A denúncia recente de agressão sofrida pela atriz e ex-modelo Luiza Brunet demonstra que a violência contra a mulher não escolhe classe social. Está presente na vida de milhares de brasileiras que enfrentam o machismo e a força bruta de seus companheiros, pais, irmãos, vizinhos e desconhecidos.
Há dez anos, com amplo apoio da sociedade, foi sancionada a lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, com o propósito de punir os autores das agressões e dar um basta à situação de violência contra as mulheres.
Agora, entretanto, em meio ao caos político, o Congresso parece querer dar um passo atrás. Tramita no Senado o PLC (Projeto de Lei Complementar) 7/2016, que confere aos delegados de polícia e a outros agentes policiais a possibilidade, antes exclusiva do Judiciário, de expedir medidas protetivas às mulheres vítimas de violência.
Segundo o projeto, o delegado deverá informar ao juiz as medidas que deferir. Não fica claro, contudo, o que ocorrerá se o delegado indeferir o pedido e entender que não são necessárias as providências. Nessa situação, há o sério risco de os pedidos das vítimas não chegarem ao Poder Judiciário.
Na prática, a notícia da violência doméstica é registrada na Delegacia de Polícia. Portanto, será a polícia quem deferirá, ou não, todas as medidas protetivas de urgência, ficando o Poder Judiciário na posição de mero homologador de decisões policiais que lhe forem encaminhadas. Ou seja, não se acelera, se cria uma nova instância burocrática.
Com esse acréscimo de funções (decisão e intimação do agressor), a polícia perderá sua força de trabalho, deixando de realizar investigações criminais e gerando mais impunidade.
Todos possuem uma função importante e definida no sistema previsto na Lei Maria da Penha. Se cada um desempenhar bem seu papel, como já regulamentado, a mulher estará protegida.
Há de se destacar que a proposta funda-se na falsa premissa de ser o Poder Judiciário lento ou omisso no deferimento das medidas protetivas de urgência, contrariando evidências incontestáveis de seu grande engajamento na luta contra a violência doméstica e familiar.
O PLC 7/2016 apresenta em sua formulação o conceito sedutor de compromisso com a defesa das mulheres, enquanto, na verdade, desfigura o sistema processual de proteção aos direitos fundamentais, revelando o seu caráter profundamente inconstitucional.
Infelizmente, a primeira alteração na Lei Maria da Penha, depois de dez anos, não traz o compromisso do aprimoramento, e sim a submissão a interesses corporativos de valorização da carreira policial.
As mulheres necessitam, na realidade, de medidas reais que aumentem sua proteção. Mudanças positivas na Maria da Penha seriam bem outras, como políticas públicas eficazes, a interiorização das Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres e a difusão nos diversos municípios do botão de pânico para as vítimas e de tornozeleiras eletrônicas para os agressores, proporcionando efetivo acompanhamento pela autoridade policial.
A mudança proposta é um verdadeiro desrespeito à luta histórica pela afirmação dos direitos das mulheres e a tudo o que representa a Lei Maria da Penha. Não se deve permitir que uma causa legítima seja maculada por fins escusos.
(NORMA ANGÉLICA REIS CARDOSO CAVALCANTI, promotora de Justiça, é presidente da Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Atuou na Vara de Tóxicos e Entorpecentes de Salvador e foi coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias Criminais da Bahia)
Nota do Blogueiro:
Como diz a doutor Norma Cavalcanti, o Projeto de Lei que tramita no Congresso é um passo atrás na Lei Maria da Penha. As Delegacias da Mulher pelo Brasil são sem estrutura. Relato aqui uma história que ilustra parte da realidade no Espírito Santo.
Em meados do ano passado, fui visitar, com um amigo advogado, a Delegacia da Mulher da Serra, em Laranjeiras. Fui surpreendido por uma mulher que por foi a delegacia, com o filho de dois anos no colo, atender a uma intimação da delegada. Tratava-se, na ocasião,da primeira vez que a DP da Mulher lhe havia intimado para prestar depoimento a respeito de uma queixa que ela fizera contra o ex-marido – queixa de ameaça.
Com o filho no colo, a mulher me olhou e disse: “Essa intimação perdeu a validade. Prestei queixa há três anos atrás. Nesse período, me divorciei de meu ex-marido, hoje nos damos até bem, mas me casei de novo. Do segundo casamento, tenho agora um filho de dois anos. Meu ex-marido também se cassou e esquecemos tudo que sofremos juntos. Será que é assim mesmo: somos chamados para prestar depoimento três anos depois que prestamos uma queixa?”, indagou a moça.
Claro que a demora de até três anos para uma vítima ser ouvida (pelo menos no caso acima) não é culpa da Autoridade Policial. As Delegacias da Mulher estão abarrotadas de Boletins de Ocorrências e Inquéritos Policiais, pois a demanda é muito grande. Por outro lado, todavia, há de se reconhecer a falta de estrutura das Delegacias.
Portanto, fica a indagação: Será que essa mesma Polícia Civil que demora três anos para ouvir o primeiro depoimento de uma vítima de violência doméstica tem condições de fazer também o papel de juiz e expedir medidas protetivas às mulheres vítimas de violência?