Reportagem publicada no jornal Estadão deste sábado (25/02) revela que um grupo político ligado ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) esteve na linha de frente da comunicação e da logística do aquartelamento de policiais militares do Espírito Santo, iniciado no dia 3 deste mês, quando um grupo de familiares de policiais bloqueou a entrada da sede da 2ª Companhia do 6º Batalhão da PM, no bairro Feu Rosa, na Serra. No dia seguinte, o bloqueio se estendeu para todo o Estado, dando início ao aquartelamento.
O jornal informa que, com ajuda de especialistas, fez levantamento de informações em redes sociais, “utilizadas pelos líderes do movimento paredista para espalhar terror entre a população.” De acordo com o Estadão, “entre os nomes que constam desta rede de apoio estão o ex-deputado federal Capitão Assumção e o deputado federal Carlos Manato (SD-ES), aliados de Bolsonaro” no Espírito Santo.
Ainda segundo a publicação, a Polícia Federal investiga a origem do movimento, que durou de 4 a 14 de fevereiro, período em que ocorreram 181 homicídios na Grande Vitória e em cidades do interior. Um relatório parcial da PF, de 17 de fevereiro, ao qual a reportagem do Estadão teve acesso, cita os nomes de Assumção, de Manato e de assessores. “O documento alerta para a possibilidade de falta de policiais nas ruas de Vitória durante o carnaval. A paralisação dos militares é considerada ilegal e mais de mil agentes da corporação estão sendo processados”, diz a reportagem.
O Estadão informa ter identificado uma “intensa troca de mensagens entre pessoas ligadas ao grupo, influente na PM capixaba”. O levantamento coletou informações produzidas por internautas e rastreou as interações de pessoas e entidades. Para isso, teve a ajuda de uma equipe formada por mestres e doutores nas áreas de Sociologia e Comunicação Digital.
De acordo com o jornal paulista, “publicações do próprio Bolsonaro atingiram recordes de visualizações nos dez dias de paralisação. Apenas um vídeo divulgado pelo deputado no dia 6 de fevereiro, terceiro dia do motim, foi visualizado por 2 milhões de pessoas. Nele, Bolsonaro critica o governo do Estado, defende a polícia, alerta para a possibilidade de o movimento se espalhar para outros Estados.”
A comunicação nas redes sociais antecedeu a presença massiva de familiares dos policiais na frente dos batalhões da Polícia Militar, um cenário que ganhou corpo a partir da manhã do sábado, dia 4. Segundo o Estadão, no dia anterior, sexta-feira (03/02), “o ex-deputado Capitão Assumção, braço direito de Bolsonaro no debate de segurança pública na Câmara entre 2009 e 2011,” teria divulgado no Facebook “uma lista de reivindicações da categoria e as primeiras imagens de mulheres que faziam protesto na frente” da Companhia de Feu Rosa, Serra.
“Já que os militares não podem se manifestar, os familiares estão fazendo por eles”, escreveu. O post teve quase 300 mil compartilhamentos, segundo o Estadão.
O jornal também cita outras pessoas ligadas à Polícia Militar na suposta “teia montada pelo deputado Jair Bolsonaro”. Um deles é o soldado desligado Walter Matias Lopes e a esposa dele, que seria funcionária comissionada do gabinete de Carlos Manato, que é pré-candidato ao governo do Espírito Santo com o argumento de que, assim, dará palanque a Bolsonaro.
O deputado Bolsonaro e o Capitão Assumção, procurados pelo Estadão, não se manifestaram. O ex-PM Matias disse ao jornal paulista que foi apenas um “espectador”. E garantiu: “Não sou líder nem cabeça de movimento. Nem eu nem a minha companheira. Estou servindo apenas de mediador de um conflito.
Ao Estadão, o deputado federal Carlos Manato (SD-ES) negou ter incentivado o movimento que parou a Polícia Militar do Espírito Santo, Garantiu que ficou neutro tanto antes quanto durante os protestos. Afirmou ainda que não lucrou politicamente com a crise na segurança. Defensor do armamento da população, ele apresentou projeto de anistia dos policiais e mostrou uma mensagem por WhatsApp em que o deputado federal Jair Bolsonaro confirma a aliança nas próximas eleições.
Secretário de Controle e Transparência aponta ação do poder econômico e político no motim dos militares
Sobre o assunto denunciado pelo Estadão, a Rádio CBN Vitória entrevistou, na manhã deste sábado, o secretário de Estado de Controle e Transparência, Eugênio Ricas, que é delegado de Polícia Federal licenciado. Ele afirmou que grupos políticos e econômicos estariam por trás do aquartelamento e do movimento de bloqueio das unidades da PM realizado pelas esposas e familiares dos policiais militares.
Segundo Eugênio Ricas, o caos instalado na segurança pública por conta da “greve” dos policiais provocou uma onda de assassinatos – foram mais de 200 até este sábado. Com o crescimento da violência, de acordo com o secretário, defensores do desarmamento voltaram a se articular nas redes sociais, defendendo que, sem polícia nas ruas, o população teria o direito de se armar, o que fortaleceria as indústrias brasileiras fabricantes de armas.
De acordo com o secretário, investigações monitoradas pelos órgãos de Inteligência do Estado apontam que 80% do que foi publicado nas redes sociais durante o aquartelamento dos policiais militares, “principalmente os boatos”, têm ligação com um grupo articulado que usou o movimento para fins políticos e econômicos. As investigações mostram ainda que essas publicações vieram de fora do Espírito Santo, ou até mesmo de outros países.
“Está sendo feita uma análise profunda de Inteligência, de mídias sociais, desde o começo do movimento. Ela mostra que 80% desse terrorismo digital, uma ação idêntica à Al-Qaeda, um terrorismo fundamentalista, veio de fora do Estado, e até de outros Países. Isso é um indicador importante, que demonstra de forma clara dois interesses: um interesse político forte, e interesse econômico, ligado à indústria de armas”, explicou Eugênio Ricas.
“O que eles provocaram foi um verdadeiro terrorismo digital na população, espalhando boatos pelas redes sociais. Criando situações de pânico para a sociedade. Isso é terrorismo e quem comete terrorismo, no Brasil, tem de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional”, defendeu o secretário na entrevista à CBN.
Para Eugênio Ricas, a maioria dos policiais e seus familiares podem ter sido usados pelo “poder econômico e político” para promoverem o aquartelamento, o que fez crescer assustadoramente o número de homicídios, abrindo espaço para quem é a favor do desarmamento, brigar por mudanças no Estatuto do Desarmamento, em vigor no Brasil desde dezembro de 2003.
“Todas essas pessoas, que espalharam terror na população, instigando a violência, serão investigadas”, garantiu Eugênio Ricas.