Na última quarta-feira (13/07), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 26 anos de implantação no Brasil. Para celebrar a data, a promotora de Justiça Andrea Teixeira de Souza, dirigente do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAIJ) do Ministério Público do Estado do Espírito Santo e coordenadora da Comissão Permanente da Infância e Juventude (COPEIJ) do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), fez uma série de comentários sobre o ECA e o trabalho do MPE/ES em defesa do cumprimento do Estatuto.
Dirigente do CAIJ desde 2013 e Titular da 5ª Promotoria da Infância e Juventude de Vitória, Andrea Teixeira de Souza destaca que uma das conquistas importantes para a causa da infância se deu com a alteração do Estatuto, em março deste ano, com a entrada em vigor da Lei 13.257/2016 que dispõe sobre políticas públicas para a Primeira Infância.
“A Lei da Primeira Infância determina um conjunto de ações para o início da vida, entre zero e seis anos de idade. Ela chama a atenção para a prioridade da adoção de políticas públicas para essas crianças, que estão na fase de desenvolver as primeiras habilidades. São políticas elaboradas pelo Estado Brasileiro, que têm de ser aplicadas pelos Municípios, Estados e União”, pontua a promotora de Justiça Andrea de Souza.
Por uma DPCA com melhor estrutura
Uma das lutas do Ministério Público Estadual é fazer com que o Executivo Estadual implemente as diretrizes trazidas pelo ECA, especialmente no tocante à proteção. Um exemplo que pode ser citado é a luta pela estruturação da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA, da Polícia Civil), com recursos humanos e condições físicas adequadas.
Atualmente, existe somente uma DPCA no Espírito Santo, localizada no bairro Jucutuquara, em Vitória. Em 5 de fevereiro de 2013, o juiz Manoel Cruz Doval, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, julgou a Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Estadual, e condenou o Governo do Espírito Santo a criar e manter novas quatro Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), na Grande Vitória.
Salientou o magistrado que a decisão tinha “o objetivo de evitar que aconteçam prejuízos na apuração de crimes praticados contra menores de idade.” O Estado recorreu e, em 28 de julho de 2015, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reformou a decisão de primeiro grau.
“O Tribunal julgou a ação favorável ao Estado, mas ainda pende de apreciação apelação adesiva interposta pelo Ministério Público. A Polícia Civil precisa de estar equipada para dar celeridade às investigações e oferecer melhores condições de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de crimes – sobretudo relativos a abusos sexuais –, assim como aos familiares que os acompanham à DPCA. Entendemos que o Estado não vem adotando medidas adequadas de proteção à apuração de crimes contra crianças e adolescentes, pois faltam condições estruturais e recursos humanos na única delegacia especializada para atender todas as ocorrências da Grande Vitória. Assim, o descumprimento das políticas públicas violam o artigo 277 da Constituição Federal e os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantem, de forma prioritária, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes”, pontua Andrea Teixeira de Souza.
Entidades de acolhimento e unidades de internação fiscalizadas
O Ministério Público, por meio do CAIJ, desenvolve outras ações que visam à adequação da estruturação das entidades de acolhimento em todo o Estado. Também empreende esforços para apoiar a fiscalização das 11 unidades de internação e duas casas de semiliberdade do Espírito Santo, onde ficam os adolescentes em conflito com a lei já processados pelos Juízos das Varas da Infância e da Juventude.
“Tramitam judicialmente hoje mais de 20 ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Estadual, com o objetivo de buscar a adequação de políticas públicas no sistema socioeducativo do Espírito Santo. Cabe a nós, do MP, a fiscalização da correta aplicação da Lei 12.594/2012 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase. Referida lei busca a articulação das políticas setoriais básicas, como Assistência Social, Saúde, Educação, Cultura e outras, para assegurar efetividade e eficácia na execução das Medidas Socioeducativas de Meio Aberto, de Privação e Restrição de Liberdade, aplicadas ao adolescente em conflito com a lei. Tudo tem de ser feito para que, ao cometer o primeiro ato infracional, o adolescente receba um atendimento no sentido de não reincidir ”, esclarece a promotora de Justiça Andrea de Souza.
Apoio aos promotores de Justiça do interior
Outro projeto em ação é, de acordo com a dirigente do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAIJ), dar apoio aos promotores de Justiça na fiscalização do cumprimento das Medidas Socioeducativas de Meio Aberto.
De acordo com a Lei do Sinase, é de responsabilidade dos Municípios (prefeituras) a construção de centros – onde adolescentes em conflito com lei que tenham cometido atos infracionais considerados menos graves possam receber atendimento socioeducativo durante o dia. “No Espírito Santo, os municípios ainda precisam de envidar esforços no sentido de fortalecer a execução das medidas em meio aberto”.
Para ela, os 26 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente significam “um marco para o País”. À pergunta “se é para comemorar?”, ela responde: “O Estatuto trouxe, sem dúvida, muitas inovações, mas lamentamos que ainda não esteja sendo cumprido em sua totalidade pelos entes públicos; é cumprido de maneira parcial”.
Análise sobre a proposta de redução da maioridade penal
Outro tema abordado pela promotora de Justiça Andrea de Souza é a redução da maioridade penal, já aprovada pela Câmara Federal e por uma das comissões do Senado. A Proposta de Emenda Constitucional reduz de 18 para 16 anos a idade de responsabilização penal.
“A maioria dos profissionais que atuam na área da Infância e Juventude entende que a redução da maioridade penal não vai resolver o problema do envolvimento de adolescentes em atos infracionais”, afirma ela.
Em artigo publicado recentemente, Andrea Teixeira de Souza destaca que o raciocínio para se reduzir a maioridade penal no Brasil “baseia-se na falsa premissa de que adolescentes, mesmo que cometam atos infracionais, estariam isentos de responsabilização pelo Estado”.
Não é bem assim, segundo ela, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas socioeducativas restritivas de direito, como reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida; e restritivas de liberdade (semiliberdade e internação) a ser aplicadas aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade, em caso de cometimento de ato infracional.
De acordo com a promotora de Justiça, da totalidade de crimes praticados no Brasil, “menos de 10% são praticados por adolescentes. Além disso, a população de adolescentes representa representa 15% do total da população brasileira. Logo, a grande maioria dos atos de violência é praticada por adultos.”
Para Andrea de Souza, “no tocante aos adolescentes que cometem atos infracionais, é extremamente importante que a medida socioeducativa aplicada seja executada adequadamente para que se consiga acompanhar o desenvolvimento escolar, vida social e, conforme o caso, facilitar a inserção do adolescente em mercado de trabalho.”
Prossegue Andrea Teixeira de Souza: “Um atendimento socioeducativo de qualidade requer uma resposta estatal rápida que permita ao adolescente ter acesso à escolarização, profissionalização, serviços de saúde, cultura, esporte e lazer, sem esquecer o trabalho que deve ser desenvolvido com a família, independentemente de a medida imposta ser executada em meio aberto ou fechado. Neste diapasão, imprescindível o fortalecimento de cada integrante do sistema de garantias de direitos da criança e adolescente, quais sejam: Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos, Centros de Referência Especializados de Assistência Social e outros equipamentos.”
Por fim, de acordo com Andrea de Souza, “não se pode olvidar que a efetiva implementação de políticas públicas voltadas para Educação e Saúde, aplicadas com a maior abrangência possível, deve ser o primeiro passo para o enfrentamento da violência urbana e, consequentemente, para se chegar à redução da criminalidade.”