Não se duvida que a crise na segurança pública, ocorrida em fevereiro no Espírito Santo, após a paralisação de policiais militares, deixou cicatrizes. Entretanto, os traumas deverão ser medidos na proporção de suas profundidades e vários atores estarão envolvidos para ajudar na cicatrização.
Em artigo publicado no dia 13 deste mês em A Gazeta, com o título “Anistia Absurda”, o autor, José Carlos Corrêa, retrata uma visão parcial e, ao que parece, desconhecedor dos institutos de Direito, em especial sobre a anistia, colocando, novamente, policiais militares como cidadãos de segunda classe. Vale ressaltar que a anistia é um instituto jurídico previsto constitucionalmente e também no Código Penal para todos os brasileiros, só não podendo ser concedido nos casos listados no Art. 5, XLIII da Constituição Federal (tais como crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de drogas e terrorismo).
Portanto, ao contrário senso, ensina-nos que o poder público pode conceder a anistia para os demais casos e que, o ocorrido durante o movimento de aquartelamento dos militares estaduais, não se enquadra nas restrições constitucionais. Mesmo porque em outros Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, militares foram beneficiados, o que nos remete o adágio – onde há o mesmo fato, há o mesmo direito, demonstrando que os policiais militares do Espírito Santo, à luz da Carta Magna, são cidadãos em sua plenitude.
No Direito Penal brasileiro, existe previsão de vários institutos que extinguem a pena ou beneficiem o direito de liberdade do cidadão, tais como o perdão judicial, a graça, o indulto e a anistia, instrumentos jurídicos que buscam atender demandas sociais, pois não vivemos, acredito, sob o jugo do direito penal do inimigo.
Esse instrumento constitucional, embora seja previsto para os crimes políticos, não existe proibição legal para a sua concessão a outros tipos de delitos, inclusive nos crimes militares, até mesmo porque no Código Penal Militar há previsão da anistia como causa de extinção da punibilidade.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, douto magistrado, professor e escritor de Direito Penal e Processual Brasileiro, tanto na esfera comum quanto na militar, a anistia “é a declaração, pelo Poder Público, de que determinados fatos se tornam não puníveis por motivo de utilidade social. O instituto da anistia volta-se a fatos e não a pessoas”.
A respeito do ocorrido no Espírito Santo, deveríamos refletir sobre a sociabilidade e o cumprimento das leis, pois quando a Polícia Militar faltou houve um aumento nos crimes. Ou, como ensinou Rousseau, voltamos ao Estado de natureza, por isso não se pode atribuir ao movimento das mulheres, amigos e familiares dos policiais militares a explosão de crimes.
Da mesma forma, deveríamos, antes de criticar ou culpar os policiais militares, como no texto, ou ainda querer desmerecê-los e ridicularizá-los diante da sociedade, analisar se a atenção àqueles que entregam suas vidas a servir a sociedade teve o respeito e atenção de todos.
É importante ressaltar que o tema anistia para manifestações de militares estaduais é divergente na doutrina, principalmente quando se analisa sob o viés dos pilares da vida castrense, hierarquia e disciplina.
A anistia a ser concedida deverá guardar algumas premissas, pois fatos ocorridos e diversos ao direito de manifestação e de reivindicação por melhorias nas condições de trabalho e por reajustes salariais, tais como a prática de crimes – comuns e militares – que envolveram violência ou grave ameaça contra pessoa não devem ser abrigados por este instituto, porque que fugiram à essência ao movimento reivindicatório.
A ruptura que aconteceu em nosso Estado mostra-nos que devemos encarar o presente e o futuro de forma diferente, atentando para a valorização de serviços essenciais e de seus profissionais.
Por isso, a anistia, se concedida, além de atender critérios de Justiça, atenderá a manifestação popular, pois será votada e aprovada pelos legítimos representantes da população, já que vivemos numa democracia representativa. Por isso, nos causa espanto a manifestação do senhor José Carlos Corrêa, que demonstra uma visão preconceituosa e antiquada, colocando o militar estadual como um ser sem vida ou, pior desprovido de direitos, pois admite a anistia para infratores comuns, mas não admite a anistia para profissionais que buscavam o seu direito.
Por fim, é sempre preciso relembrar que, bem ou mal, vivemos no Estado Democrático de Direito, por mais que alguns só queiram ver os seus interesses.
(Rogério Fernandes Lima é tenente-coronel da PMES e presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo/Assomes/Club dos Oficiais)