A 1ª Turma Recursal da Capital do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo reverteu decisão de primeiro grau e condenou o investigador de Polícia Civil e vereador Sérgio Camilo Gomes a indenizar o prefeito de Cariacica, Geraldo Luzia de Oliveira Júnior, o Juninho (PPS), em R$ 5 mil. Camilo ainda vai ter de se manifestar publicamente durante discurso a ser proferido no Plenário da Câmara Municipal de Cariacica e pedir desculpa por ter ofendido o prefeito. O acordão da sentença foi publicado no dia 9 de agosto de 2017.
A decisão ainda cabe um último recurso, mas dificilmente o vereador-policial vai obter êxito. O voto do relator do Recurso Inominado em Ação de Indenização por Danos Morais, juiz José Augusto Farias de Souza, está muito bem fundamentado.
O prefeito Juninho entrou com o recurso porque, em primeiro grau, o juiz Adriano Correa de Mello, do Juizado Especial Cível de Cariacica, julgou improcedente o seu pedido.
O prefeito Juninho processou Sérgio Camilo porque nos últimos anos vinha sendo alvo de ataques pessoais e reiterados praticados por parte do policial-vereador, sobretudo por intermédio das redes sociais.
Na ação, Juninho afirma que, injustamente, “o réu” refere-se a ele (prefeito) por meio de expressões pejorativas, tais como “incompetente, mentiroso, prefeito mascarado, irresponsável, criminoso, negligente, só sabe pular carnaval, pior prefeito, medíocre, imoral e sem caráter”, entre outros. Sérgio Camilo ainda disse que Juninho é dono de uma mansão no bairro Morro do Moreno, em Vila Velha.
Para o juiz-relator do recurso, José Augusto Farias de Souza, as ofensas praticadas por Sérgio Camilo “extrapolam os direitos conferidos pela Constituição da República, no que tange à imunidade parlamentar”. O magistrado salienta que artigo 53, da Constituição da República, estabelece que “os deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
“A Constituição da República garante a denominada imunidade material ou inviolabilidade parlamentar, que se constitui em garantia funcional que objetiva conceder liberdade, autonomia e independência no exercício das funções parlamentares”. José Augusto de Souza mostra em seu voto ensinamentos do jurista Nelson Nery Costa, ao ressaltar “que se trata de instrumento que permite que o parlamentar tenha liberdade de pensamento e, se for de oposição, exercem pelo menos o direito de crítica. Caso este seja evitado, então não haverá mais soberania”.
Para o magistrado, a inviolabilidade parlamentar abrange manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, mesmo que sejam externadas fora das Casas Legislativas. “Contudo, embora o parlamentar tenha a prerrogativa da imunidade material em seu favor, não pode extrapolar os limites da sua garantia constitucional e atingir a imagem e a honra de terceiros”, pondera o juiz-relator José Augusto Farias de Souza.
Para ele, “a premissa lógica da imunidade material é a proteção da liberdade de atuação do Vereador, não um simples privilégio ou escudo para ofensas à honra alheia”. Segundo José Augusto de Souza, as declarações do investigador-vereador Sérgio Camilo “constituem ofensa contra a honra e a dignidade” do prefeito Juninho, “que teve seus direitos da personalidade atacados, através, inclusive, de fatos sabidamente falaciosos divulgados pelo réu em suas redes sociais, visando, tão somente, macular a reputação do autor”.
José Augusto de Souza lembra que no depoimento que prestou em Juízo em sua própria contestação, fica claro que o vereador Camilo possuía ciência de que o prefeito não residia em uma mansão no Morro do Moreno, mas tão somente possuía um terreno com algumas edificações no local “e, ainda assim, afirmava tal fato através de textos e vídeos divulgados em suas redes sociais, ultrapassando, claramente, o seu dever de fiscalização”.
O magistrado José Augusto de Souza explica: “Vê-se que o Réu (Sérgio Camilo) extrapolou os limites e interesses do Município, não podendo a sua conduta ser tida como mero exercício do dever de fiscalização, mesmo que tenham sido dirigidas a pessoa que ocupa função de Chefe do Poder Executivo do Município de Cariacica”.
Para o magistrado, a “ordem jurídica impõe um padrão de comportamento moralmente adequado para os Agentes Políticos e Servidores em geral, razão pela qual não se podem admitir excessos nas manifestações públicas, mesmo que estas estejam, aparentemente, sob o manto da imunidade parlamentar”.
Segundo José Augusto de Souza, a garantia da imunidade parlamentar não pode ser invocada quando se ataca pessoalmente e de forma deliberada a moral de Servidor Público ou de qualquer pessoa do povo, adotando-se de conduta incompatível com os valores que, no exercício do cargo, o Agente Político está obrigado a observar e defender.
“As afirmações feitas pelo Requerido (Sérgio Camilo) não podem ser tidas como simples exercício do dever de fiscalização, em razão dos excessos praticados, que atingiram a honra objetiva do Autor (prefeito Juninho) e desrespeitaram seus direitos da personalidade. Dessa forma, a sentença deve ser reformada, caracterizando o dever de indenizar”, sentencia o juiz-relator.
Ao fixar a indenização no valor de R$ 5 mil, o juiz José Augusto de Souza ainda condenou o policial-vereador Sérgio Camilo a se retratar e pedir desculpa a Juninho (foto):
“Tendo em vista as irrefutáveis provas de que o Requerente (prefeito Juninho) não reside em mansão no município de Vila Velha, como afirmou o Requerido (Camilo), condeno o mesmo a realizar retratação quanto a esta afirmação em sua página e perfil pessoal do Facebook em post público, pelo período mínimo de 30 (trinta) dias; bem como, realize a retratação em plenário, em discurso mínimo de 01 (um) minuto, em sessão pública na Câmara Municipal de Cariacica, sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia, até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), reversível ao autor”.
Em Juízo, Sérgio Camilo disse que nunca fez crítica de natureza pessoal e ofensiva ao prefeito Juninho
Em sua defesa perante a Justiça, o policial-vereador Sérgio Camilo suscitou preliminar de incompetência do Juízo pela necessidade de realização de provas periciais, bem como a carência da ação, por ausência de comprovação dos fatos e diante da imunidade parlamentar do vereador requerido.
No mérito, afirmou que jamais fez qualquer crítica de natureza pessoal e ofensiva ao prefeito Juninho, limitando-se apenas a identificar o que entende ser “incontáveis e públicos equívocos”, nos limites de sua atuação parlamentar como vereador.
Afirmou ainda que a imunidade parlamentar não está restrita aos limites da Câmara de Vereadores, mas alcança também todos os meios de atuação parlamentar e fiscalizatório. Concluiu na defesa que são verdadeiras as denúncias relativas à propriedade do imóvel na localidade do Morro do Moreno em Vila Velha, fato não declarado pelo autor à Justiça Eleitoral e, por fim, que os “adjetivos irrogados pelo requerido” seriam pertinentes às diversas denúncias, devendo ser julgado improcedente o pedido.