocidade inicial de 2 m/s e 3 m/s, ou seja, com impulso inicial. Além disso, exclui a possibilidade de suicídio, como se essa modalidade não permitisse um impulso inicial.
5. Queiram a senhora perita e o senhor perito signatários do LAUDO PERICIAL N° 12328-2016 informar por que o boneco utilizado na simulação “não é adequado para esse tipo de simulação” (fl. 15).
O boneco utilizado possuía estrutura rígida, uma vez que foi manufaturado com arame e ferro. Pelas fotos N° 4 e 5 do Laudo de Exame de Reprodução Simulada, o boneco foi lançado com os braços e as pernas formando um ângulo de 90° em relação ao tronco e, pela ausência de flexibilidade deste, o boneco permaneceria neste formato durante toda a queda, induzindo um movimento de rotação deste, alterando seu posicionamento. Além disso, os bonecos utilizados pesavam 46 e 47 Kg, enquanto Gabriela pesava 54 Kg.
6. Sobre o LAUDO DE EXAME DE LOCAL DE MORTE VIOLENTA N° 129193, queiram a senhora perita e o senhor perito signatários do LAUDO PERICIAL N° 12328-2016 informar se “um saco sintético (fronha de travesseiro) preenchido com aproximadamente vinte quilogramas de areia” é [o] adequado para simular o corpo humano.
Não, devido a diferença da aerodinâmica entre o saco sintético e o corpo humano. Além disso, se for considerado um arremesso, a massa do objeto influenciaria na velocidade inicial.
7. Na folha 14 do qualificado LAUDO PERICIAL N° 12.328-2016, os signatários tratam de única hipótese possível para o homicídio, estando a vítima ocupando a extensão do peitoril com as coxas sobre o mesmo e as pernas penduradas, sofrendo empurrão diagonalmente e à esquerda do peitoril.
Considerando a largura do peitoril e sua extensão – 80 centímetros –, a inexistência de lesões de defesa (fl. 12), de luta no interior do imóvel (fl. 11) e o alinhamento das vestes de GABRIELA (fl. 11), a hipótese levantada no respeitável LAUDO considera GABRIELA voluntariamente sentada naquela posição?
Sim.
8. A colocação violenta de GABRIELA naquela posição narrada no quesito 7 poderia deixar marcas dignas de nota, tais como lesões de defesa, sinais de luta, desalinhamento de vestes além de lesões decorrentes do contato forçoso com o peitoril e a janela?
Sim.
9. As dimensões da janela constantes do LAUDO PERICIAL N° 12.328-2016 indicam 1,2 m de largura e 2,2 m de altura (fl. 13). Não seria 1,2 m de ALTURA e 2,2 m de LARGURA, conforme exposto logo no parágrafo seguinte e na folha 257 do laudo pericial n° 1105/1996?
Sim.
10. Na folha 07 do laudo pericial n° 1105/1996, os senhores peritos indicam dois pontos extremos de lançamento: “(…) região mediana da janela da copa/cozinha e à esquerda desta cerca de 3,65 metros, podendo a projeção ter se dado também em qualquer dos pontos deste percurso”.
Considerando a distância entre a janela da copa/cozinha e a janela do quarto, e conforme o croqui de folha 525 que segue, o laudo pericial N° 1105/1996 também considerou a projeção da janela do quarto?
O Laudo Pericial N° 1105/1996 considerou que a projeção poderia ter se dado em um ponto do peitoril situado em frente à janela do quarto, e não através da referida janela.
11. Quanto ao LAUDO DE LOCAL DE MORTE VIOLENTA N°129193, os peritos informaram que as lesões encontradas no corpo não são características de suicídio. Queiram a senhora perita e o senhor perito signatários do LAUDO PERICIAL N°12.328-2016 se essa conclusão é possível e o porquê?
Não é possível. Conforme descrito no Parecer Técnico N°12328/2016, não foram encontradas informações na literatura que relacionem lesões decorrentes de queda de grande altura com o tipo de modalidade de morte por precipitação (acidente, suicídio ou homicídio) causadora desta. Acrescenta-se que os dados existentes na literatura especializada indicam que a altura da queda e a massa do corpo aparentam ser os fatores mais importantes a influenciarem nos padrões das lesões, uma vez que estão diretamente relacionados com a velocidade do impacto (altura) e com a energia cinética (massa). Estudos recentes relacionam a altura de queda, idade e massa da vítima com algumas lesões típicas, as quais incluem aquelas encontradas no corpo de Gabriela, conforme item 4.4 do Laudo de exame necroscópico emitido pelo DML de Vitória-ES após exumação.
12. A denúncia informa que o denunciado LUIZ CLÁDIO “agrediu a vítima violentamente”. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão?
Não.
13. A denúncia afirma que, após agredir GABRIELA, LUIZ CLÁUDIO “projetou a vítima ao espaço”. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão?
Não.
14. A denúncia afirma “que houve luta no apartamento”. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão?
Não.
15. A denúncia afirma que LUIZ CLÁUDIO “impingiu à vítima, um padecimento desnecessário, espancando-a antes de atirá-la do prédio (…)”. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível chegar a essa conclusão?
Não.
16. Da análise dos laudos periciais e demais documentos, é possível afirmar que LUIZ CLÁUDIO promoveu “o uso de meios que dificultaram a defesa da vítima”, conforme consta na denúncia?
Não.
3. ENCERRAMENTO
Nada mais havendo a registrar, encerra-se o presente parecer técnico, composto de 06 (seis) folhas impressas no anverso, que depois de redigido e revisado, foi lido e achado conforme, segue devidamente assinado, aos seis dias do mês de outubro do ano dois mil e dezessete (06.10.2017), no Departamento de Criminalística em Vitória-ES.
Assinado por Fabianne de Paiva Cardoso e Francisco Mutz Ratzke (Peritos Criminais)