O juiz Aldary Nunes Júnior, da Vara da Fazenda Estadual de Vila Velha, condenou o Estado do Espírito Santo a promover curso especializado e curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, na forma dos artigos 29, VII, e 145, IV, do Código de Trânsito Brasileiro, a todos os policiais e bombeiros militares que dirigem veículos de emergência (viaturas policiais ou ambulâncias) , até a data de 1º de janeiro de 2017. O magistrado acolheu, assim, pleito da Associação Geral dos Militares do Estado do Espírito Santo (Agem/PMBM), presidida pelo soldado PM Maxson Luiz da Conceição.
“Foi uma conquista muito importante para toda a categoria”, comemorou o soldado Maxson Luiz.
Na sentença, segundo os autos de número 0039521-91.2013.8.08.0035, o juiz Aldary Nunes Júnior destaca: “sob pena imposição das penalidades cíveis, administrativas e criminais a todos os agentes que promoverem o desrespeito ao presente comando judicial, independentemente do nível hierárquico, e, ainda, sob pena de que todos os agentes militares que não possuam o curso exigido por Lei não possam mais conduzir veículos de emergência (viaturas).”
Na “Ação de Obrigação de Fazer”, a ASSOCIAÇÃO DOS MILITARES DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO pleiteou a condenação do Estado em promover curso especializado e de treinamento de prática veicular em situação de risco; a cessar a cobrança a militares estaduais por danos causados ao erário e a terceiros em decorrência da imposição/autorização do requerido de fazer com que militares sem treinamento conduzam veículos; e a restituir eventuais valores pagos por militares ao Estado que conduziram veículo sem treinamento, geraram danos aos carros e tiveram que promover ressarcimento ao erário por tais danos.
Na ação, a entidade de classe alegou que “muitos dos militares estaduais vêm desempenhando a função de motorista de viaturas sem os mesmos preencherem todos os requisitos que a legislação requerer para tanto. A conduta dos militares se da em razão do Estado obrigar aos mesmos a execução desta função, imposição esta que acaba por permitir que vários acidentes envolvendo viaturas tanto da Polícia Militar quanto as viaturas do Corpo de Bombeiros”.
Asseverou que “muita das vezes o militar acaba sendo refém do Estado, pelo flagrante estado de hipossuficiência do militar para com o Estado, pois se o militar não acatar a ordem do Estado de conduzir as viaturas mesmo sem ter a capacidade técnica necessária imposta pela legislação nacional ele acaba sendo transferido para uma atividade penosa, acaba sendo transferido para uma escala de serviço mais ‘puxada’ e às vezes por se opor a realizar uma tarefa a qual não possui capacidade técnica acaba até sendo transferido de unidade e de município”.
O Estado do Espírito Santo contestou, em que aduziu as preliminares de falta de interesse de agir e falta de requisito de regularidade formal da lide, bem como questões meritórias.
Na sentença, o juiz Aldary Nunes Júnior cita o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Artigo 29: O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: […]
VII – os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:
a) quando os dispositivos estiverem acionados, indicando a proximidade dos veículos, todos os condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e parando, se necessário;
b) os pedestres, ao ouvir o alarme sonoro, deverão aguardar no passeio, só atravessando a via quando o veículo já tiver passado pelo local;
c) o uso de dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha intermitente só poderá ocorrer quando da efetiva prestação de serviço de urgência;
d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código;
Art. 145. Para habilitar-se nas categorias D e E ou para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:
I – ser maior de vinte e um anos;
II – estar habilitado:
a) no mínimo há dois anos na categoria B, ou no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria D; e
b) no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria E;
III – não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses;
IV – ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN.
Parágrafo único. A participação em curso especializado previsto no inciso IV independe da observância do disposto no inciso III.
E garante mais: Regulamentando as disposições indicadas, o CONTRAN já editou diversas Resoluções, em obediência ao previsto no art. 145, IV, do CTB. “Porquanto, existe norma legal determinando que sejam promovidos cursos especiais de direção para carros de emergência – dentre eles as viaturas policiais – e há Resolução oriunda do órgão competente, normatizando os cursos de formação especial para condução de veículo de emergência…Dos diversos atos normativos indicados, o que se extrai é a necessidade de ministração de curso específico para agentes policiais, para fins de devido exercício da chamada ‘direção ofensiva’ – em relativa mitigação à regra do art. 148, § 1º, do CTB”, afirma o magistrado.
“Em outros dizeres: é justamente a necessidade de curso específico que possibilita a observância de uma direção defensiva, mesmo em situações extremas, como a condução de veículos de emergência. Vale destacar que o Poder Executivo Estadual, a quem a Polícia Militar é vinculada, não desconhece a obrigação de promover cursos de formação, tanto que à folha 41 dos autos informou que ‘desde o ano de 2009, 1.257 (mil duzentos e cinquenta e sete) policiais militares realizaram o Curso de Condução de Veículos de Emergência”.
Em síntese, segundo o juiz Aldary Nunes Júnior, o fato real hoje é que existe a obrigatoriedade legal de que os condutores de viaturas participem do curso de Condutores de Veículos de Emergência. “E tal fato é de conhecimento de outros setores da sociedade. Como se pode ver nos autos, já chegaram à PMES questionamentos relativos a condutores de viaturas envolvidos em acidente de trânsito terem participado do referido curso, assim como, liminar judicial do Rio Grande do Sul determinando que somente policiais militares que tenham frequentado o curso em questão neste documento conduzam viaturas.”
Também merece menção do documento enviado pelo então tenente-coronel Francisco Daroz – hoje, coronel da reserva remunerada – ao Comando Geral:
“Informo que durante apuração do PAD-RS de Portaria 040/2010-SPAJ/9º BPM, instaurado para apurar responsabilidade do ME (Militar Estadual) que, conduzindo viatura da PMES, atropelou e matou uma criança no bairro Alto Novo Parque em Cachoeiro de Itapemirim, caso que vem sendo amplamente divulgado na imprensa de nosso Estado, foi alegado pela defesa do ME que o acusado ‘não possui ‘habilidade’, treinamento, para conduzir veículo militar, não tendo tido em seu curso de formação e mesmo depois de estar trabalhando no 9º BPM’. Analisando o argumento da defesa, verifica-se uma grave falha de nossa Corporação uma vez que a Lei Federal 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), em seu Art. 145 determina: […].
[…]
Finalizando, envio este documento a V. Sa. com o objetivo de que essa situação seja analisada e, salvo melhor juízo, seja encontrada uma forma de atender os princípios legais do CTB, preservando o nome de nossa Corporação e evitando a responsabilização do Estado ou de seus funcionários, por erros de direção cometidos por policiais que conduzem viaturas mesmo não sendo habilitados para tal função, o que acontece com provavelmente todos os motoristas de viatura da Polícia Militar do Espírito Santo nos dias atuais.”
O magistrado prossegue na sentença: “O então Assistente do Comando-geral da PM, Sr. ÉRICO VIEIRA CELANTE (fl. 199) chegou a afirmar que ‘uma opção razoável é a inclusão do referido Curso no Curso de Formação de Soldados da PMES’.
Já o Diretor de Ensino Instrução e Pesquisa registrou à época: “Verifica-se atualmente a obrigatoriedade no edital de concurso do CFSd, referente à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para ingresso. A Idade mínima para ingresso no CFSd é de 18 anos, o que de certa forma conflita com a idade de 21 anos, que é requisito para participar no Curso para Condutores de Veículos de Emergência. A sugestão é que o curso seja ministrado de forma complementar ao CFSd e que não faça parte da estrutura curricular, ficando os que não participarem, condicionados a participarem obrigatoriamente do curso quando atingirem a idade.”
O juiz Aldary Nunes Júnior conclui, então: “Não obstante todas essas manifestações interna corporis que indicam a ciência quanto à obrigação legal, a PMES não vem cumprindo a exigência dos arts. 29 e 145, ambos do CTB. Ocorre que decorrendo de legislação especial, cuja obrigação se mostra cogente, equivoca-se o Poder Público em olvidar a obrigatoriedade de observância das diretrizes normativas já indicadas. Fixadas as premissas básicas, (a) de que há obrigatoriedade de ministração de curso específico para condução de viaturas policiais e, ainda, (b) de que o Poder Público Estadual vem descumprimento tal determinação, passo à análise mais detida dos pedidos indicados na exordial.”