Relatório do Departamento de Inteligência da Polícia Federal, obtido com exclusividade pelo Blog do Elimar Côrtes, revela com riquezas de detalhes que políticos, servidores públicos e empresários implantaram no Espírito Santo, em 2009, o mesmo esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato cinco anos depois. A base do grupo foi Presidente Kennedy, município localizado no Sul do Estado, mas se espalhou para outras regiões.
No dia 17 de março de 2014, a Polícia Federal deflagrou a operação que viria a ser conhecida como Lava Jato, unificando quatro investigações que apuravam a prática de crimes financeiros e desvio de recursos públicos, sobretudo da Petrobras. As operações receberam os nomes de Dolce Vita, Bidone, Casablanca e Lava Jato.
Enquanto as três primeiras correspondem a títulos de filmes clássicos, escolhidos de acordo com o perfil individual de cada doleiro, o nome Lava Jato faz referência a uma rede de lavanderias e um posto de combustíveis de Brasília que era utilizado por uma das organizações criminosas investigadas inicialmente para movimentar dinheiro ilícito.
Apesar de ter um baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), falta de asfalto nas ruas e problemas de saneamento básico, Presidente Kennedy tem uma conta bancária invejável: R$ 1,1 bilhão, oriundos de royalties do petróleo. Dados são de janeiro de 2016.
O município, que tem pouco mais de 11 mil habitantes, recebeu R$ 288,13 milhões em 2014 de royalties, segundo dados do último anuário Finanças dos Municípios Capixabas. O valor em caixa atualmente corresponde à arrecadação de royalties de todos os municípios do Estado em 2014.
É nesse cenário de riqueza que políticos e empreiteiros construíram o seu império. De acordo com relatório da Polícia Federal, em 19 de dezembro de 2011, quatro meses antes da deflagração da Operação Lee Oswald, Presidente Kennedy liderava o ranking dos municípios capixabas que mais recebiam dinheiro dos royalties do petróleo: R$ 98.412.010,09. No cômputo nacional, Presidente Kennedy ficava entre Sergipe (sexta posição) e Amazonas.
Até mesmo o então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), Delúbio Soares de Castro, teria participado do esquema fraudulento, ajudando a trazer para o Espírito Santo empreiteiras que ganharam a vender serviços para municípios por meio de licitação fraudulenta. Delúbio se encontra preso respondendo a processo pela acusação de receber propina no esquema do Petrolão.
O nome de Delúbio Soares e de outros políticos capixabas e empreiteiros surge no Procedimento Criminal número 100120002314, que teve como origem o Inquérito Policial nº 502/2011, instaurado pela Superintendência Regional da Polícia Federal. Com a conclusão desse procedimento, foi realizada a primeira fase da Operação Lee Oswald, no dia 19 de abril de 2012, quando a PF cumpriu 13 mandatos de prisões preventivas e 15 de prisões temporárias – além de 51 mandados de busca e apreensão.
A ação ocorreu em Presidente Kennedy e teve como objetivo desarticular uma organização criminosa responsável por fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de verbas, além de pagamentos indevidos em contratos de serviços e compra de materiais no Espírito Santo. Foi identificado na época desvio de R$ 50 milhões. Dentre os presos, estava o então prefeito de Presidente Kennedy, Reginaldo dos Santos Quinta.
Parte dos réus presos nessa primeira etapa da operação – incluindo Reginaldo Quinta – responde pelas denúncias nos autos do processo número 0000907-96.2013.8.08.0041, que, desde o dia 29 de outubro deste ano, passou a tramitar em segredo de Justiça, por ordem do juiz Marcelo Jones de Souza Noto, da Vara única da Comarca de Presidente Kennedy.
Naquela mesma segunda quinzena de abril de 2012, seguindo o roteiro estabelecido previamente, seria realizada a segunda fase da operação Lee Oswald. Nesta fase, um dos alvos seria Delúbio Soares. Também seriam presas outras personalidades capixabas, como ex-secretários de Estado, políticos, empresários e servidores públicos.
Entretanto, por pressão de políticos capixabas, o então ministro da Justiça, o petista José Eduardo Cardozo, recuou e não enviou ao Espírito Santo a Força Tarefa que a Polícia Federal necessitava para dar continuidade às investigações.
De acordo com o relatório da Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União, por meio do escritório no Espírito Santo, prestou “uma inestimável colaboração técnica na identificação das fraudes a partir de análise do material encaminhado pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo.”
Ainda segundo a PF, no início das investigações, a meta principal dos trabalhos se concentrou nos procedimentos encaminhados pelo MPES em razão das suspeitas decorrentes das denúncias formuladas e de novos elementos que surgiram no curso da investigação.
Sendo assim, foram analisados 21 procedimentos, com empresas que atuavam no ramo de assessoria técnica; coleta de lixo; locação de serviços e equipamentos de informática; equipamentos industriais; locação de coletores de dados; paisagismo; matérias de expedição e consumo; equipamentos de informática, ar condicionado, vestuários, materiais e equipamentos; alimentação; locação de retroescavadeira; limpeza de fossa; fornecimento de matérias de limpeza e higiene; materiais elétricos; motoristas; combustíveis; e serviço de apoio administrativo.
O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares está no centro de graves denúncias de corrupção, após o julgamento do escândalo do mensalão. No dia 30 de março de 2006, a Procuradoria-Geral da República denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF) 40 integrantes do mensalão. Os líderes do grupo, já condenados, foram José Dirceu, José Genoino, Delúbio e Sílvio Pereira.
Delúbio teve também eu nome envolvido na chamada Máfia dos Sanguessugas. Em 2004 a, Polícia Federal descobriu uma organização criminosa criada em 1998 cujo esquema, apelidado Máfia dos Vampiros ou Sanguessugas, envolvia empresários, grupos de pressão, funcionários do Ministério da Saúde e deputados. Tinham desfalcado o Ministério da Saúde em cerca de dois bilhões de reais através dum esquema de faturas falsas e licitações fraudulentas.
A estratégia era sempre a mesma: as prefeituras recebiam recursos da União, a partir de emendas parlamentares, e direcionavam as licitações para garantir o superfaturamento na aquisição do material.
Finalmente, em 12 de maio de 2016, a Justiça Federal aceitou a denúncia do Ministério Público Federal, e Delúbio virou réu na Operação Lava Jato, pelo crime de lavagem de dinheiro. O nome dele aparece na Operação Lee Oswald a partir do momento em que o dono de uma empresas de sistemas de tecnologia passa a fornecer produtos para a Prefeitura de Presidente Kennedy.
Identificado aqui apenas por Jurandy, o autor das fraudes abriu uma empresa de fachada em Cachoeiro de Itapemirim. As primeiras evidências de fraude envolvendo a empresas surgiram, segundo relatório da Polícia Federal, com a confirmação de que a empresa não estava instalada e em funcionamento no endereço indicado: Rua João Pereira dos Santos Filho, nº 19, bairro Amarelo, Cachoeiro.
“Em diligência realizada in loco com o propósito de confirmar o endereço informado nos contratos firmados entre a empresa e o Poder Executivo Municipal (Presidente Kennedy), a equipe policial encontrou um terreno baldio no local onde supostamente seria a sede da empresa. Em entrevista a moradores da Rua João Pereira dos Santos Filho, estes declararam nunca ter ouvido falar de tal empresa”, diz trecho do relatório da PF.
Esta mesma empresa firmou contrato também com o município de Anchieta. Seu proprietário, Jurandy, contava com a ajuda de um deputado federal, que lhe apresentou a Delúbio Soares. Para sacramentar mais contratos com municípios capixabas e em Goiás, terra de Delúbio, Jurandy se encontrou com o ex-tesoureiro do PT no Restaurante 14 Bis, no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, conforme apurado pela Inteligência da Polícia Federal.
O mesmo relatório da Polícia Federal traz transcrições de interceptações telefônicas, autorizadas pela Justiça, em que Delúbio Soares sugere a instalação em terras capixabas do mesmo esquema de favorecimento de empresas, por meio de licitações em prefeituras, como se verificou posteriormente no Petrolão. O mesmo esquema teria sido implantado em Goiás. Nas conversas, há citações a nomes de importantes figuras capixabas, favorecidos com pagamento.