A juíza Federal Substituta Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, rejeitou denúncia em desfavor do policial rodoviário federal Renato de Lucena Pereira, que, numa ação policial, baleou o acusado de roubo Natanael dos Santos Silva, o Pica-Pau, que acabou morrendo. A decisão da magistrada foi tomada na segunda-feira (23/10) e fato ocorreu no dia 4 de setembro de 2009, por volta das 22 horas, na rodovia federal BR-070, na cidade-satélite de Taguatinga.
Apesar de o crime ter ocorrido há oito anos atrás, somente no dia 31 de agosto de 2017 o Ministério Público Federal denunciou o policial rodoviário federal Renato à Justiça Federal. Na ação, o MPF denunciou Renato por homicídio doloso – quando a pessoa age com intenção. Na denúncia, o MPF pediu que o agente respondesse pelo crime, em julgamento no Tribunal do Júri.
De acordo com o processo número 0044047-59.2012.4.01.3400, Renato de Lucena, Maria José Almeida Grangeiro, Cleber de Moraes Nunes Costa Damacena e Leonardo Miranda Cintra, todos agentes da Polícia Rodoviária Federal, estavam em patrulhamento pela BR-070, quando foram informados acerca do roubo do veículo GM Blazer prata, placa DDO-5761/SP, em Taguatinga, no Distrito Federal.
Minutos depois, o veículo roubado passou em alta velocidade pela rodovia BR-070 com três homens em seu interior – Valdécio da Silva Oliveira, Virmondes de Matos Júnior e Natanael dos Santos –, o que ensejou o início da perseguição. Ao perceberem que o veículo perseguido era o objeto do roubo informado, os agentes acionaram o giroflex da viatura com sinal sonoro, pediram para que ele parasse, o que não foi obedecido. Assim, o policial Renato Lucena efetuou um disparo no pneu do automóvel, parando-o.
Em seguida, nos termos dos relatos dos policiais rodoviários federais, com a parada do veículo, Natanael, que estava no banco traseiro do lado direito, “abriu a porta, saiu com uma arma em punho e efetuou disparo contra a viatura” e, como resposta, a policial Maria José efetuou um disparo com uma pistola ponto 40 e, concomitantemente, Renato de Lucena desferiu um disparo com fuzil, que atingiu o assaltante Natanael.
“Contudo, essa legítima defesa amparada na agressão armada perpetrada por Natanael dos Santos Silva, alegada pelo denunciado e pelos demais policiais, não merece prosperar, uma vez que o Laudo de Perícia Criminal, elaborado a partir da reprodução simulada dos fatos, realizada em março do corrente ano, indica que a arma utilizada por Natanael dos Santos Silva (revólver marca Rossi, calibre ponto 38 SPECIAL) tinha a capacidade de cinco tiros e foi recebida pela perícia ‘com cinco cartuchos de calibre .38, dois deles com marcas de percussão na espoleta (não deflagrados)’, ou seja, nenhum dos cartuchos da referida arma foi utilizado, não houve, portanto, o efetivo disparo”, descreve o Ministério Público Federal na denúncia, para quem, o policial rodoviário federal agiu com “excesso”.
No entanto, não foi isso que vislumbrou a juíza Federal Substituta Pollyanna Kelly Maciel Alves: “A denúncia ressente-se de justa causa. Isso porque, conquanto comprovada a materialidade dos fatos por meio do exame cadavérico, o réu (Renato de Lucena) agiu acobertado por excludente de ilicitude consistente em estrito cumprimento de dever legal e, justamente, por tal razão a denúncia não há de ser recebida”.
De acordo com a magistrada, tendo como base o laudo pericial e os depoimentos colhidos das testemunhas e das declarações do acusado, “a vítima Natanael dos Santos Silva foi, de fato, atingida por projétil deflagrado da arma que portava o ora denunciado Renato de Lucena Pereira, após desobedecer a ordem de parada e empreender fuga, estando na posse de arma de fogo”.
Por outro lado, pondera a magistrada, “extrai-se dos autos” que Natanael, efetivamente, “alvejou a equipe policial e tentou, no mínimo, por duas vezes, efetuar o disparo da arma de fogo”. A par de tais conclusões, prossegue a juíza Pollyanna Kelly Maciel Alves, “forçoso reconhecer que o denunciado (Renato de Lucena), em situação de fuga e perseguição à pessoa armada, agia em cumprimento a dever legal do modo a realizar a prisão do acusado que desobedeceu a ordem expressa de parada sendo certo que, anteriormente à ordem de parada, havia supostamente praticado roubo de veículo, devidamente comunicado à equipe de polícia rodoviária federal”.
“Em situações de risco elevado, o tempo para o policial realizar a escolha do nível de força a ser empregada é ínfimo”, pondera magistrada
Salienta ainda a magistrada na decisão que, de acordo com o laudo pericial, “em situações de risco elevado (onde se sabe que o suspeito está armado), o tempo para o policial realizar a escolha do nível de força a ser empregada é ínfimo”. E mais, o laudo pericial registra, ainda, tabela do estudo “Abordagem Policial”, segundo a qual há referência do nível de controle da Força Usada pelo Policial segundo o nível de resistência do suspeito.
“De acordo com a tabela transcrita (no laudo), resta evidente a razoabilidade do disparo efetuado pelo policial rodoviário federal, ora acusado, que, diante do descumprimento da ordem de parada, traduzido na fuga empreendida, e do fato de estar o suspeito na posse de arma de fogo, a qual, inclusive, não logrou deflagrar a munição nada obstante, ao menos, duas tentativas de acionamento para tiro”, afirma a juíza Pollyanna Kelly Maciel Alves.
Ela faz novas ressalvas: “Destaco que o agente de segurança, diante do diminuto tempo para decidir como atuar, conforme asserido pelos peritos, não pode hesitar em agir, no estrito cumprimento de seu dever legal – que é o de velar pela segurança da sociedade – sendo indiscutível que o receio de atuar, valendo-se dos meios necessários e conferidos pelo aparato estatal, pode acarretar o comprometimento da promoção da segurança dos cidadãos. Na forma dos artigos 6º e 144, ambos da Constituição Federal, a segurança, direito social e dever do Estado, deve ser exercida também pela Polícia Rodoviária Federal, a quem incumbe resguardar as rodovias federais, mediante o uso do aparato posto à disposição do agente de segurança, inclusive, de armas de fogo, como na situação analisada”.
A juíza Pollyanna Kelly Maciel Alves ainda ensina: “Não se mostra razoável exigir-se do policial, ora acusado, que aguardasse, de modo passivo, para além do risco assumido em razão do exercício de suas atividades funcionais, a concretização do disparo de arma de fogo pelo suspeito, expondo-se a perigo concreto, para somente a partir de tal momento fazer uso da arma que lhe foi conferida para o cumprimento de seu munus que é o de garantir a segurança da coletividade. No caso em apreço, diante do fato de a vítima, que estava armada, ter desobedecido à ordem legal de parada emanada de agentes de segurança ostensivamente armados e ter empreendido fuga, o acusado tinha o dever legal de impedir a fuga e realizar a prisão sendo certo que a sua atuação não desborda dos limites da excludente de ilicitude”.
Ela ainda registra que os outros dois suspeitos que não estavam armados nem tampouco empreenderam fuga não tiveram a sua integridade abalada.
“Registro, por fim, que a presunção de atuação regular e de boa-fé do Policial Rodoviário Federal, que se coloca, cotidianamente, em situação de risco em proteção da sociedade, somente pode ser afastada diante de elementos concretos que evidenciem a conduta criminosa, inocorrente na espécie, repito”.