Um grupo de psicólogos da Polícia Militar do Rio de Janeiro e pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro ( UERJ) lançou em 2016 o livro “Por que os policiais se matam”.Trata-se de um completo estudo sobre o tema e tem a coordenação da cientista política Dayse Miranda.
A pesquisa, divulgada em março deste ano, foi motivada pela percepção de que algumas profissões, como a de policial, têm fatores de estresse maiores do que os da população em geral, o que leva a problemas emocionais e incidência de suicídio mais elevados.
“No caso dos policiais, o ambiente de trabalho inclui rotina de agressões verbais, abuso de autoridade e humilhações dos superiores, escala de trabalho exaustiva, risco constante de ser ferido ou morto em uma operação, treinamento e equipamentos aquém do necessário, falta de reconhecimento pela sociedade, baixos salários etc”, diz a coordenadora.
No Espírito Santo, em apenas três dias deste ano de 2017 dois militares atentaram contra a própria vida, segundo a Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros (ACS/ES). A entidade informa que o último caso foi na quarta-feira (01/11), “quando o soldado Wellington Bonomo Ferreti, que estava na 13ª Companhia Independente (Grande Terra Vermelha), ligou transtornado para o Ciodes e acabou atirando contra sua cabeça. Dois dias antes, um soldado do 4º BPM (Vila Velha) visivelmente transtornado invadiu um hospital no Ibes, em Vila Velha, e, com arma em punho, tentou se matar. Felizmente foi contido e permanece internado”.
Para a ACS, o que vem acontecendo com os militares é reflexo de uma grave crise interna na Polícia Militar capixaba que se agravou após as expulsões de militares depois o movimento reivindicatório – aquartelamento – de fevereiro.
“Além das pressões por parte da sociedade, governo e do comando, baixo auto-estima, baixos salários e dificuldade de conseguir sair da corporação quando encontra algo melhor que possa sustentar suas famílias”, diz a entidade em seu portal de notícias.
O caso do Soldado Bonomo, que antes de ir para a 13ª Companhia Indepedente era da 5ª Companhia do 4º BPM, é um alerta. De acordo com parentes e amigos próximos do militar, na quarta-feira (01/11) ele havia ligado para os amigos de farda que ficaram preocupados com suas palavras e por que, dias antes, ele havia sido internado por problemas psicológicos.
Informa a ACS: “Antes de usar a arma da corporação contra sua própria vida, Bonomo fez contato com o Ciodes aparentemente transtornado. Uma VTR (viatura) foi enviada ao local em São Torquarto e, quando os militares chegaram, ainda o encontraram com vida. De acordo com relatos de um dos militares que atenderam a ocorrência, Bonomo teria planejado sua morte, pois quando chegaram no local o militar não quis conversar com os colegas de farda. Ainda segundo relato, viu a viatura, deu uns três passos e atirou, se ferindo gravemente. Bonomo foi socorrido para o Hospital São Lucas onde passou por cirurgia e morreu”.
“A sua morte se reflete em toda a tropa e os dois policiais que o socorreram foram dispensados e tiveram suas armas recolhidas porque já haviam trabalhado com Bonomo no 4º BPM. Será que o comando da PMES e o governo precisam de mais mortes para reconhecerem que a tropa está doente?”, questiona a ACS.
Para o psiquiatra Bernardo Santos Carmo, que presta serviços à ACS/ES, a tropa está doente:
“Sem sombra de dúvidas a tropa capixaba está psicologicamente doente. Eu afirmo isso categoricamente. Não posso ser ofensivo, mas tenho que dizer uma realidade: a PMES pode oferecer uma assistência efetiva no Hospital da Polícia Militar. De acordo com relatos de 100% dos meus pacientes, eles não se sentem de forma alguma assistidos pelo HPM e eu tento suprir isso como Associação de Cabos e Soldados à medida que eu fiz um juramento de ajudar as pessoas. Ouvi relatos de pacientes em sua totalidade que eles não se sentem confortáveis, tratados, escutados ou acolhidos no HPM”.
O Soldado Bonomo era um dos quase 500 militares que são acompanhados pelo psiquiatra Bernardo Santos Carmo, que atende na sede da Associação de Cabos e Soldados e também fora da entidade. O especialista, inclusive, havia acompanhado o militar Bonomo em sua internação.
Para Bernardo Carmos, se faz necessário um tratamento urgente da própria tropa:
“Há uma desesperança quase que unânime e sentimento de menos valia, de desvalorização do próprio trabalho é algo que se intensificou muito nos últimos tempos. A irritabilidade também é constante a ponto de, se não houver um tratamento para muitos policiais pode haver uma tragédia iminente. Inclusive muitos devem ficar afastados por isso. É algo temerário esses militares continuarem em serviço com o risco de homicídios e principalmente suicídios. Já presenciei esse último risco em dezenas de militares”.
Policiais militares também evitam suicídio
Ao mesmo tempo em que enfrenta grave crise interna, tendo que conviver com a doença psicológica de boa parte da tropa, a Polícia Militar do Espírito Santo demonstra força para continuar atuando em prol da população capixaba. Na última segunda-feira (30/10), o comandante-geral da corporação, coronel Nylton Rodrigues Ribeiro Filho, recebeu em seu gabinete policiais que salvaram a vida de um homem que tentava se suicidar na Terceira Ponte.
“Somos agradecidos por vocês verem a vida como algo que deve ser preservado”. A frase foi dita por Lívia Machado Guimarães no fim do café da manhã em que o comandante-geral da PMES, coronel Nylton Rodrigues recebia os policiais militares que prestaram apoio ao seu esposo.
O coronel Nylton externou sua satisfação em receber os militares que na noite de 21 de outubro conseguiram conter José Netto, que acometido de um surto psicótico, ameaçava tirar a própria vida. Na ocasião, o homem foi amparado pelos policiais com palavras de alento e persuasão quando estava na 3ª Ponte.
“Nossas agendas são pesadas, duras e desgastantes, mas esta é totalmente oposta. Receber vocês que estão nas ruas, se expondo, protegendo nossas famílias, como fizeram nessa ocorrência, é para externar e registrar o reconhecimento do comando da PMES pelo desempenho de cada um”, declarou o comandante-geral.
O encontro foi iniciado com a leitura do Salmo 16, estando presentes o subcomandante-geral da PMES, coronel Rogério Maciel Barcellos, o Chefe do Estado-Maior Geral, coronel Marcio Celante Weolffel, o comandante do CPOM, coronel Alexandre Ofranti Ramalho e os comandantes do 1º e 4º Batalhão, os tenentes-coronéis José Augusto Pícoli de Almeida, e Sebastião Biato Filho, respectivamente.
Em seguida o tenente-coronel Biato explicou como aconteceu o fato naquela noite. “As guarnições do 4º BPM receberam a informação de que um homem havia estacionado seu carro em cima da ponte e seguiram para verificar. A ação contou com o apoio de uma guarnição do 1º Batalhão e eles tiveram êxito em impedir que algo pudesse ocorrer”, esclareceu.
O comandante do 1º BPM, tenente-coronel Augusto, destacou que a atuação da Polícia Militar é diversificada, mas sempre agindo no espaço restrito entre a vida e a morte. “O trabalho de vocês foi em prol da vida”, salientou o tenente-coronel Augusto.
O comandante do CPOM, coronel Ramalho, também apontou as diferentes formas de atuação da PM, lembrando-se das abordagens e do cerco tático. “Há uma variedades de ações que o policial executa, mas naquela noite os militares efetivamente foram anjos da guarda tanto na vida de José Netto, quanto para a sua família”, frisou o coronel Ramalho.
Por fim o soldado Soeiro leu a carta que Lívia Guimarães enviou a ele, ao sargento Mendes, ao cabo Agnaldo e aos soldados Barreto, Robert e Arruda, como forma de agradecimento pelo gesto de cada um.
“A partir do momento que liguei para o 190, implorando ajuda, para que meu marido fosse contido, foi Deus quem designou meus anjos. Cada um deles… naquela noite, meus heróis e de minha filha, subiram a ponte. Heróis não só pela farda honrada da PM que vestiam, mas acima de tudo, seres humanos especiais, que conseguiram enxergar muito além de um suicida em sofrimento, mas um ser que necessitava de uma palavra, de luz, e de amor”.
Lívia terminava dizendo que escrevera a carta, mas o desejo era abraçar a todos. E foi o que aconteceu ao término da leitura, ela e sua filha Bianca Barcellos entraram na sala onde o comandante-geral recebia os policiais envolvidos nesta ocorrência e abraçou a cada um deles.
O coronel Nylton encerrou dizendo que a PM se alegra em saber que foi possível ajudar aquela família.
(Com informações também dos portais da PMES e ACS/ES)