A juíza Federal Substituta da 3ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, Thais Helena Della Giustina, concedeu liminar a um advogado do Rio Grande do Sul para suspender os efeitos do artigo 135 da Portaria nº 28 (COLOG), do Exército Brasileiro, que autoriza “o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento.” A liminar foi concedida na última segunda-feira (04/12) e tem validade em todo o território nacional.
Em síntese, o referido artigo atendia a uma demanda dos atiradores no sentido de autorizar o transporte de uma arma de porte, municiada, entre o seu local de guarda e o local de treinamento ou competição e vice-e-versa. Observa-se que se trata de uma arma do próprio acervo de tiro, qualquer que seja ela. Tal autorização é limitada aos atiradores desportivos, em virtude de prescrições contidas no Decreto 5.123, que impede esse transporte municiado pelos caçadores e colecionadores.
A juíza Federal Substituta Thais Helena Della Giustina diz na decisão que se trata de ação popular (número 5054633-68.2017.4.04.7100) ajuizada pelo advogado gaúcho Rafael Severino Gama contra a União, objetivando seja deferida Medida Liminar/Tutela de Urgência para suspender os efeitos do artigo 135-A da Portaria 28 – COLOG, 2017, “ante a sua flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, ordenando que a ré (União) dê publicidade desta medida, em especial a todos os clubes de tiros do território nacional”.
Na ação, o advogado informa que, em 14 de março de 2017, o Exército Brasileiro editou a Portaria nº. 28 – COLOG (Comando Logístico do Exército), a qual alterou a Portaria nº. 51- COLOG, de 08/09/2015, “exorbitando do poder regulamentar conferido pela Lei 10.826/2003, ao liberar, para os atiradores desportivos, o transporte de arma de fogo municiada, do local de guarda ao local competição e/ou treinamento”.
O gaúcho Rafael Severino Gama afirmou que, até este ano, vigorava o entendimento de que as armas deveriam ser transportadas descarregadas e desmuniciadas, conforme estabelecido na Portaria nº. 4/2001 – COLOG. Sustentou que o disposto na Portaria nº. 28 (COLOG) “cria enorme insegurança, uma vez que possibilita o porte de armas municiadas por civis, e cria zona gris de enquadramento do porte ilegal, já que múltiplas são as rotas possíveis a serem percorridas entre a residência e o local de tiro”.
Para o advogado, “o pano de fundo da criação da portaria atacada é um movimento concatenado formado por organizações civis em busca de uma forma abreviada para o registro de posse de arma de fogo para o cidadão comum, e por clubes de tiros, que, com o porte municiado, viram seus números de inscritos crescerem”.
Rafael Severino Gama invocou o disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei nº. 10.826/2003, e os arts. 30 e 31 do Decreto nº. 5.123/2004, “asseverando que em momento algum ter sido deferido o porte de arma municiada para os praticantes do tiro desportivo”. Alegou que a mens legis foi de facultar ao colecionadores, atiradores e caçadores o porte não municiado de arma de fogo, o que até então era respeitado pelas portarias do Comando Logístico do Exército. Sustentou que o ato atacado seria lesivo ao patrimônio público, por ofender o princípio da moralidade.
Intimada, a União se manifestou, arguindo duas preliminares que foram indeferidas pela juíza Thais Helena Della Giustina. No mérito, a União alegou que, segundo os artigos 6, 9 e 24 do Estatuto do Desarmamento, é assegurado ao colecionador, atirador e caçador transitar com arma de fogo, amparado por um porte de trânsito, bem como é de competência do Exército realizar o registro das armas dessas categorias e conceder-lhes o porte de trânsito.
Afirmou, ainda, que o artigo 6º, inciso IX, inclui, dentre as exceções à proibição ao porte de arma de fogo, os atiradores desportivos. Asseverou que o legislador primário não estabeleceu qualquer limite que vinculasse o Poder Executivo na regulamentação da lei, tendo consignado apenas que a competência para o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores é do Comando do Exército.
A União salientou não haver, na portaria impugnada, qualquer afronta às disposições do Estatuto do Desarmamento, assim como do Decreto nº. 5.123/2004, que o regulamentou. Defendeu que a intenção do legislador foi permitir o transporte de arma municiada pelo atirador, uma vez que não há, no Decreto nº. 5.123/2004, vedação expressa a tanto, como no caso dos caçadores e colecionadores.
Aduziu que o disposto no art. 31, §2º, do Decreto n.º 5.123/2004 deve ser interpretado de forma teleológica, de modo a ser aplicado no âmbito das grandes competições internacionais que o Brasil sediou e eventualmente sediará. Ressaltou, por fim, que o ato normativo atacado, ao contrário do que quer fazer crer o autor da ação, observou o princípio da impessoalidade, tendo como objetivo primordial o interesse público consubstanciado na necessidade de o atirador desportivo garantir a segurança das armas transportadas, evitando que caiam nas mãos de criminosos.
O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul opinou pelo deferimento do pedido liminar, sem prejuízo de novo exame a ser realizado após a instrução do processo. No julgamento do mérito, a juíza Federal Substituta Thais Helena Della Giustina afirma que, “diante da inexistência de previsão normativa de que os atiradores possam transportar suas armas municiadas, tem-se que o Comando do Exército acabou por afrontar o princípio da legalidade ao editar o art. 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG”.
Segundo a magistrada, “há que se considerar que o Estatuto do Desarmamento proibiu, de forma geral, o porte de arma de fogo, excepcionando o caso dos atiradores desportivos, de acordo com o regulamento”. Nesse passo, prossegue Thais Helena Della Giustina, uma vez que, do decreto regulamentar, a que se refere expressamente a lei, não é possível extrair autorização para o transporte de arma municiada pelo referido grupo, já que tal norma nada dispôs nesse sentido, consoante artigos alhures colacionado, há de prevalecer a regra geral, que veda o porte de arma.
“Vale dizer, a despeito da competência conferida ao Exército, pela lei e pelo decreto regulamentar, para a concessão do porte de trânsito de arma de fogo, não há fundamento a admitir a referida inovação no ordenamento jurídico. Ressalte-se que a existência de diferenças entre o porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido pela Polícia Federal e o porte de trânsito previsto no art. 135 -A da Portaria nº. 28- COLOG, as quais restaram elencadas pela Administração na manifestação que acompanhou a contestação (INF2, Evento 10), não altera, notadamente, tal conclusão”.
No entender da juíza Thais Helena Della Giustina, “o perigo de dano está configurado, porquanto presumível o risco à segurança pública decorrente da permissão de transporte de arma de fogo municiada pelos atiradores desportivos”. Ao conceder a liminar, a magistrada determina a União a dar publicidade da medida aos clubes de tiros do território nacional.