Em decisão tomada na tarde deste sábado (21/11), o juiz Rodrigo Reiff Botelho, da 3ª Vara Federal Cível da Justiça Federal de Vitória, manteve a Ação Cível Pública movida pelo Ministério Público Federal no Espírito Santo contra a Samarco com o objetivo de prevenir que os danos ambientais decorrentes do rompimento das barragens de Fundão e Santarém – no município de Mariana, em Minas Gerais –, de responsabilidade da mineradora, ocorrido no dia 5 deste mês, se estendam ao litoral capixaba, implicando danos maiores e irreversíveis ao ecossistema marinho.
Dentro do processo, usando de eufemismo, a Samarco chama de “pluma de turbidez” a avalanche de lama de minério que desceu – por conta do rompimento das barragens de ser reservatório de resíduos de minérios em Mariana – para o Rio Doce e que já chegou ao litoral do Espírito Santo neste sábado.
Ao mesmo tempo, o magistrado determinou a realização de uma Audiência Pública Especial, a se realizar na terça-feira (24/11), às 14h30, no auditório da sede da Justiça Federal em Vitória, na avenida Beira-Mar, “para fins de complementação do plano e melhor esclarecimento das ações até então realizadas”. Já foram intimados para a audiência pública a Samarco, o “Secretário de Estado de Meio Ambiente, o Secretário Municipal de Meio Ambiente de Linhares, representantes técnicos da ICMBio, do IBAMA e do IEMA, representantes do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho que integram a Comissão de Monitoramento do Termo de Compromisso Ambiental Preliminar, integrantes da Procuradoria da União e da Procuradoria Federal (esta representando IBAMA e ICMBio), além da Procuradoria do Estado do Espírito Santo e Procuradoria do Município de Linhares, e obviamente o órgão ministerial atuante no presente feito.”
O juiz federal Rodrigo Reiff Botelho esclarece na decisão deste sábado, dentro dos autos de número 0133761-45.2015.4.02.5001, que a Samarco S/A apresentou à Justiça Federal relatório das atividades até então por ela desenvolvidas, conjuntamente com outros órgãos, no sentido de se prevenir ou mitigar os danos ambientais e sociais provocados pelo escoamento da onda de lama e resíduos ao longo do leito do Rio Doce rumo ao mar. Além da tragédia ambiental, o rompimento das barragens da Samarco matou dezenas de pessoas.
A empresa requereu, também, a suspensão do processo, alegando que seu objeto já estaria contemplado no plano de emergência, contenção e mitigação dos danos ambientais já elaborado e posto em prática em decorrência de Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar assinado entre a Samarco e o próprio Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho, no último dia 15 de novembro.
Entendeu a empresa que o Termo de Compromisso, por ser mais abrangente do que o objeto da presente ação civil pública, já contemplaria as medidas de emergência, contenção e contingência para se mitigar os danos ambientais decorrentes da lama e resíduos e respectiva pluma de turbidez.
Por sua vez, o Ministério Público Federal discordou do pedido, “aduzindo não ter esta (Samarco) cumprido tempestivamente a determinação deste Juízo e requerendo a aplicação da multa”.
Magistrado diz que só Justiça Federal é competente para julgar caso do Rio Doce
Ao iniciar o exame das alegações, o juiz Rodrigo Reiff Botelho faz questão de não tecer “algumas considerações e esclarecimentos acerca da decisão anteriormente por mim proferida”. Inicialmente, ele lembra “a todos que a Justiça Federal é a única competente para conhecer e julgar demandas relacionadas aos impactos ambientais ocorridos e por ocorrer sobre o ecossistema do Rio Doce, sua foz e sobre a área costeira”.
E ensina: “Considerando que o referido rio é federal (art.20, inciso III CF) e que o mar territorial e praias costeiras também são bens federais (art.20 IV, V e VI CF) há interesse direto da União, IBAMA, ICMBio em toda e qualquer causa judicial relacionada ao assunto. Logo, e isso deveria ser óbvio a todo operador do Direito, é inócua qualquer decisão proferida pela Justiça Estadual acerca do aspecto puramente ambiental do desastre sobre o rio e o mar costeiro, posto que absolutamente incompetente”.
O juiz Federal diz mais: “Quanto aos aspectos humanos, sociais e econômicos da tragédia (tal como ressarcimento a vítimas e familiares, crise no abastecimento hídrico, combate a abuso de preços etc), não há dúvidas acerca da competência da Justiça Estadual e, por conseguinte, incompetência da Justiça Federal.”
Rodrigo Botelho pontua: “Aliás, é importante divisar desde já tais competências, a fim de se evitar futuramente confusões e cumulações indevidas de causas de pedir e pedidos perante juízos incompetentes.”
Outro aspecto esclarecido consiste na definição da competência do Juízo da capital. “No presente caso, a causa de pedir tal como narrada, além de abordar os danos já ocorridos por conta do notório desastre ambiental, envolve potenciais danos que transbordam as divisas entre Estados (Minas e Espírito Santo e até mesmo Bahia, ante a possibilidade de afetação do Parque Nacional de Abrolhos). Assim, trata-se de demanda que apresenta danos regionais, o que, nos termos do art. 93, inciso II, Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao sistema de tutelas coletivas, determina a competência no juízo da capital”, fria o magistrado Federal.
Juiz esclarece que nunca mandou impedir chegada dos resíduos de minério ao mar
Na decisão deste sábado, o juiz Federal Rodrigo Botelho esclarece que, considerando ruídos de interpretação feitos pelas partes e pela mídia, faz os seguintes esclarecimentos sobre a decisão tomada no dia 18 deste mês dentro dos autos da Ação Cível Pública contra a Samarco:
“Em momento algum se determinou, naquela decisão, ordem peremptória para que se impedisse a chegada ao mar dos resíduos. Muito menos se determinou que fosse realizado algum tipo de represamento do rio. Inclusive, a decisão, em vários momentos, tem por um fato inevitável o atingimento da lama (ou o eufemismo utilizado pela ré – “pluma de turbidez”) à foz e consequentemente ao mar. A decisão foi clara: o que se determinou, portanto, foi que a ré (Samarco) apresentasse um plano emergencial de contingência, senão destinado a neutralizar (o que parece ser impossível), mas a mitigar os impactos sobre os ecossistemas marinhos presentes na foz do rio, no mar e praias adjacentes e nas unidades de conservação próximas.”
O magistrado informa na decisão que teve a oportunidade de esclarecer tal fato diretamente a advogados da Samarco que foram até seu gabinete, na tarde de sexta-feira (20/11), apresentar pessoalmente as medidas que estavam sendo adotadas. Na ocasião, relataram que a Samarco estava reabrindo, através de máquinas, o canal de acesso do leito do rio ao mar, que se fechou nos últimos meses em virtude da seca e tinham receio se tal proceder estava por descumprir minha ordem.
“Sobre o ponto, aliás, parto da premissa de que o normal é o Rio Doce desaguar no oceano. E não se pode querer aproveitar uma desgraça ambiental (a seca e fechamento da boca da foz) para impedir outra (acesso dos resíduos ao mar). Assim, como já então esclarecido, desde que haja aval técnico dos órgãos ambientais, fundamentalmente autorização do IBAMA (por se tratar de bem federal), não há nem nunca houve óbice nestes autos à reabertura e/ou alargamento do canal de acesso e desague da foz”, esclarece o juiz Federal Rodrigo Botelho.
Feitos, então, os esclarecimentos, ele partiu para analisar o requerimento de suspensão do processo apresentado pela Samarco e as considerações do Ministério Público Federal: “Não é caso de suspensão do processo. A uma, porque o objeto da presente demanda não coincide totalmente com as obrigações que foram assumidas pela ré no Termo de Compromisso Ambiental Preliminar. A duas, porque justamente um dos órgãos que patrocinou o referido termo – o Ministério Público Federal – é o autor da presente ação, sendo que aquele documento expressamente ressalvou a possibilidade do ajuizamento de ações caso fosse necessário”, diz o magistrado.
Quanto ao primeiro motivo, ele relembra que o foco de proteção na Ação Civil Pública está sobre o ecossistema da foz do Rio Doce, as unidades de conservação de seu entorno, além do mar e praias costeiras próximas. E muito embora o Termo de Compromisso firmado e o plano apresentado pela Samarco ostentem várias e importantes obrigações e medidas destinadas a minimizar os impactos ambientais ao longo do leito do rio, poucas são as medidas protetivas especificadas para os ecossistemas de mangue e restinga da foz, afirma o juiz Federal Rodrigo Botelho.
“E quanto ao mar e praias adjacentes, as medidas restringem-se a medições, não havendo maior detalhamento quanto a procedimentos mais concretos de proteção da fauna e flora marinhas, apenas de seu tratamento posterior através do IPRAM (Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos)”, prossegue a decisão.
Rodrigo Botelho completa o raciocínio: “Por outro lado, beira a irresponsabilidade assumir como certo o fato de que os resíduos se dissolverão rapidamente, sem maiores danos, ao atingir o oceano. Ora, trata-se de acidente inédito em região de tão sensível ecossistema. Até mesmo as análises técnicas supostamente feitas pelos órgãos ambientais preconizando o desague no oceano como a melhor solução não ostentam a certeza científica, mas partem de prognósticos que podem não se confirmar. E exatamente por assim ser que se mostra aplicável ao caso, por excelência, o princípio ambiental da precaução: diante da incerteza, o melhor é se precaver para o pior cenário.”
Para ele, “o plano emergencial de contingência até então gestado e aplicado pela SAMARCO, em razão do termo de compromisso firmado, apesar de se mostrar amplo e bem elaborado, ainda padece de lacunas, especialmente, como dito, carece de um melhor detalhamento da prevenção/minoração dos danos sobre a região da foz, das unidades de conservação, praias e mar territorial.”
Segundo Rodrigo Botelho, essas lacunas podem ser preenchidas pela empresa, em complementação ao plano que já adota e que, reconheço, envolve grandes esforços de sua parte para mitigar o impacto ambiental sobre o rio. “Por isso, não obstante as lacunas detectadas, acolho o referido plano em cumprimento à minha decisão anterior, não sendo o caso, por ora, de aplicação de multa”, decidiu o magistrado.
O juiz Federal Rodrigo Botelho tomou as seguintes decisões neste sábado:
1) De qualquer modo, para fins de complementação do plano e melhor esclarecimento das ações até então realizadas, e tendo em vista ainda ser este Juízo Federal o único competente para deliberar sobre as medidas destinadas a minorar os impactos ambientais sobre a área que é foco da demanda, obviamente com respaldo técnico, hei por bem determinar a realização de audiência pública especial, a se realizar no dia 24 de novembro próximo, às 14:30 h, no auditório da sede da Justiça Federal em Vitória.
Deverá a ré comparecer à referida audiência, podendo se fazer acompanhar de auxiliares técnicos, e apresentar as medidas complementares que reputar importantes e necessárias para as áreas em comento.
2) Sem prejuízo da audiência, deverá a SAMARCO apresentar (anexar aos autos), até as 18 horas do dia 23 de novembro, sob pena de multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), todo e qualquer estudo técnico de que já dispõe, seja do IBAMA, do IEMA ou de qualquer outro órgão ou entidade, que ateste, como alegado, que a dispersão da onda de lama e resíduos no mar é a melhor solução técnica e quais os controles ambientais serão adotados sobre o ambiente marinho, além do monitoramento já previsto no plano e no termo de compromisso. Apesar de prometido, até o momento nenhum desses estudos foi ainda apresentado neste processo, embora haja notícia da apresentação deles em processos instaurados perante órgãos judiciais manifestamente incompetentes para a matéria.
3) De igual modo e no mesmo prazo, também sob pena de multa acima estipulada, deverá apresentar relatório atualizado sobre as medidas efetivadas nos últimos cinco dias, especificando as técnicas adotadas para proteção dos ecossistemas existentes nas foz e adjacências (mangues, restingas, canais, foz de afluentes, conexões com lagoas etc.), já que nada disso foi apresentado ainda nestes autos. A imprensa noticia a colocação de bóias de absorção e contenção, mas nada há especificado nos documentos até então apresentados neste processo.
4) Deverão, ainda, ser intimados com urgência a participar da audiência o Secretário de Estado de Meio Ambiente, o Secretário Municipal de Meio Ambiente de Linhares, representantes técnicos da ICMBio, do IBAMA e do IEMA, representantes do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho que integram a Comissão de Monitoramento do Termo de Compromisso Ambiental Preliminar, integrantes da Procuradoria da União e da Procuradoria Federal (esta representando IBAMA e ICMBio), além da Procuradoria do Estado do Espírito Santo e Procuradoria do Município de Linhares, e obviamente o órgão ministerial atuante no presente feito.
5) Quanto ao MPF, verifico que uma das obrigações constantes do Termo de Compromisso é a apresentação de relatório diário pela SAMARCO S/A à comissão de monitoramento. Considerando que, a despeito da existência de independência funcional entre seus membros, a instituição também é una e indivisível, isso deve importar em uma atuação coordenada e coerente de seus integrantes, ainda mais em um desastre tão grave. Assim, deverá o MPF apresentar, até o momento da audiência, todos os relatórios recebidos da SAMARCO S/A acerca do cumprimento do Termo de Compromisso.