Por sete votos a três, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam nesta quarta-feira (05/04) inconstitucional o direito de greve de servidores públicos de órgãos de segurança e decidiram proibir qualquer forma de paralisação nas carreiras policiais. O aquartelamento dos policiais militares no Espírito Santo, que durou 22 dias e provocou uma onda de violência no Estado – mais de 200 pessoas foram assassinadas no período –, serviu de exemplo para alguns ministros formarem opinião sobre o julgamento desta quarta-feira.
Embora tenha proibido as greves de policiais, a Suprema Corte também decidiu, por maioria, que o poder público terá, a partir de agora, a obrigação de participar de mediações criadas por entidades que representam servidores das carreiras de segurança pública para negociar interesses da categoria.
A decisão do STF terá a chamada repercussão geral, ou seja, deverá ser seguida, a partir de agora, por todas as instâncias da Justiça. A inconstitucionalidade das greves de policiais foi declarada no julgamento de um recurso apresentado pelo governo de Goiás contra uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado que havia considerado legal uma paralisação feita, em 2012, por policiais civis goianos.
No processo, diversas entidades se manifestaram contra a possibilidade de greve por agentes de segurança, com base no artigo 142 da Constituição Federal, que proíbe sindicalização e greve de integrantes das Forças Armadas.
Desde 2009, diversas decisões de ministros do STF consideraram ilegais as greves de policiais militares, civis e federais, sob o argumento de que representam risco para a segurança pública e para a manutenção da ordem.
A tese aprovada pelo STF para fins de repercussão geral aponta que “(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. (2) É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165 do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria”.
O recurso foi interposto pelo Estado de Goiás contra decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que, na análise de ação apresentada naquela instância pelo Estado contra o Sindicato dos Policiais Civis de Goiás (Sinpol/GO), garantiu o direito de greve à categoria por entender que a vedação por completo da greve aos policiais civis não foi feita porque esta não foi a escolha do legislador, e que não compete ao Judiciário, agindo como legislador originário, restringir tal direito.
O representante do sindicato salientou, durante o julgamento no Supremo, que os policiais civis do Goiás permaneceram cinco anos – entre 2005 e 2010 – sem a recomposição inflacionária de seus vencimentos, e que só conseguiram perceber devidamente a recomposição após greve realizada em 2014, o que mostra que a greve é o principal instrumento de reivindicação à disposição dos servidores públicos. Segundo o advogado, retirar o direito de greve desses servidores significa deixá-los à total mercê do arbítrio dos governadores de estado.
Quanto à vedação do exercício do direito de greve previsto constitucionalmente aos militares, o representante do sindicato defendeu que não se pode dar interpretação extensiva a normas restritivas presentes no texto constitucional.
A advogada-geral da União, Grace Mendonça, citou, em sua manifestação, greves realizadas recentemente por policiais civis nos estados de Goiás, no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, ocasiões em que houve um grande número de mandados de prisão não cumpridos e sensível aumento da criminalidade.
Para ela, esses fatos revelam que a paralisação de policiais civis atinge a essência, a própria razão de ser do Estado, que é a garantia da ordem pública, inserido no artigo 144 do texto constitucional como valor elevado.
Os serviços e atividades realizados pelos policiais civis, inclusive porque análogos à dos policiais militares, devem ser preservadas e praticadas em sua totalidade, não se revelando possível o direito de greve, concluiu, citando precedentes nesse sentido do próprio Supremo. Ela citou precedentes do Supremo nesse sentido, como a Reclamação 6568 e o Mandado de Injunção 670.
O mesmo entendimento foi manifestado em Plenário pelo vice-procurador-geral da República. Para ele, algumas atividades estatais não podem parar, por serem a própria representação do Estado. E entre essas atividades, se incluem as atividades de segurança pública, tanto interna quanto externa.
No julgamento desta quarta-feira, votaram para proibir as greves de policiais os ministros Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
Por outro lado, o relator do caso, ministro Edson Fachin, e os ministros Rosa Weber e Marco Aurélio Mello se manifestaram pela constitucionalidade das paralisações de policiais, desde que fossem impostos limites às greves. O ministro Celso de Mello não participou do julgamento.
Relator do recurso, o ministro Edson Fachin foi o primeiro magistrado a se manifestar no julgamento desta quarta. Ressaltando que o direito de greve estava diretamente relacionado à “liberdade de reunião e de expressão” prevista na Constituição, ele se posicionou favorável à legalidade dos movimentos grevistas de policiais civis, mas sugeriu que o tribunal determinasse limites e critérios às paralisações.
Entre as regras defendidas por Fachin para que os policiais tivessem assegurado o direito à greve estavam a prévia comunicação do movimento ao Judiciário, a definição de um percentual mínimo de servidores que deveriam ser mantidos em suas funções e o corte de ponto, desde que a motivação da greve não fosse o atraso no pagamento dos vencimentos.
“Com o devida vênia do entendimento esboçado nesses precedentes, em meu modo de ver, a solução para o presente caso pode e deve ser diversa. Embora a restrição do direito de greve a policiais civis possa ser medida necessária adequada à proteção do devido interesse público, na garantia da segurança pública, a proibição completa do exercício do direito de greve acaba por inviabilizar o gozo de um direito fundamental”, defendeu o relator.
Ao votar na sequência de Fachin, o ministro Alexandre de Moraes – que já atuou como ministro da Justiça e secretário de Segurança Pública de São Paulo – discordou da recomendação do relator pela legalidade dos movimentos de policiais civis e abriu uma divergência.
O mais novo magistrado do Supremo defendeu que o Tribunal declarasse a inconstitucionalidade de todas as paralisações de servidores públicos de órgãos de segurança, conforme está previsto no artigo 144 da Constituição.
A carta constitucional classifica como integrantes dessas carreiras, além dos policiais civis e militares, os policiais federais, policiais rodoviários federais e bombeiros militares. Em meio a sua fala, Alexandre de Moraes comparou um Estado em que a polícia está em greve a um Estado anárquico.
“Não é possível que braço armado do Estado queira fazer greve. Ninguém obriga alguém a entrar no serviço público. Ninguém obriga a ficar”, ressaltou o ministro. “É o braço armado do Estado. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é um Estado anárquico. A Constituição não permite”, complementou Moraes.
Nos primeiros meses do ano, alguns estados brasileiros enfrentaram greves de policiais. Uma das que tiveram maior repercussão foi a dos policiais militares no Espírito Santo. O Estado ficou sem Polícia Militar nas ruas por 22 dias, em fevereiro, por causa do protesto de familiares na porta de batalhões. Nas ocupações, as mulheres dos policiais alegavam que eram elas que estavam no comando da paralisação. Mas, para as autoridades, essa era uma tentativa de encobrir o que, supostamente, seria um motim dos PMs.
Durante a paralisação dos policiais capixabas, aumentaram os índices de mortes violentas no estado e houve dias em que o comércio deixou de funcionar com medo da insegurança. O caso do Espírito Santo serviu para alguns ministros formarem opinião sobre o julgamento desta quarta.
Também em fevereiro, parentes de policiais militares no Rio de Janeiro iniciaram um movimento como o do Espírito Santo. A Polícia Civil e os bombeiros do Estado também fizeram paralisações no período.
(Com informações do G1 e do Portal do STF)