A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo manteve decisão de primeiro grau que condenou o governo do Estado a não efetuar qualquer redução no subsídio do delegado de Polícia Josafá da Silva e de mais quatro policiais civis por força do afastamento determinado em medida cautelar. A mesma decisão condenou o Estado a restituir aos cinco policiais os valores descontados de seus subsídios desde maio de 2015 em virtude do afastamento.
Os cinco profissionais foram representados na Justiça pelo Departamento Jurídico do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol), a qual são filiados. O delegado Josafá e os quatro policiais foram afastados das funções devido a um processo na esfera criminal, pela acusação de ligação com o assassinato de um suspeito de tráfico de drogas.
Na Ação Ordinária número 0016929-18.2015.8.08.0024, o delegado Josafá da Silva e os investigadores José Geraldo da Vitória, Péricles Thadeu Salcides Gonçalves, Eduardo Ferrari Tápias e Welington Resinente de Paiva aduziram ainda que a decisão do Juízo da 4ª Vara Criminal da Serra não determinou a redução do subsídio dos autores, apenas seu afastamento. Alegaram também que o artigo 67, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº 3400/81 é inconstitucional e que a redução do subsídio viola princípios constitucionais como da legalidade, da presunção de inocência e do devido processo legal.
Em primeira instância, a ação foi julgada pela juíza Sayonara Couto Bittencourt, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que, em 12 de maio de 2016, reconheceu o direito dos cinco policiais civis. O grupo foi representado pelo advogado Alex Nascimento Ferreira, do Sindipol.
Na contestação, o Estado reconheceu não ser possível a suspensão do pagamento da remuneração do servidor afastado, porém esclareceu que a redução que ocorrera no vencimento dos policiais diz respeito, unicamente, às parcelas ligadas ao efetivo exercício da atividade pública, recebida a título de propter laborem. Assim, uma vez afastados, não possuem direito de receber tais parcelas. Mas este não foi o entendimento da Justiça.
“Ainda que se entendesse possível a redução das verbas proptem laborem enquanto afastado, por analogia, aos casos em que o servidor é afastado em virtude, por exemplo, o exercício de cargo eletivo, não assistiria razão ao estado réu, uma vez que, analisando os contracheques juntados, as quantias reduzidas foram exatamente o subsídio em si, e não verbas de caráter proptem laborem. Logo, é latente que a fundamentação lançada para o fito de reduzir o subsídio percebido pelos servidores afastados, o art. 67, III, da LCE nº 3.400/81, que diz o servidor terá a remuneração reduzida em caso de suspensão preventiva. De toda sorte, não se pode olvidar que a Constituição Federal possui supremacia em relação à outras normas infraconstitucionais, a qual estabelece, em seu art. 5º, inc. LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, consagrando-se, assim, o princípio da não culpabilidade”, descreve a juíza Sayonara Couto Bittencourt na sentença.
Ela diz mais: “A própria Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil e introduzido no país pelo Decreto nº 678/1992, consagra o princípio da presunção de inocência, quando diz, em seu art. 8ª, I, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
O Estado recorreu e no dia 18 de abril deste ano o Tribunal de Justiça publicou o acórdão em que os desembargadores, à unanimidade, acompanharam o voto da relatora do recurso, desembargadora Janete Vargas Simões. O Colegiado reconheceu o recurso, mas negou provimento.
1 – O artigo 67, inciso III, da Lei Estadual 3.400⁄81 (Estatuto da Polícia Civil) determina a perda de “metade do vencimento ou remuneração, durante o afastamento por motivo de prisão preventiva ou em flagrante; suspensão preventiva ou período excedente à suspensão preventiva, até a conclusão final do processo; pronúncia por crime comum; denúncia por crime funcional ou que pela natureza e configuração seja considerado infamante, de modo a incompatibilizar o servidor policial civil para o exercício funcional; ou, ainda, condenação por crime inafiançável em processo no qual não haja pronúncia”.
2. Não convém invocar respectiva norma, até porque os apelados encontram-se em situação distinta à qualquer das modalidades de prisões descritas no inciso III. Isto é, houve a determinação, pelo juízo criminal, de imposição de “medidas cautelares diversas da prisão”, e não alguma modalidade de prisão cautelar (preventiva, em flagrante, etc.), estas enquadradas no transcrito inciso.
3. Por ser norma que restringe direitos dos administrados, deve ser interpretada “cum grano salis”, evitando-se aplicações elásticas, sob pena de violação aos direitos fundamentais envolvidos. Precedentes STF e do TJES.
4. Em questão idêntica, o Tribunal Pleno do STF entendeu da seguinte forma: ¿ART. 2º DA LEI ESTADUAL 2.364⁄61 DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE DEU NOVA REDAÇÃO À LEI ESTADUAL 869⁄52, AUTORIZANDO A REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS PROCESSADOS CRIMINALMENTE. DISPOSITIVO NÃO-RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. RECURSO IMPROVIDO. I – A redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com o disposto nos arts. 5º, LVII, e 37, XV, da Constituição, que abrigam, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos. II – Norma estadual não-recepcionada pela atual Carta Magna, sendo irrelevante a previsão que nela se contém de devolução dos valores descontados em caso de absolvição. III – […] IV – Recurso extraordinário conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido.” (RE 482006).
5. Consoante a regra do art. 949, parágrafo único, do Código de Processo Civil, é desnecessária a submissão do processo ao Tribunal Pleno se já houve pronunciamento da questão pelo plenário do excelso Supremo Tribunal Federal.
6. Recurso conhecido e improvido. Remessa prejudicada.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos ACORDAM os Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, de conformidade com a ata e notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade, conhecer do recurso interposto e negar-lhe provimento, e, por igual votação, julgar prejudicada a remessa necessária, nos termos do voto da Relatora.”