No dia 16 de dezembro de 2010, a Presidência da República publicou no Diário Oficial da União a Portaria Interministerial número 2, que estabelece as Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança Pública. A portaria, criada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, visa oferecer aos profissionais que atuam na área de segurança pública condições dignas de trabalho e ao mesmo tempo mudar a imagem histórica e arraigada que a população tem desses profissionais.
São 67 ações que estão divididas em 14 eixos temáticos. São eles: Direitos Constitucionais e Participação Cidadã; Valorização da Vida; Direito à Diversidade; Saúde; Reabilitação e Reintegração; Dignidade e Segurança no Trabalho; Seguros e Auxílios; Assistência Jurídica; Habitação; Cultura e Lazer; Educação; Produção de Conhecimentos; Estruturas e Educação em Direitos Humanos; e Valorização Profissional.
Detalhe: o artigo 3º da Portaria passou a dar liberdade aos profissionais da segurança pública de terem liberdade para expor seus pensamentos. Diz o seguinte o artigo: “Assegurar o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão dos profissionais de segurança pública, especialmente por meio da Internet, blogs, sites e fóruns de discussão, à luz da Constituição Federal de 1988”.
Quando fala em “profissionais de segurança pública”, a Portaria, que está em vigor, pois não foi questionada no Supremo Tribunal Federal por nenhum ente da federação, se refere a todos os policiais brasileiros, sejam eles militares, civis, federais, rodoviários federais, legislativos, ferroviários federais, guardas municipais, agentes de trânsito municipais, agentes penitenciários.
Embora vá fazer aniversário de sete anos no final de dezembro de 2017, a Portaria Interministerial número 2/2007 é de total desconhecimento do atual corregedor-geral da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo e do comandante-geral, respectivamente, os coronéis Reinaldo Brezinski Nunes e Nylton Rodrigues Ribeiro Filho.
O primeiro, por presidir um Inquérito Policial Militar (IPM) aberto, desnecessariamente, em desfavor do atual presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo (Assomes/Clube dos Oficiais), tenente-coronel Rogério Fernandes Lima.
Pior do que a instauração do IPM foi a sua solução, assinada pelo corregedor Reinaldo Brezinski e homologada pelo comandante-geral, coronel Nylton Rodrigues, em Boletim Reservado da PM publicado em 8 de novembro deste ano.
Numa conclusão sem justificativa objetiva, o comandante Nylton indiciou o tenente-coronel Rogério por achar que o presidente do Clube dos Oficiais, ao sair em defesa de todos os seus associados – inclusive os coronéis Nylton e Reinaldo Brezinski – da Ativa e da Reserva, teria cometido “Crime Militar e de Transgressão Disciplinar”. Uma solução de IPM concluída de forma genérica, sem descrição da conduta do investigado. No entanto, uma fonte que teve acesso a todo conteúdo do IPM, garante que há procedência no indiciamento. O Blog do Elimar Côrtes teve acesso somente à Solução, publicada no Boletim Reservado da PMES.
De acordo com os coronéis Nylton e Brezinski, o tenente-coronel Rogério fez críticas ao “Comando Geral da PMES e ao Governo do Estado em entrevistas e/ou matérias veiculadas em jornais de grande circulação no Espírito Santo”.
O presidente do Clube dos Oficiais simplesmente tece comentários – quando procurado pela imprensa – a respeito da crise instalada na segurança pública capixaba a partir de fevereiro deste ano, quando praças – em sua maioria – se aquartelaram, com apoio dos familiares e amigos dos policiais militares, que se colocaram à frente dos quartéis e demais unidades da PMES de todo o Estado, impossibilitando a saída de viaturas e da tropa para o policiamento de rua.
O encarregado do IPM, coronel Brezinski, diz que “a leitura dos autos aponta que após o movimento grevista de fevereiro do corrente ano”, o tenente coronel Rogério concedeu entrevistas e/ou publicou artigos em jornais de grande porte no Espírito Santo, cujos assuntos se referiam:
A) Proposta para que policiais militares de folga fossem empregados em atividades de policiamento ostensivo remuneradas pelos municípios;
B) Defesa da anistia aos policiais envolvidos nas manifestações;
C) Expectativa de reposição salarial pelos policiais militares
D) Críticas ao Governo Estadual e Comando Geral em matéria alusiva ao “Dia do Soldado”
Diz ainda o coronel-corregedor que, em suas diligências, juntou documentos, cópias de matérias publicadas em jornais capixabas, atas notariais referentes às publicações nas redes sociais Facebook e Instagram, por meio dos perfis do oficial acusado (tenente-coronel Rogério), ouviu o investigado e testemunhas, trouxe aos autos uma mídia contendo um vídeo gravado por representantes das entidades de classe da PM e CBMES durante o movimento de fevereiro.
No IPM, o tenente-coronel Rogério alegou que não teve intenção de afrontar ou desmerecer o Comandante Geral da PMES. No entanto, sublinha o corregedor Brezinski, “verificou-se que após ser ouvido na presente apuração, o oficial (Rogério) utilizou de canais de comunicação bastante conhecidos em nosso Estado, sobretudo no meio policial, para criticar o fato de estar sendo investigado por um IPM, tecendo assim novos comentários, o que demonstrou grande contradição no posicionamento do oficial”.
Ao concordar (homologar) a conclusão do IPM, o comandante-geral, coronel Nylton Rodrigues, comete uma falha, seja por desconhecimento – o que é perdoável – ou por conveniência política – o que é condenável. Ele enviou cópia do IPM para o promotor de Justiça Marcelo Zenkner, titular da 26ª Promotoria Cível de Vitória, para que seja analisada a possibilidade de uma denúncia contra o tenente-coronel Rogério por Improbidade Administrativa.
Ocorre que os autos, que também foram encaminhados legalmente para a Vara da Auditoria da Justiça Militar Estadual, seguirão de imediato para a Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar. O IPM será entregue à promotora de Justiça Karla Dias Sandoval Mattos Silva, que tem atribuição extrajudicial na Promotoria. Caberá à doutora Karla Sandoval promover ou não a denúncia contra o tenente-coronel Rogério.
Ao final de todos procedimentos, a promotora de Justiça Karla Sandoval encaminha cópia de seu trabalho à 21ª Promotoria de Justiça Criminal, que tem atribuição no Controle Externo (modalidade concentrada) da Atividade-Fim Policial, com abrangência em Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra.
O atual titular da 21ª Promotoria de Justiça Criminal é o promotor de Justiça Paulo Panaro Figueira Filho. É ele o responsável por promover ou não denúncia contra policiais – inclusive militares – em Ação de Improbidade Administrativa quando o suposto crime foi cometido no exercício da atividade policial.
E mais: na solução, o corregedor Reinaldo Brezinski cita quatro assuntos comentados pelo tenente-coronel Rogério que o comandante-geral da PM considerou crimes – a) Proposta para que policiais militares de folga fossem empregados em atividades de policiamento ostensivo remuneradas pelos municípios; b) Defesa da anistia aos policiais envolvidos nas manifestações; c) Expectativa de reposição salarial pelos policiais militares; d) Críticas ao Governo Estadual e Comando Geral em matéria alusiva ao “Dia do Soldado”.
Os coronéis Nylton e Brezinski esqueceram de outro “crime” cometido pelo presidente do Clube dos Oficiais, tenente-coronel Rogério Fernandes Lima: as manifestações que o oficial fez contra a Procuradoria Geral da República que, em julho deste ano, entrou junto ao Superior Tribunal de Justiça com pedido de Incidente de Deslocamento de Competência que visa a federalização da apuração de condutas e eventual responsabilização dos oficiais da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo envolvidos no movimento paredista de fevereiro deste ano.
Só para refrescar a memória dos coronéis Nylton e Brezinski: sobre o pedido de federalização, o tenente-coronel Rogério considerou “lamentável” o pedido feito pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, “porque o PGR não está questionando só a isenção dos Conselhos de Justiça Militar do Estado para fazer esse julgamento, mas também todo o sistema de Justiça capixaba”.
O presidente do Clube dos Oficiais disse mais: “Penso que não é a melhor decisão. É uma pena que o nosso procurador-geral da República, movido não sei por qual intenção, faça um pedido como esse. Na Justiça Militar Estadual, o julgamento de praças e de oficiais é um julgamento conduzido por um juiz togado (ou seja, da Justiça comum). São conselhos permanentes de Justiça Militar, formados por quatro oficiais e por um juiz togado. Agora, se por acaso houver a absolvição por parte do conselho, ainda cabe ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo. E, quando o MPES recorre, o processo sobe para o Tribunal de Justiça, onde os desembargadores podem reformar a decisão. Então, Rodrigo Janot não está desconfiando só da Justiça Militar, mas também do MPES e do TJES. Ele já está colocando que os policiais militares são culpados sem antes ter um conjunto probatório para falar isso”.
O tenente-coronel Rogério falou mais: “A peça elaborado pelo doutor Rodrigo Janot não apresenta qualquer fundamentação. Ele não traz provas, apenas faz pré-julgamentos sem qualquer apresentação de fatos concretos e provas”.
De acordo com o tenente-coronel Rogério, “o pedido apresentado pela PGR (Procuradoria-Geral da República), a meu ver, não preenche os requisitos constitucionais necessários. Não vivemos no Estado de exceção e sim, no Estado de Direito e por isso a Constituição Federal e os seus princípios fundamentais devem ser respeitados por todos. Federalizar o ocorrido (aquartelamento) no Espírito Santo é macular toda a ordem constitucional. E mais: se concordarmos com isso os policiais militares do Espírito Santo terão os seus direitos humanos violados. Amanhã, sob o mesmo jugo de se ‘fazer Justiça’, poderá o cidadão ser vítima do mesmo estratagema, a história é pródiga em nós mostrar esses cenários”.
Claro que, com essas fortes e expressivas palavras, o tenente-coronel Rogério saiu em defesa não só da PMES, mas bem como do sistema de Justiça capixaba. Claro que a fala dele beneficia o comandante-geral, coronel Nylton Rodrigues, e o corregedor Brezinski. A federalização das investigações do aquartelamento, que ainda vai ser analisada pelo STJ, desmoraliza qualquer Comando Geral.
Claro que ninguém na PM deseja a federalização. Se ela acontecer, outros crimes poderão ser descobertos. Quem sabe, com a federalização, os procuradores da República não ressuscitam casos já engavetados, como denúncias de assédio sexual de oficiais contra soldadas e contra próprias oficiais; denúncias de relações sexuais entre oficiais e alunas-oficiais dentro de unidades militares; denúncias de relações sexuais dentro de viatura; e outros delitos gravíssimos.
Nos anos 2000, teve o caso de um tenente-coronel que, mesmo de férias, ficava indevidamente com a viatura de sua unidade. Num dos passeios com o carro público, ele foi flagrado mantendo relação sexual com a namorada dentro da viatura. Foi investigado e “punido” com oito dias detenção.
Antes do cumprimento da prisão, no entanto, houve troca de comandante-geral da PM. A punição foi só para inglês ver. Por meio de um acordo de compadres-oficiais, o comandante que deixou o cargo “puniu”, mas o seu sucessor, no primeiro dia de comando, suspendeu o ato da “punição”, algo que a legislação castrense permite ao Comandante-Geral.
Como se observa, os casos acima foram até investigados, mas jamais punidos. Já os “crimes” de liberdade de expressão e a defesa dos direitos básicos – como reposição salarial – de uma categoria têm de ser severamente punidos pelo comandante e o corregedor-geral da PM, coronéis Nylton Rodrigues e Reinaldo Brezinski, para servir de exemplo para a tropa.
Portanto, assédio e orgia sexuais dentro do ambiente militar no Espírito Santo, podem! Liberdade de expressão e defesa dos direitos dos próprios oficiais donos da caneta, não!
O outro lado
Procurado pelo Blog do Elimar Côrtes, o presidente da Assomes/Clube dos Oficiais, tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, preferiu não se manifestar sobre a decisão do comando-geral da PM de indiciá-lo por “suposta prática de Crime Militar e de Transgressão Disciplinar”.
Apenas disse ter ficado surpreso com a instauração do IPM e sua solução final. Reiterou o que vem dizendo aos jornais e TVs: jamais criticou o atacou o comandante-geral, coronel Nylton Rodrigues, ou o governo do Estado.