O surgimento de uma Constituição marca o nascimento de uma nova nação mesmo que histórica e geograficamente o país seja o mesmo. A nossa Constituição Federal de 1988 é fruto dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 convocada por meio de Emenda Constitucional onde os constituintes que lá trabalharam representavam os anseios de mudança do povo brasileiro e foram eleitos para tal desiderato.
Os parlamentares escolhidos pelo voto popular representavam as gerações que lutaram no período do governo militar e que desejavam mudanças no sistema político-partidário brasileiro, oriundos dos movimentos estudantis, sociais e de trabalhadores.
Os constituintes, entre os direitos e garantias fundamentais, inseriram no texto constitucional “Art. 5º, XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Essa notificação não representa qualquer tipo de restrição ao direito constitucional, ao contrário serve para regular a vida das cidades, como, por exemplo, disciplinar o trânsito.
O direito de reunião faz parte do catálogo das liberdades civis que constam da primeira dimensão dos direitos fundamentais e que impõe uma não intervenção do Estado na vida dos cidadãos.
Os direitos de primeira dimensão são aqueles que consagram os meios de defesa de liberdade do indivíduo, exigindo que não haja abusivas ingerências dos Poderes Públicos na vida privada dos cidadãos.
As manifestações que vêm tomando as ruas no País trazem um debate jurídico entre o direito de reunião/manifestação e o direito de ir e vir/propriedade do cidadão.
A doutrina constitucionalista pátria, bem como as decisões do Supremo Tribunal Federal, enfatizam a relatividade dos direitos fundamentais, não os considerando mais como absolutos e incontestes, pois na solução do conflito entre direitos fundamentais preponderará o sopesamento entre os bens jurídicos envolvidos, devendo-se prevalecer o maior interesse da sociedade, essa ponderação observará o princípio da proporcionalidade e os seus requisitos de aplicabilidade.
Desde o ano de 2012 acompanhamos esse conflito nas manifestações de rua do ‘Movimento Passe Livre (MPL)’ e do ‘Movimento Vem Prá Rua’, entrementes uma aparente diferença existe entre eles.
Primeiramente vimos uma manifestação popular na cidade de Vitória com mais de cem mil pessoas e sem contabilizarmos atos de vandalismos ou violência contra o patrimônio público ou particular.
De outro lado, em outra manifestação com menos pessoas ocorreu à depredação do Palácio Anchieta – patrimônio histórico e cultural do povo capixaba.
Em nenhum momento esse texto quer ser contra qualquer manifestação popular ou contra as justas reivindicações, mas não se pode concordar que, em nome da defesa do direito fundamental de reunião/manifestação seus participantes agridam o patrimônio público ou particular ou ainda, tragam todo tipo de transtornos para aqueles cidadãos que querem exercer seu direito fundamental de ir e vir e são impedidos de cumprir os seus compromissos por conta dessas ações.
A ponderação, muito mais que uma decisão jurídica, passa pelo bom senso das pessoas envolvidas nas manifestações que, sabendo da importância de suas reivindicações devem sopesar, a necessidade de se respeitar o direito de ir e vir dos cidadãos para que tenhamos uma convivência harmônica e pacifica em sociedade.
Por fim, é importante frisar que a ação policial só é necessária no Estado de Direito quando existe abuso de uma das partes, pois a Polícia Militar encontra-se nas manifestações para justamente garantir o direito dos cidadãos.
(Rogério Fernandes Lima, Major da Polícia Militar, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública e presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo – Clube dos Oficiais/Assomes.)