Encontra-se sobre a mesa do secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, André Garcia, um dossiê completo, com vídeos (imagens e áudio) e cópias de depoimentos de testemunhas, que aponta para uma ocorrência que quase termina em tragédia envolvendo policiais militares e um investigador de Polícia Civil. Um sargento e dois soldados estão sendo acusados de abuso de poder, humilhação e agressão. O alvo deles foi o investigador Alex Sandro Pereira Loureiro, 32 anos, lotado na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Era início da tarde do dia 17 deste mês de janeiro. Alex, que reside na Serra, saiu de carro de carona com um amigo. Ele ficou no quiosque Quatro Estações, na orla de Jacaraípe, onde se encontrou com outros amigos. Sua esposa iria buscá-lo mais tarde, de carro, quando retornaria da residência de uma amiga, onde ocorria um “chá de panela”. Como ela não bebe, poderia dirigir tranquilamente.
Por volta das 18h30, Alex Sandro, que tomava cerveja com amigos, foi surpreendido. O sargento que comandava a guarnição da viatura 2878, do 6º Batalhão da Polícia Militar (Serra), chegou por trás do investigador e tomou-lhe a arma, uma pistola acautelada junto à Polícia Civil. Em sua versão, Alex Sandro garante que estava em pé quando foi surpreendido.
“Na hora, fiquei até aliviado quando vi que a pessoa que me abordou por trás e retirou a arma de minha cintura era um policial militar”, lembra Alex. “Poderia ter sido um bandido, pois a pessoa chegou por trás sem dizer nada”. Alex Sandro pegou sua Carteira Funcional (de Identificação) de Policial Civil, que estava sobre a mesa, e mostrou ao sargento, informando se tratar de um investigador de Polícia. Por precaução do investigador, sua carteira estava em cima da mesa com o brasão da Polícia Civil virado para baixo:
“Peguei a carteira, me identifiquei como policial e pedi minha arma de volta. Mas, para minha surpresa, neste momento o sargento deu um tapa na minha mão e a carteira voou para o chão. Quando ia me preparar para pegar a carteira no chão, alguém me deu um chute na perna por trás. Posteriormente, testemunhas identificaram essa pessoa como um soldado da guarnição”, relatou Alex Sandro.
Uma amiga de Alex, que estava no quiosque, recolheu a Carteira Funcional do investigador, mas o documento foi retido pelo sargento. O militar continuou se recusando a devolver a arma e a carteira de Alex e lhe deu voz de prisão.
Ao receber voz de prisão, Alex Sandro respondeu que iria para a delegacia numa viatura da Polícia Civil. O veículo da PC foi acionado por meio do Ciodes. Foi o investigador que conduzia a viatura da PC que, ao chegar ao quiosque, recolheu a arma e a Carteira Funcional de Alex Sandro. Todos foram para a Delegacia de Jacaraípe, onde estava de plantão o delegado Peterson Gimenes dos Santos. Ele contava com o apoio de apenas uma escrivã. Estava, portanto, isolado no distrito policial, que deveria ser um dos mais bem estruturados do Estado neste verão devido a importância turística do balneário.
Pelo menos 10 pessoas, que estavam no quiosque se divertindo naquela tarde ensolarada de verão, foram voluntariamente para a delegacia com a finalidade de depor a favor do investigador Alex Sandro, mesmo quem não o conhecia. Por falta de estrutura, o delegado Peterson Gimenes optou em ouvir o depoimento de Alex, dos militares e de quatro das 10 testemunhas.
O delegado Peterson Gimenes decidiu não realizar nenhum flagrante. Preferiu encaminhar cópias dos depoimentos para as Corregedorias de Polícias Civil e Militar. Em seus depoimentos ao delegado, os militares demonstraram contradição, segundo Alex Sandro. Falaram, por exemplo, que, ao chegarem ao quiosque, o investigador Alex estava armado, “embriagado, xingando e descontrolado”:
“São declarações sem nexo. Se eu estivesse descontrolado, eles conseguiriam tomar a arma de mim?”, questiona Alex. “Claro que não. O sargento tomou a arma porque ela estava em minha cintura e ele chegou por trás, sem que eu tivesse visto”, responde Alex.
Alex Sandro Pereira Loureiro questiona o modo como foi abordado pelos policiais militares:
“É perigoso meter a mão na cintura de uma pessoa armada. E se a arma dispara e me atinge? E se a arma dispara e atinge o próprio sargento? E se atingisse pessoas que estavam no quiosque ou na praia? Os militares colocaram em risco a minha vida, a deles e, o que é mais grave, das demais pessoas que estavam próximas de nós. Penso que policial não pode jamais ter melindre de ser abordado por outros policiais, mas uma abordagem tem que ser feita com técnica e respeito ao cidadão. Eles tinham que agir de acordo com os procedimentos normais e em sintonia com a lei. Poderiam ter provocado uma tragédia”, pondera Alex Sandro.
Mais de 20 viaturas, inclusive da Rotam e do Batalhão de Trânsito, cercaram o quiosque como se estivessem atrás de um grande bandido
Naquela tarde/noite de 17 de janeiro, a Polícia Militar agiu na orla de Jacaraípe como se estivesse atrás de um grande bandido. A confusão no quiosque durou quase uma hora, tempo suficiente para chegarem ao local mais de 20 viaturas da PM, transportando oficiais e praças. Até viaturas da Rotam, do Batalhão de Trânsito da PM e do Policiamento Ostensivo do 6° Batalhão foram para o local. Em contrapartida, apena uma viatura da Polícia Civil, a PC-884, foi ao local para conduzir Alex à delegacia, a pedido do próprio investigador.
Policiais militares fortemente armados levaram também spray de pimenta e cercaram o quiosque como se estivessem numa grande operação. Um dos soldados da guarnição 2878 ficou com a “missão” de filmar toda a ação policial com um aparelho celular para servir de prova para seus colegas.
No entanto, na Delegacia de Jacaraípe, quando o delegado Petersen Gimenes pediu a filmagem feita pela PM, o soldado alegou que tinha deixado o celular no quartel do 6º Batalhão, no bairro André Carloni, que fica a quase 30 quilômetros de distância. Detalhe: o soldado não foi ao quartel do 6º BPM; ele só saiu do quiosque para ir à delegacia com seu sargento e os demais militares das mais de 20 viaturas.
A situação para o sargento e os dois soldados parece complicada. Eles não conseguiram sequer levar uma testemunha para a delegacia para depor a seu favor. Os militares se complicaram ainda mais porque toda a abordagem deles no quiosque e toda a ação e permanência deles e das mais de 20 de viaturas foram filmadas por pessoas que estavam no Quatro Estações. As filmagens foram anexadas ao dossiê entregue na semana que passou ao secretário André Garcia, ao Ministério Público Militar e às Corregedorias da Polícia Militar e Polícia Civil.
Além disso, o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, Jorge Emílio Leal, acionou o Departamento Jurídico da entidade, que já entrou com ações Cível e Criminal na Justiça contra os três policiais militares. O Sindicato dos Investigadores (Sinpol, por meio de seu presidente, Júnior Fialho, publicou nota de repúdio e está acionando a Justiça.
PM dá sua versão em ofício encaminhado à Corregedoria de Polícia Civil
Um dia depois da confusão no quiosque Quatro Estações, em Jacaraípe, o major Carlos Henrique Nogueira, coordenador de Operações do Comando de Policiamento Ostensivo Metropolitano da Polícia Militar (CPOM), encaminhou ofício ao chefe do CPOM, coronel Carlos Henrique Pereira França, comunicando sobre o ocorrido.
A Polícia Militar ficou só com a versão apresentada no Boletim Unificado número 23536734, confeccionado pelo sargento, comandante da “operação” que prendeu o investigador Alex Sandro Pereira Loureiro, por estar “armado e embriagado” no quiosque. Foi preso pela acusação de “resistência, desobediência e desacato”.
Já no dia 20 deste mês, foi a vez do comandante interino do 6º BPM, major Paulo Rogério do Carmo Barboza, encaminhar o relatório para a Corregedoria Geral de Polícia Civil.
No ofício, o major Nogueira relata a “conduta do policial civil Alex Sandro”, durante abordagem policial. Diz que um solicitante informou que um “indivíduo bebia em um quiosque em Jacaraípe e que estaria armado. Acionada a Polícia Militar se vez presente no local para averiguar a veracidade do relato”.
Segundo o relatório do major Nogueira, ao chegar ao local a PM se deparou com um “indivíduo armado, bebendo, tendo o mesmo rechaçado a abordagem proferindo palavras de baixo calão contra os integrantes da guarnição. Ao ser dada voz de prisão ao cidadão, o referido resistiu, empurrou os policiais, desmereceu os mesmos, alegando ser policial civil. Ato contínuo, conduzido à Delegacia Regional de Jacaraípe continuou a desmerecer os policiais militares de serviço, alegando que tais para ele ‘não seriam nada”.
O major Nogueira disse mais em seu relatório: “Além de faltas administrativas que não nos é afeta, cometeu o policial civil em tese crimes capitulados nos artigos 329 (resistência), artigo 330 (desobediência), artigo 331 (desacato), tudo do Código Penal Brasileiro. Entretanto não ficou esclarecido se o policial foi autuado ou não”.
O major Nogueira relatou que “os policiais militares que realizaram a abordagem se sentiram humilhados e demonstraram extrema indignação com a relatada afronta, indignação esta compartilhada pelo CPU do 6º Batalhão, Aspirante oficial Thuani e por este Oficial COP. O CPU foi orientado a acompanhar e relatar circunstanciadamente todo o deslinde da ocorrência”.
Sargento e seus dois soldados não conseguiram levar nenhuma testemunha para depor a seu favor
O investigador Alex Sandro conseguiu reunir em torno de si pelo menos 10 testemunhas. A mesma sorte não tiveram o sargento e os dois soldados: nem mesmo o suposto cidadão que teria procurado a viatura para “denunciar” a presença de um homem armado e “embriagado” no quiosque foi à Delegacia de Jacaraípe depor em favor dos militares.
Mesmo assim, o sargento responsável pela guarnição descarregou em seu Boletim Unificado. Disse que ele e seus parceiros é que teriam sido agredidos pelo investigador; disse que tomou a arma do policial civil, mas não explica como: se por trás ou pela frente.