Paty (nome fictício), 22 anos, foi presa por tráfico de drogas no dia 8 de maio de 2009 em Cachoeiro de Itapemirim, Sul do Espírito Santo. Condenada a três anos e nove meses, ela se encontra no Centro Prisional Feminino de Cachoeiro. Divide a cela com outras três mulheres.
Como toda garota de sua idade, Paty é frenética. Antes de ser presa, já tinha dois filhos. Loira, bonita e jovem, logo que chegou à prisão chamou a atenção das outras colegas de cadeias. E também das servidoras da unidade.
Paty tem um hábito considerado ‘‘muito feio e grave’’ pela direção do presídio: gosta de beijar. E, por causa dos beijos que dá em suas colegas de cela e da prisão, já está respondendo a mais de 50 Procedimentos Administrativos (PADs), instrumento de punição adotado pelo governo do Estado do Espírito Santo, em julho de 2003.
Na teoria, o instrumento de leis tem o objetivo de ditar regras e moralizar as prisões, mas, na prática, acaba deixando os condenados – mesmo uma jovem como Paty – por muito mais tempo na prisão.
Os relatórios dos PADs contra Paty, geralmente assinados pela diretora adjunta da cadeia feminina de Cachoeiro, Eliane Izabel Largura Cipriano, e encaminhados à diretora geral, Leida Maria Ayres, chegam a ser simples em sua conclusão. Um deles finaliza com a seguinte argumentação:
‘‘Comunico que durante o convívio da galeria B, as internas A.T. e A. (abreviatura para Paty) se beijaram’’. As duas presidiárias foram ouvidas pelo PAD e garantiram que o beijo foi no rosto e de afeto. O convívio (momentos de conversas entre as detentas fora das celas) é realizado duas vezes ao dia: no almoço e no jantar. Cada convívio dura duas horas.
Em outro PAD, a diretora adjunto Eliane Cipriano ‘‘comunica’’ que Paty foi ‘‘flagrada’’ beijando outra presidiária, V.N.
‘‘Eu não beijei na boca da A. (Paty); beijei no rosto dela’’, se defende V.N.
A jovem Paty também é punida por sua ironia. Quando a direção do presídio resolveu fazer uma revista na cela dela, imaginando encontrar drogas escondidas, Paty ‘‘provocou’’:
‘‘E aí, tia? Vocês acharam um quilo de maconha?’’. Mais uma punição de 10 dias para a jovem Paty.
O advogado de Paty, Clóvis Lisboa, entrou na Justiça – Vara Criminal de Cachoeiro – pedindo que os PADs contra sua cliente fossem desconsiderados. Recebeu um não de resposta. Porém, recorreu e no dia 14 de março a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça vai julgar o habeas corpus:
‘‘Creio que as regras adotadas pelo governo do Estado nos presídios sejam uma medida legal, mas os procedimentos abertos contra minha cliente têm um caráter homofábico (discriminação contra homossexualismo, o que é crime na lei brasileira). Ela está sofrendo perseguição. Parece que vivemos num regime nazista’’, diz Clóvis Lisboa.
Ele disse que o habeas corpus impetrado na Justiça tem o objetivo de impedir que os PADs abertos contra Paty sejam homologados. De acordo com o site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Paty deu entrada no sistema prisional capixaba no dia 8 de maio e 2009.
Condenada a três anos e nove meses por tráfico, ela já deveria ter ido para o regime semiaberto desde o dia 19 de julho e 2010. Pela estimativa do Tribunal de Justiça, em 7 de abril de 2011 Paty deverá ser transferida para o regimeaberto e sua pena tem término no dia 7 de maio de 2012. Ela se encontra numa cadeia de regime fechado.
Pelo regime semiaberto, o condenado pode sair da prisão durante o dia para trabalhar e voltar à noite. No regime aberto, o condenado pode trabalhar normalmente e voltar para casa à noite. Ou seja, termina o restante da pena em casa.
Pela legislação, Paty já teria direito ao regime aberto. Entretanto, os beijos que ela distribui nas colegas de cela ou galeria estão travando essa liberdade. Por cada PAD respondido, Paty é condenada a até 15 dias. O que significa essa condenação?
‘‘Significa que as punições, mesmo que leves, dos PADs são descontados na progressão de pena a que Paty tem direito, impedindo que ela seja transferida de regime. A legislação, porém, é bem clara: o término da pena não pode passar da estimulada pela Justiça. Mas, se conseguirmos fazer com que a Justiça desconsidere os PADs contra minha cliente, ela poderá deixar a cadeia e voltar ao convívio de sua família antes de 2012’’, responde Clóvis Lisboa.
A soma de punições contra Paty pode passar de 100 dias, segundo Lisboa. Em alguns PADs, ela é punida com 15 e 10 dias. Há também punições de advertência, que, segundo o advogado, se acumulam na hora de contar a progressão de pena.
O advogado tem esperança de reverter a punição no Tribunal de Justiça por entender que sua cliente esteja sendo vítima do crime de homofobia. Segundo Clóvis Lisboa, pode ser que alguma servidora ou servidor do Centro Prisional Feminino de Cachoeiro tenha ciúme de Paty e, ao vê-la tratando com afeto e carinho outra detenta, acaba punido a jovem.
Clóvis Lisboa reconhece que o governo do Estado fez, nos últimos oito anos, investimentos importantes no sistema prisional.
‘‘O governo Paulo Hartung melhorou, substancialmente, as estruturas físicas dos presídios, mas falta o governo fazer investimento na área humana’’, resume Clóvis Lisboa.
Ele lembra que em ambientes onde o afeto é importante para o bem estar das pessoas o beijo representa exemplo de afetividade.
‘‘A direção do presídio de Cachoeiro abriu um PAD contra minha cliente (Paty) porque, durante um bate boca com outra colega decela, ela mordeu a menina. No mesmo dia, foi aberto outro PAD porque a Paty beijou uma colega de cela. O que a direção da cadeia quer? Mordida e beijos não podem. O Estado do Espírito Santo, ao permitir que seus servidores tratem a população carcerária dessa maneira, vai acabar gerando pessoas revoltadas. Isso é perigoso’’, pondera o advogado.
Clóvis Lisboa mostra documento que revela que Paty foi punida, segundo ele, porque ficou eufórica ao sair de um curso de maquiagem. Ao deixar a sala do curso, dentro do próprio presídio, Paty teria se dirigido a uma presidiária para mostrar como ficou ‘‘bonita’’ com a maquiagem.
Ganhou de reposta da colega de cela um beijo. Resumo, de acordo com Lisboa, Paty responde a outro PAD porque, segundo a direção do presídio, teria beijado na boca da colega.
‘‘O Estado criou portaria que trata essas meninas (presidiários) com preconceito e discriminação. Os servidores da cadeia estão praticando o crime de homofobia, pois, acreditando que as meninas sejam homossexuais, as estão punindo com rigor e perseguição’’, disse Clóvis Libsoa.
O secretário de Estado da Justiça (Sejus), Ângelo Roncalli, foi procurado pelo Blog do Elimar para falar sobre as medidas adotadas pela direção do Centro Prisional Feminino de Cachoeiro. Entretanto, pouco antes das 19 horas desta quinta-feira (24/02) a assessoria de imprensa do secretário, cobrada novamente pelo Blog, disse que Roncalli preferiu não comentar o assunto.
O Blog conversou com a diretora do presídio, Leida Ayres, sobre os PADs abertos contra Paty. Ela deu sua posição, mas pediu para que nada fosse publicado sem autorização da assessoria de imprensa da Sejus. A assessoria de imprensa da Sejus não autorizou a publicação do relato feito ao Blog pela diretora do presídio.
Fontes da própria Sejus informaram, sob anonimato, que em recente reunião com diretores de presídios o secretário Ângelo Roncalli teria ponderado com a diretora da cadeia feminina de Cachoeiro que ela estaria sendo rigorosa demais com as presidiárias. Rocalli lembrou a Leida Ayres que, embora conte com 300 presidiárias, ela já teria aberto mais de 200 PADs num período de um ano:
‘‘Nossa função (da Sejus) é a de ressocializar; não de punir’’, teria dito o secretário para a diretora Leida Ayres.
Na mesma reunião, Roncalli lembrou para Leida Ayres que em um presídio masculino da Grande Vitória foram abertos, em seis meses, somente dois PADs para uma população carcerária de quase 700 presos.