A Corregedoria da Justiça do Distrito Federal baixou um provimento regulamentando a lavratura de Termos Circunstanciados por policiais militares, rodoviários e agentes do Detran. O documento, publicado na sexta-feira passada (02/06), estabelece que, além de policiais civis, os demais agentes de segurança também podem registrar os dados de ocorrências de infrações de menor potencial ofensivo, que não exijam perícia.
Entretanto, a regras baixadas pelo Judiciário têm uma grande diferença com relação à proposta inicialmente debatida pelo Comando Geral da PM do Distrito Federal. A Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público do DF havia recomendado aos promotores de Justiça receberem os documentos feitos pelos militares.
O provimento do Tribunal de Justiça, porém, estabelece que os Termos Circunstanciados lavrados por PMs têm que passar obrigatoriamente pela respectiva Delegacia Circunscricional ou Especializada de Polícia Civil, ou seja, os TCOs não podem ser remetidos diretamente pela Polícia Militar para o MPDFT ou para o Poder Judiciário. A ideia é que as informações sejam cadastradas e homologadas por uma autoridade policial civil, por meio de um formulário.
Apesar da inédita autorização para a lavratura de Termos Circunstanciados, o alto escalão da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não está inteiramente satisfeito. O descontentamento deve-se ao fato de a corporação ainda não deter o poder necessário para encaminhar as informações coletadas em casos de infrações de menor potencial diretamente ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) ou à Justiça local — os dados ainda têm de passar pelo crivo da Polícia Civil.
Para reverter a situação, o comandante-geral da PMDF, coronel Marcos Antônio Nunes, pediu um encontro com a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz. Os Termos Circunstanciados elencam, além de detalhes da ocorrência, a tipificação formal da infração, os itens qualificadores, entre outros pontos. A ampla discussão da prerrogativa da corporação em emitir o documento chegou ao MPDFT em 2015. À época, a PM provocou a Assessoria de Política Institucional do Ministério Público para conseguir a atribuição.
O desejo da Polícia Militar era de que o corregedor da Justiça do DF e dos Territórios, desembargador Cruz Macedo, acolhesse integralmente a recomendação da Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPDFT, publicada em abril de 2016. De acordo com o documento, policiais militares, policiais rodoviários e agentes do Departamento de Trânsito do DF (Detran) deveriam atuar do início ao fim nos casos que não exigem perícia e culminam em, no máximo, dois anos de prisão. É o caso, por exemplo, de infrações como ameaças e direção sem habilitação, causando perigo de dano.
O provimento do magistrado, publicado na última sexta-feira, entretanto, estabelece que os militares emitam os termos circunstanciados, mas remetam as informações à delegacia circunscricional ou especializada.
A discussão sobre o tema não envolve apenas delegados, agentes da Polícia Civil e militares. No Congresso Nacional, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com o mesmo fim, conhecidas como Ciclo Completo de Polícia — PEC 51/13 e PEC 431/14 —, tramitam na Câmara e no Senado Federal. Em Florianópolis, por exemplo, o procedimento vigora. Ademais, está nas mãos do colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contrária a um dispositivo da lei de Minas Gerais que confere à PM a possibilidade de lavrar o Termo Circunstanciado.
A polêmica entre as duas corporações em relação à emissão dos termos circunstanciados ocorre há longa data. Em setembro de 2016, militares lavraram o primeiro documento e inflamaram o embate com a Polícia Civil de Brasília. Em fevereiro deste ano, um agente civil e um policial militar discutiram durante o registro de ocorrência relativa ao roubo de uma moto. Em meio ao clima tenso, os dois quase se agrediram.
Trâmite
Até a última sexta-feira (02/06), ao identificar a prática de infrações de menor potencial, os militares do Distrito Federal conduziam o suspeito até a delegacia de polícia mais próxima, onde agentes civis lavravam o Termo Circunstanciado. Agora, a PMDF deve registrar os dados da ocorrência diretamente do local onde aconteceu o crime e encaminhá-los à segunda corporação.
O presidente da Associação dos Oficiais na Ativa, coronel Rogério Leão, classificou o novo trâmite como “um ganho das instituições”, mas disse estar preocupado com “a forma em que aconteceu (a autorização)”.
“Ainda perdemos em celeridade. O registro dos termos circunstanciados, que equivale a cerca de 80% da demanda, deve acontecer em um ciclo completo. Dessa forma, lucrariam as duas corporações: a Polícia Civil, por poder dedicar-se integralmente aos grandes casos; e a Polícia Militar, por conseguir deixar o efetivo mais tempo na rua e resolver com rapidez pequenas infrações”, disse o coronel Rogério Leão.
Vice-presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares do DF, o sargento Manoel Sansão aprovou o provimento, mas frisou que a PM aguarda independência total em relação aos termos circunstanciados. “Quando não dependermos da Polícia Civil para o registro de pequenas ocorrências, haverá mais agilidade no atendimento”, defendeu.
Já o presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil, Rafael Sampaio, exaltou a decisão, a qual “permite que a PCDF mantenha o controle sobre o cortejo de suspeitos”.
“Entendemos que o provimento contemplou as forças, de acordo com os argumentos postos à mesa”, pontuou. Já o presidente da Associação do Sindicato dos Policiais Civis do DF, Rodrigo Franco, o Gaúcho, voltou a defender a competência restrita da Polícia Civil na lavratura. “É nossa atribuição. No entanto, a própria corporação concordou que outros órgãos da segurança pública realizassem os registros”, afirmou.
Em nota, o Comando geral da PMDF informou que a confecção dos termos pela corporação objetiva “facilitar e potencializar o atendimento, além de dar celeridade aos registros”. A Direção Geral da Polícia Civil elogiou a modificação e destacou que “o provimento não autoriza a ação isolada e concorrencial dos órgãos, em violção à s atribuições das corporações”. A Secretaria de Segurança Pública e Paz Social informou que o “assunto ainda será analisado pela pasta”.
Embróglio dura dois anos
Há dois anos, a Polícia Militar do DF emitiu ofício à Assessoria de Política Institucional do Ministério Público para adquirir a atribuição da emissão de Termo Circunstanciado. Em 2016, as Câmaras de Coordenação e Revisão Reunidas em Matéria Criminal do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) acataram o pedido e recomendaram que os promotores recebessem os documentos lavrados pela corporação.
Na decisão que concede provimento, o desembargador Cruz Macedo indicou que as informações remetidas ao TJDFT ou ao MPDFT sejam repassadas à delegacia competente, para que agentes civis realizem o cadastramento, a homologação, ratificação e eventuais aditamentos, por meio de investigações ou exames complementares, no prazo de cinco dias.
A partir de agora, a emissão dos termos ocorrerá por meio do software desenvolvido pelo Departamento de Gestão da Polícia Civil, compartilhado com militares, policiais rodoviários e agentes do Detran.
Memória
Em 15 de setembro de 2016, a Polícia Militar do DF lavrou o primeiro Termo Circunstanciado da corporação. O boletim de ocorrência refere-se à fuga de um motociclista em alta velocidade por não portar a Carteira Nacional de Habilitação ou o Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo. À época, a PM registrou o delito de direção perigosa por pessoa inabilitada e o condutor assinou o documento, se comprometendo a comparecer em juízo especial.
O episódio inflamou o embate com a Polícia Civil, que emitiu uma mensagem de alerta e circulação interna: “Se você for submetido à lavratura de Termo Circunstanciado por qualquer servidor público que não seja um delegado de polícia, denuncie 197, ou compareça à delegacia mais próxima.”
A PM rebateu e ressaltou que, “em momento algum, invadiu a missão ou atribuições da Polícia Civil, pois, diferentemente do inquérito policial, que demanda investigação, o termo circunstanciado restringe-se a um boletim formal da ocorrência”.
(Fonte: Correio Braziliense)